Osteonecrose maxilar causada por uso de medicamentos para osteoporose e câncer

Osteonecrose maxilar causada por uso de medicamentos para osteoporose e câncer

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O aumento de casos de osteonecrose maxilar nos consultórios tem levantado um sinal de alerta nos profissionais da Reabilitação Oral.

Por Inahiá Castro

Um relevante número de cirurgiões-dentistas tem relatado um aumento exponencial dos casos de osteonecrose maxilar causada pelo uso de bifosfonatos e alendronato de sódio. O número de profissionais que compartilham casos semelhantes cresce proporcionalmente com a preocupação da classe odontológica em relação às consequências deste problema.

Os bifosfonatos são medicamentos não hormonais, amplamente ministrados para o tratamento de alguns tipos de câncer com metástase óssea e osteoporose. A droga reduz a absorção óssea, estimulando a atividade osteoblástica, que é a proliferação de células ósseas, mas podem apresentar uma osteonecrose maxilar como efeito colateral. Já o alendronato de sódio, por sua vez, é um medicamento que pertence à classe de bifosfonatos e é indicado para o tratamento da osteoporose, por atuar como um potente inibidor específico da reabsorção óssea, fazendo com que os ossos tenham menos propensão à fratura, mas também apresenta a osteonecrose maxilar como potencial efeito adverso.

Quando começaram a surgir os primeiros casos de osteonecrose maxilar nos consultórios odontológicos, há mais de 20 anos, as causas eram desconhecidas. No entanto, alguns estudos e pesquisas associaram o efeito adverso ao uso dos bifosfonatos e do alendronato. Mais recentemente, o denosumabe, medicamento indicado para prevenção de complicações graves em pacientes adultos com mieloma múltiplo (câncer de células da medula óssea), e para o tratamento da osteoporose em mulheres na pós-menopausa, tem se apresentado como uma nova alternativa aprovada pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) em 2018.

Os bifosfonatos costumam ser administrados por via oral uma vez por mês, e os alendronatos a cada semana. Já o denosumabe é aplicado por via endovenosa a cada seis meses ou um ano. Com posologias e dosagens diversas, indicados para cada caso específico, todos esses medicamentos podem levar ao desenvolvimento de osteonecrose maxilar, mas são fundamentais e eficazes para o tratamento das patologias às quais se aplicam. O efeito adverso não é uma regra. Há pacientes que não desenvolvem o problema.

Quanto à incidência e prevalência dos casos, um dos estudos mais recentes – “Osteonecrose dos maxilares relacionada ao uso de medicações: diagnóstico, tratamento e prevenção” – publicado em 2018 pelo CES Odontología (Medellìn 2018 – vol.31, n.2) aponta: “Na última revisão sistemática publicada até o momento, verifica-se que a incidência é maior em pacientes oncológicos (que utilizam altas doses de medicação endovenosa em intervalos frequentes), variando de 1% a 15%. Em pacientes com osteoporose, esse valor cairia para uma faixa compreendida entre 0,001% e 0,01%”.

Mas os especialistas que têm lidado com o problema em seus consultórios indicam que os casos têm surgido com muito mais frequência. Eles apontam diversos fatores que podem justificar esse quadro, como o crescente número de casos de câncer e osteoporose, aumento da longevidade e um maior conhecimento por parte dos cirurgiões-dentistas sobre o problema. No entanto, são unânimes em dizer que o assunto precisa ser cada vez mais disseminado entre os profissionais da Odontologia para maior precisão do diagnóstico.

A visão da Oncologia

O cirurgião-dentista Fábio Alves lidera, desde 2003, o time odontológico que atende pacientes no Hospital AC Camargo, em São Paulo, com foco nos efeitos colaterais ocasionados pelos tratamentos para câncer. O especialista confirma a eficácia dos medicamentos no tratamento de tumores com metástase óssea e osteoporose, e reforça a importância da anamnese com os pacientes, perguntando bem especificamente sobre o uso dos bifosfonatos, alendronatos e denosumabe, mesmo há mais de seis meses ou um ano. Ele descreve que alguns desses medicamentos podem ter efeito sobre o organismo por cerca de dez anos após o tratamento.

Alves diz que não existem características específicas dos pacientes que possam determinar quais terão maior probabilidade de desenvolver a osteonecrose dos maxilares, mas aponta que aqueles que passaram por tratamentos mais longos e fazem uso dos medicamentos intravenosos apresentam maior propensão.

O câncer de mama nas mulheres e de próstata nos homens são alguns dos que podem evoluir para metástases ósseas. Fábio Alvez explica que esses medicamentos não são preventivos, sendo indicados apenas quando já há metástase óssea. A função dessas drogas é estimular e manter a calcificação dos ossos, que se tornam mais rígidos e, consequentemente, com a vascularização sanguínea comprometida.

