Um olhar especial para a Reabilitação Oral de idosos
(Imagens: Adobe Stock)

Um olhar especial para a Reabilitação Oral de idosos

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Cuidados específicos para a Reabilitação Oral de idosos trazem desafios para os profissionais da Odontologia.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) a partir da “Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua”, realizada em 2018, o número de idosos do Brasil ultrapassa os 30,2 milhões de indivíduos. Essa informação confirma a tendência de envelhecimento da população brasileira.

Esses dados revelam não apenas a importância da criação de políticas públicas para atenção a essas pessoas, mas serve como um alerta, principalmente às áreas da Saúde, sobre a necessidade de protocolos de atendimento voltados para os cuidados aos idosos, considerando todas as características que envolvem esse público. A pesquisa também revelou que 41,5% das pessoas com mais de 60 anos já perderam todos os dentes, e que 39% de toda a população usa próteses dentárias.

O cirurgião-dentista Alfredo Mesquita, de São Paulo, que atua com Odontologia Digital e também atende pacientes idosos, destaca a importância de uma anamnese completa e detalhada antes dos tratamentos, avaliação de comorbidades, interação medicamentosa e também observação sobre o estado emocional e psicológico desses pacientes.

“De maneira geral, os pacientes idosos demandam atenção e acolhimento. Precisam ser ouvidos, e o cirurgião-dentista não pode perder a capacidade de escutá-los”, ressalta. Mesquita observa, ainda, que muitos desses pacientes não buscam resultados apenas estéticos, mas se preocupam com a funcionalidade e a comodidade após os tratamentos. “Eles querem comer de forma confortável”, pontua.

De acordo com o profissional, o ideal é que os tratamentos de Reabilitação Oral para idosos sejam os menos invasivos possível. Alfredo Mesquita explica que as comorbidades são menos críticas para implantes do que para enxertos, que dependem muito mais da condição sistêmica dos pacientes para serem bem-sucedidos.

“Há várias técnicas de enxertia e diversos tipos de materiais. As técnicas mais antigas, que eram feitas com o próprio osso do paciente, ao longo dos anos mostraram que havia reabsorção, o que acabava comprometendo a fixação dos implantes. Ao contrário do que se pensava, os enxertos com biomateriais mantêm mais a espessura óssea”, descreve Mesquita.

Comorbidades

Entre as doenças que normalmente acometem os idosos, o especialista destaca o mal de Parkinson e as demências como as mais críticas, pois comprometem a capacidade de higienização. “Esses pacientes normalmente têm que contar com o auxílio de familiares ou cuidadores, que precisam ser bem instruídos sobre os procedimentos”, explica.

Ele diz que, nesses casos, muitas vezes é mais recomendável o uso de próteses do tipo overdenture, que são encaixadas sobre dois implantes, mas por serem removíveis facilitam a higienização, principalmente por terceiros.

“Os exames pré-operatórios são muito importantes para avaliar a condição sistêmica. O cirurgião-dentista está legalmente habilitado a solicitar esses exames para avaliar a condição hepática, o metabolismo ósseo, a glicemia, análise sanguínea, de urina, entre outros; e também conhecer os medicamentos e outros tratamentos de saúde aos quais o paciente esteja se submetendo”, orienta, lembrando também da importância de conversar com os médicos que acompanham esse idoso, promovendo um atendimento multidisciplinar para minimização de riscos.

Os procedimentos considerados comuns e praticamente sem riscos de intercorrências em pacientes mais jovens merecem mais atenção e cuidados quando realizados em idosos. “Eles tendem a ter mais edemas, formar mais hematomas e, quando tomam anticoagulantes, esse risco aumenta”, diz Alfredo Mesquita, que relata encontrar na cirurgia guiada uma técnica eficaz, precisa, rápida e segura para esses pacientes, que normalmente apresentam maior fragilidade vascular.

Ele ressalta também a preocupação com a anestesia para esses pacientes. “Ainda que a literatura estabeleça limites de segurança para a quantidade de tubetes, no caso dos idosos o ideal é procurar manter-se abaixo desse limite, já que estes costumam ter o metabolismo mais lento e tendem a apresentar problemas hepáticos e renais, órgãos que metabolizam as substâncias dos anestésicos”, conclui.

