Saúde bucal: uma aliada dos esportistas na busca por troféus

Saúde bucal: uma aliada dos esportistas na busca por troféus

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Saúde bucal de esportistas: tratamento odontológico para atletas de alto rendimento ganha espaço, mas necessita de protocolos específicos.

O esporte de alto rendimento passa por um momento de desenvolvimento em todos os setores. Fisiologia, fisioterapia, nutrição e condicionamento físico são alguns dos pontos que evoluíram substancialmente nos últimos anos. Afinal, em disputas entre atletas tão preparados, milésimos de segundos ou poucos centímetros podem significar a tristeza pela derrota ou a glória pela conquista. E, entre esses pequenos, mas importantes detalhes, está o cuidado com a saúde bucal desses esportistas.

A Odontologia do Esporte tornou-se uma especialidade reconhecida pelo Conselho Federal de Odontologia (CFO) em novembro de 2015, atestando o apoio a cirurgiões-dentistas que já desenvolviam trabalhos relevantes nessa área e estimulando outros profissionais a encontrar oportunidades nesse setor. A oficialização aconteceu como resultado do trabalho de profissionais, associações e entidades representativas, que já há alguns anos vinham desenvolvendo ações importantes, desde a publicação de artigos científicos até a criação de protocolos que apontam para a necessidade de atenção diferenciada para a saúde bucal de atletas profissionais e amadores.

Cirurgião-dentista da Seleção Brasileira de Futebol em quatro Copas do Mundo (1958, 1962, 1966 e 1968), Mario Trigo foi pioneiro no desenvolvimento da Odontologia do Esporte no País. Falecido em 2008, aos 96 anos, o profissional alertava para o fato de que a má condição de saúde bucal dos jogadores poderia comprometer a saúde geral desses esportistas. Apenas no ano de 1958, ano do primeiro Mundial conquistado pelo Brasil, ele chegou a extrair 118 dentes dos 33 atletas da Seleção.

No entanto, essa relação entre saúde bucal e rendimento esportivo está presente na história da humanidade. A milenar medicina chinesa associa a cavidade oral a uma importante ferramenta para o diagnóstico de doenças sistêmicas, considerando não apenas as disfunções orgânicas, mas também o desequilíbrio emocional e energético causado por problemas e dores dentárias.

O cirurgião-dentista Hilton José Gurgel Rodrigues, de Natal (RN), especialista em Odontologia do Esporte, gestor de saúde da Confederação Brasileira de MMA e membro da diretoria da Sociedade Brasileira de Odontologia do Exercício e do Esporte (SBOEE), considera os esportistas como pacientes especiais. “O atleta profissional é uma máquina de altíssima performance. Por isso, precisa que seu corpo funcione 100%, e a saúde bucal tem um papel muito importante nesse resultado”, enfatiza.

Hilton José aponta que a Odontologia do Esporte atua tanto na prevenção quanto no tratamento e na manutenção da saúde geral dos atletas. “Eles precisam ser tratados de forma holística. Sabemos que as bactérias da boca migram para o organismo, causando diversos problemas de saúde, especialmente nas articulações e no coração”, aponta.

Ele lembra o caso do jogador norte-americano de basquete, Laurence Young, que jogava no Brasil, no Inter/Prefeitura de Santos, e que faleceu em 2011, aos 30 anos de idade, vítima de endocardite causada por uma infecção dentária.

O especialista reforça que outras áreas da Saúde estabelecem protocolos e têm profissionais especializados em esporte, como a Medicina, Fisioterapia, Psicologia e Nutrição, e que a Odontologia deve fazer parte da atenção multidisciplinar aos atletas de alto rendimento.

Fatores como o uso de isotônicos, desordens temporomandibulares, respiração bucal, traumatismo dentário e problemas endodônticos estão entre os que mais afetam a saúde e o desempenho dos esportistas. Além do risco de infecções bacterianas, atletas com doenças bucais e dentárias têm a nutrição também afetada, desde a falta de dentes, que compromete a mastigação e ingestão, até a alimentação, que fica prejudicada por episódios de dor e inflamações.

Uma das maiores preocupações no trato com atletas competidores é o doping. “Cirurgiões-dentistas especializados em Odontologia do Esporte devem ter amplo conhecimento sobre as substâncias e suplementos alimentares utilizados pelos esportistas, e sobre a interação medicamentosa com anestésicos e outros medicamentos de tratamento dentário, para que os atletas não corram o risco de qualquer tipo de choque ou de testarem positivo para doping, o que pode comprometer não apenas sua participação em competições, mas toda sua carreira”, alerta.