“Como a boca contém muitos microrganismos, quando esses pacientes precisam passar por extração dentária ou implantes, correm o risco de infecção e posterior necrose do osso”, descreve Alves. Por isso, o trabalho de sua equipe no hospital é realizar o tratamento total da boca desses pacientes, eliminando possíveis focos de infecção antes de iniciarem o uso das medicações.

“O ideal é que todos os pacientes oncológicos com metástase óssea passem por esse procedimento preventivo”, complementa. Segundo Alves, a osteonecrose do maxilar inicialmente é assintomática, causando dor em um estágio mais avançado, quando o organismo começa a expelir o osso necrosado.

Um alerta aos cirurgiões-dentistas

O implantodontista José Cícero Dinato, de Porto Alegre (RS), ressalta a importância de fazer um alerta à comunidade odontológica para que os profissionais sejam criteriosos na anamnese dos pacientes, observando se houve ou se ainda há tratamento oncológico ou de osteoporose com o uso de algum desses antirreabsortivos mais utilizados. “Muitas vezes, quando perguntamos se o paciente faz uso de algum medicamento, ele pode dizer que não porque tomou uma injeção há seis meses, e não vai considerar que isso seja um medicamento de uso contínuo. Porém, o efeito da droga no organismo dura mais tempo”, explica.

Dinato observa que os cuidados que os implantodontistas devem ter com pacientes que fazem uso desses medicamentos é o mesmo que já se toma com os que passam por tratamento com anticoagulantes ou antiplaquetários, que interferem na coagulação. “Os questionários de anamnese devem ser mais detalhados e específicos. É preciso relacionar os nomes dos medicamentos que podem causar essas reações adversas, para que os pacientes identifiquem e reportem se fazem ou fizeram uso dessas drogas, explicando os riscos envolvidos. É preciso citar o princípio ativo e os nomes comerciais para facilitar esse entendimento por parte do paciente”, alerta.

Mecanismo de ação

O implantodontista Sérgio Jayme, de São Paulo, descreve que a maioria dos casos de osteonecrose acomete a mandíbula, mas também pode afetar a maxila. “Como os medicamentos agem nos osteoplastos (células jovens responsáveis pela produção da parte orgânica da matriz óssea), o osso tem pouca irrigação sanguínea e fica como se fosse velho, ocasionando a osteonecrose. Isso acontece porque não há mais
reabsorção óssea”, detalha.

O especialista diz que a Odontologia relacionou a osteonecrose ao uso de bifosfonatos e alendronatos antes mesmo da Medicina, quando surgiram os primeiros casos nos consultórios. “No princípio, os médicos resistiram a concordar com essa alegação dos cirurgiõesdentistas sobre o efeito adverso dos medicamentos, e até hoje há alguns que ainda não admitem”, relata. Sérgio Jayme sugere que pacientes que precisam fazer uso do denosumabe, com aplicações a cada seis meses, e que tenham indicação para a realização de implantes dentários procurem realizar o procedimento no quinto mês após uma dose, faltando um mês para a próxima aplicação. “Isso porque o efeito da dosagem anterior já está no final, então, seria o melhor período”, aponta, dizendo que algumas pesquisas têm confirmado esta teoria.

O histórico do problema

O cirurgião bucomaxilofacial e professor titular da Unip, Luciano Dib, de São Paulo, levanta outro ponto que merece ser observado. “No início dos anos 1990, nos Estados Unidos, dada a eficácia desses medicamentos, muitos médicos passaram a indicar o uso de bifosfonatos principalmente para mulheres com osteopenia, em geral por volta dos seus 40 anos de idade, como uma forma preventiva de reter o cálcio nos ossos – seu efeito adverso não era conhecido. Até hoje isso é praticado, mas a melhor forma de prevenção é tomar sol, praticar atividades físicas, ingerir derivados de leite e alimentos que contenham cálcio. Não é necessário submeter o corpo de uma pessoa jovem a tratamentos químicos desnecessários”, adverte.

Dib conta que no início dos anos 2000, nos consultórios de cirurgiões bucomaxilofaciais e implantodontistas, começaram a aparecer casos que, inexplicavelmente, desenvolviam uma exposição do osso. “Seja por uma extração dentária, instalação de implante ou uma doença periodontal, aquilo que deveria cicatrizar não cicatrizava e aparecia um osso exposto com aspecto de necrose. Era uma condição difícil de ser controlada. Se retirássemos aquela parte comprometida, a necrose aumentava”, lembra.

O professor descreve que, naquela época, entre os anos 2000 e 2001, por ser especialista na área de câncer, muitos desses casos eram encaminhados para ele por oncologistas, pois essa era uma condição comum a pacientes que passavam por tratamento com radioterapia na região da mandíbula e maxila, e que apresentavam osteorradionecrose. “Eu também não sabia do que se tratava. Então, houve uma primeira publicação sobre o tema, de autoria de Robert Marx, cirugião bucomaxilofacial norte-americano, que reuniu uma série de casos e associou o problema ao uso dos bifosfonatos e alendronatos”, aponta.