Um país de edêntulos

Também em 2018, o estudo “Percepções Latino-Americanas sobre Perda de Dentes e Autoconfiança”, realizado pela Edelman Insights, revelou que a perda de dentes é o segundo fator que mais compromete a qualidade de vida das pessoas entre 45 e 70 anos de idade. E, em um país com tanta diversidade e peculiaridades socioeconômicas e culturais como o Brasil, são inúmeras as razões que levam as pessoas a perder os dentes, parcial ou totalmente.

“Antigamente, era comum as mulheres se casarem ainda na adolescência ou no início da juventude, e ganharem de presente dos pais a extração total dos dentes, para que no futuro os problemas dentários da esposa não acarretassem em transtorno e despesas para o marido. Algumas dessas pessoas são as idosas de hoje”, lembra Salomão Ostetto, cirurgião-dentista de Joinville (SC), e especialista em Implantodontia.

Mas, além das questões culturais do passado, os maus hábitos de cuidados com a higiene bucal, somados ao desgaste natural dos dentes com o tempo, a dificuldade de acesso a tratamentos odontológicos de qualidade e aos diversos fatores sistêmicos dos pacientes, corroboram para o alto número de edêntulos do País.

“A maioria dessas pessoas ainda têm como única alternativa o uso de próteses totais, com o céu da boca em acrílico, que trazem muito desconforto, caem da boca e causam muito constrangimento, afetando ainda a saúde emocional e a autoestima dessas pessoas”, observa Ostetto.

O especialista afirma que uma pessoa que usa dentadura tem uma média de apenas 10% a 20% do poder de mastigação. “A parte de cima, no céu da boca, cria uma película de saliva, fazendo uma sucção, e a parte de baixo não tem uma boa fixação, causando dor e desconforto”, observa. Ele aponta também problemas fonéticos e nas articulações, advindos da falta de dentes.

“Quando uma pessoa perde os dentes, há um grande comprometimento ósseo. Ao não ter mais a função de segurar os dentes, os ossos começam a murchar, em um processo de reabsorção, tornando-se finos e frágeis. Por isso, a arcada dentária de um edêntulo adulto parece a de uma criança”, diz Salomão.

Implantodontia

Na atenção especial ao tratamento de idosos, a Implantodontia é uma das armas mais importantes dos cirurgiões-dentistas. As técnicas da especialidade têm evoluído muito ao longo dos tempos. “Hoje em dia, os pacientes idosos podem ser submetidos aos implantes, mesmo sendo cardiopatas, diabéticos ou hipertensos, desde que sejam bem-avaliados e submetidos a procedimentos minimamente invasivos”, afirma.

Ostetto explica que a maior dificuldade das pessoas que desejam realizar implantes é a quantidade óssea. Apesar de a Odontologia contar com técnicas que eliminam a necessidade de enxertos nos casos de próteses totais – como os implantes pterigoide, transinusal ou transnasal, quando o paciente necessita de um a quatro implantes unitários, por exemplo, a enxertia ainda é essencial, principalmente devido à preocupação com a estética. “Nesses casos, há enxerto de ossos e também de gengiva, para a manutenção das papilas entre os dentes”, esclarece.

Se no passado o procedimento mais comum era realizar enxertos e colocar diversos implantes, de forma a compensar a eventual perda de algum deles, hoje em dia os protocolos mais seguros preconizam o uso de apenas quatro implantes. É o caso da técnica All-on-4.

Há três tipos de implantes possíveis com o uso da técnica All-on-4.

 

All-on-4

A união entre a Odontologia e a Engenharia encontrou na biomecânica uma solução que tem revolucionado a Implantodontia. Há cerca de 25 anos, o cirurgião-dentista português Paulo Maló, depois de diversos estudos, concluiu que são necessários apenas quatro implantes para segurar todos os dentes fixos. Dois implantes na frente e dois atrás suportam uma prótese inteira com 12 dentes parafusados e sem necessidade de enxertos. A este procedimento ele deu o nome de All-on-4 (tudo em 4).