Hilton destaca as modalidades esportivas que mais demandam procedimentos dentários especializados:

Artes marciais: a preocupação não é apenas com o impacto que os lutadores sofrem com os golpes, motivo pelo qual utilizam protetores nos dentes. Esses atletas precisam perder peso rapidamente antes das lutas, o que geralmente debilita o sistema imunológico. Submetê-los a tratamentos dentários nesse período pode ser um risco, daí a importância do trabalho preventivo.

Natação: os longos períodos que os nadadores passam dentro de piscinas com cloro causam desgaste e sensibilidade nos dentes.

Basquete: por ser um esporte de contato praticado com as mãos, os jogadores ficam mais vulneráveis a cotoveladas e golpes, que podem provocar lesões dentárias e nas articulações da boca.

O futebol, esporte mais popular do Brasil, é uma das modalidades que mais têm incluído a Odontologia nos cuidados aos atletas, mas ainda não são todos os clubes que incorporam a especialidade em seus departamentos de saúde.

Praticantes de esportes menos populares e até de aventura também destacam a importância do cuidado com a saúde bucal para o bom desempenho de suas atividades. O alpinista e empresário Rodrigo Raineri, que atualmente vive na cidade de São Pedro, interior de São Paulo, é um dos maiores montanhistas do Brasil, tendo escalado os picos mais altos do mundo, inclusive o Monte Everest, na fronteira entre o Nepal e o Tibete, onde já esteve por seis vezes, chegando ao cume em três delas.

Raineri explica o efeito da altitude na condição dentária. De acordo com o alpinista, o ar mais rarefeito pode expandir dentro de dentes que tenham falhas de restauração ou estejam cariados, podendo causar rupturas bruscas, dores e infecções que não apenas podem prejudicar e até interromper a expedição dos atletas, mas também colocar sua vida em risco, já que estão em condições extremas e sem acesso a atendimento odontológico de emergência.

Filho de cirurgiões-dentistas, Raineri conta que sempre teve uma boa orientação sobre os cuidados com a higiene dos dentes, o que lhe garante uma ótima condição de saúde bucal, mas relata o fato que colocou em risco essa condição. “Fizemos uma expedição ao Aconcágua (na Argentina), em um mês de fevereiro. Por causa do aquecimento global, vários trechos não tinham mais gelo, obrigando-nos a escalar na rocha pura. Com isso, não conseguimos chegar ao cume e, então, planejamos outra tentativa, um ano depois. Para otimizar a expedição, e utilizando a experiência da primeira, carregamos o mínimo de peso possível, em um cálculo em que cada miligrama faz diferença”, descreve Raineri.

“Levamos apenas uma panela, utilizando comida liofilizada. Esquentávamos a neve para transformar em água e hidratar a comida, repetindo esse processo em todas as refeições. Também para eliminar peso, optamos por não levar escovas e pasta de dente, e fazíamos a higiene apenas bochechando um pouco de água morna. Felizmente, não tive nenhum problema, mas quando minha mãe soube, me deu uma bronca, dizendo que poderíamos ter tido uma septicemia”, relembra, dizendo que a quebra de obturações dentárias é o problema mais comum entre alpinistas nas montanhas.

Hilton José tem um projeto de pesquisar os efeitos da altitude na saúde bucal e destaca que pilotos de avião e mergulhadores também estão entre os grupos de esportistas mais vulneráveis a problemas odontológicos, devido às diferenças de pressão atmosférica. O especialista finaliza, reforçando a importância de que os atletas tenham consciência de como a saúde da boca pode interferir em sua condição física e performance esportiva, priorizando o atendimento por profissionais especializados, e que os cirurgiões-dentistas estejam bem informados sobre as características, protocolos e riscos envolvidos no atendimento a esses esportistas, buscando e valorizando a especialização em Odontologia do Esporte.

O especialista reforça a importância de os atletas terem consciência de como a saúde da boca pode interferir em sua condição física e, consequentemente, em sua performance esportiva. Por isso, é importante priorizar o atendimento por profissionais especializados. Hilton José finaliza pontuando que os cirurgiões-dentistas devem estar bem informados sobre as características, protocolos e riscos envolvidos no atendimento a esses esportistas, buscando e valorizando a especialização em Odontologia do Esporte.