“A genialidade dessa técnica está em buscarmos uma região em que os ossos ainda estejam íntegros, e com a liberdade de poder inclinar os implantes. No passado, acreditava-se que para ser bem-sucedido, o implante deveria ficar reto, mas os estudos comprovaram que ele pode ficar inclinado, desde que esteja bem preso e totalmente dentro do osso do paciente”, explica Salomão Ostetto.

A tomografia computadorizada é o exame que avalia a quantidade óssea para escolha da melhor região para fazer as perfurações. Segundo o especialista, a técnica pode ser aplicada mesmo em pessoas que perderam os dentes na adolescência e já não têm mais os ossos íntegros na parte superior.

Há três tipos de implantes possíveis com o uso da técnica All-on-4, aplicáveis conforme a estrutura óssea do paciente:

Standard: quatro implantes tradicionais, sendo dois retos e dois inclinados;
Híbrido: dois implantes normais na frente e dois zigomáticos atrás (quando o paciente não tem mais osso nessa região);
Zigomático: dois implantes zigomáticos de cada lado (quando o paciente não tem mais osso preservado).

Salomão Ostetto explica que a parte superior costuma ser mais desafiadora, pois a maxila é mais frágil e porosa. Já a mandíbula, por sua vez, tem a estrutura óssea mais sólida, robusta e densa. Associada ao protocolo All-on-4 está a técnica de carga imediata, e que pode ser utilizada tanto na maxila como na mandíbula. Trata-se de instalar o implante, fixar o parafuso e em seguida já tirar o molde e enviar ao laboratório para que o paciente receba os dentes entre três dias e uma semana.

O ortopedista sueco Per-Ingvar Brånemark, juntamente com outros pesquisadores, foi o precursor da Osseointegração, a partir de estudos iniciados na década de 1950, e que foram um divisor de águas para a Odontologia, especificamente para a Implantodontia. Em 1989, ele instalou no Brasil, na cidade de Bauru interior de São Paulo, um dos nove institutos que levavam seu nome, tornando-se um dos mais importantes centros de especialização do mundo.

Salomão Ostetto estudou no Instituto Brånemark, na mesma época em que o português Paulo Maló estava no Brasil para conclusão de seu doutorado, há cerca de 20 anos, e teve a oportunidade de ser um dos primeiros cirurgiões-dentistas brasileiros a ter contato com o protocolo All-on-4. Ele conta que o Dr. Brånemark já vinha realizando procedimentos com quatro implantes antes mesmo das pesquisas de Paulo Maló, mas foi o especialista português que estudou e comprovou a possibilidade de inclinação dos implantes com muito sucesso.

Apesar dos resultados positivos, ele calcula que 95% das especializações em Implantodontia não abordam esses protocolos minimamente invasivos. “As técnicas como o All-on-4 são simples, rápidas e previsíveis, mas não são fáceis e demandam muita prática”, ressalta.

Um dos precursores da técnica no Brasil, o cirurgião-dentista Mauricio Motta foi um dos primeiros a ministrar aulas sobre esse protocolo no País. Ele acompanhou todo o processo evolutivo do procedimento, que ele considera ser totalmente factível sem a necessidade de enxertos.

Segundo Motta, não há contraindicações para a aplicação do All-on-4 em idosos edêntulos. No entanto, é importante observar fatores de risco comuns a qualquer processo cirúrgico como tabagismo, diabetes e bruxismo, entre outros.

Um dos idealizadores do GRAM – Congresso Internacional de Reabilitação de Maxilares Atróficos, que este ano teve sua segunda edição realizada em São Paulo, no mês de maio, Mauricio Motta tem se empenhado em disseminar o conhecimento sobre a técnica All-on-4, reunindo um grupo de especialistas para ministrar cursos on-line e presenciais para capacitação e treinamento de profissionais sobre esse protocolo.

O professor reconhece que atualmente os pacientes ainda têm dificuldades em encontrar especialistas nessa área, mas aposta na publicação de mais estudos comprovando o sucesso da técnica. “A ciência demanda um tempo e, agora, já temos mais de 20 anos de sucesso com o All-on-4, que comprovam ser uma técnica consagrada e que deve reunir cada vez mais adeptos”, finaliza.