Cerca de cinco anos depois, houve um congresso internacional com a promoção de um consenso para decidir sobre a possível suspensão destas drogas, devido à possibilidade de efeito adverso da osteonecrose. No entanto, ficou decidido que seu uso não deveria ser descontinuado devido à grande eficácia que estes medicamentos apresentavam. Porém, foi criado um alerta para a classe médica e para a classe odontológica sobre essa condição. “A partir daí, nas bulas dessas medicações, consta a indicação: consulte o seu cirurgião-dentista na hora da prescrição”, conta Dib.

A avaliação do cirurgião-dentista sobre pacientes com indicação para esses medicamentos deve considerar a condição de saúde bucal. Caso seja necessário um implante dentário, por exemplo, analisa-se o risco de osteonecrose versus o benefício da medicação. “Se o paciente precisa do tratamento para um tumor metastático, ele não pode abrir mão da medicação. Os casos devem ser analisados individualmente”, diz.

O especialista ainda explica que a condição acomete a maxila e a mandíbula, e não outros ossos do corpo, pois a manipulação dentária necessária nos implantes e extrações, e a periodontite requerem um metabolismo ósseo mais aumentado. “Nessa hora, como o osso está bloqueado e sem vascularização, as bactérias entram e acontece a necrose”, explica.

Diagnóstico e tratamento

Segundo Luciano Lauria Dib, atualmente os especialistas têm optado por tratamentos conservadores, evitando a manipulação do osso comprometido e procurando estimular o organismo a expelir a necrose. “Quando é possível suspender a medicação ou fazer um intervalo, esta é uma opção. Se o paciente já possui um implante dentário e precisa tomar alguma dessas medicações, normalmente, se houver uma boa higienização e cuidados permanentes com a saúde bucal, pode não ocorrer a osteonecrose. O risco é maior quando há algum foco de infecção ou inflamação que afeta o osso”, conta.

Nos casos mais graves, em que há uma grande área de osteonecrose, o osso começa a ficar aparente, expandindo para fora da gengiva, apresentando secreção e causando muita dor. “É o que chamamos de sequestro ósseo. Então, é preciso retirar os fragmentos ósseos que estão sendo expulsos pelo organismo, limpar a área e utilizar formas de estimular a recuperação óssea”, detalha.

Dib aponta que há métodos, como a biomodulação com laser em baixa intensidade, associados a medicações que vão retirar as bactérias e medicações que aumentam a circulação sanguínea, e até tratamentos com o próprio plasma do paciente para acelerar a cicatrização. “Nada é 100% garantido. O osso necrosado não se recupera, ele tem que ser eliminado naturalmente pelo organismo ou por meio de cirurgia. Estes casos não têm indicação para enxerto”, relata.

Segundo o professor, existem alguns marcadores do metabolismo ósseo que, apesar de não serem muito precisos, indicam se o paciente está muito ou pouco afetado pela medicação. Hoje em dia, exames radiológicos estão procurando estabelecer parâmetros de imagem para o diagnóstico do problema, mas ele explica que a condição só pode ser considerada como osteonecrose quando há exposição óssea para fora da gengiva por um período superior a dois ou três meses, para que não se confunda com condições em que pode haver uma pequena exposição do osso após uma extração ou outro tipo de manipulação, mas que cessa após ser retirada.

O exame de dosagem do CTX é um marcador bioquímico do metabolismo ósseo que utiliza métodos imunológicos baseados em anticorpos específicos que reagem com interligadores C-terminais de colágeno, encontrados na porção terminal de moléculas de colágeno. Dib explica que os bifosfonatos, alendronatos e denosumabe baixam consideravelmente os níveis de colágeno do organismo, mas aponta que não há parâmetros definidos para que os níveis sejam considerados normais. Isso faz com que este exame seja mais um marcador, mas não com eficácia total para o diagnóstico da osteonecrose.

“As dosagens de CTX variam, dependendo da hora em que o exame foi colhido, e podem mudar a cada semana. Então, o ideal é repeti-lo com alguma periodicidade semanal ou mensal para avaliar se os níveis de colágeno estão diminuindo progressivamente”, explica o especialista, reforçando que, apesar de não serem exames completamente assertivos sobre o diagnóstico, eles contribuem para a tomada de decisão dos especialistas sobre a realização – e a melhor data – das intervenções procedimentais nos pacientes.

Uma questão multidisciplinar

A saúde bucal está cada vez mais inclusa na saúde sistêmica e integral dos pacientes. Desta forma, todos os especialistas entrevistados, entre cirurgiões-dentistas atuando no segmento oncológico, na Implantodontia e cirurgiões bucomaxilofaciais, observam a característica interdisciplinar da Odontologia, cada vez mais evidente, tornando o cirurgião-dentista uma peça fundamental na tomada de decisões de diversos tratamentos de saúde, garantindo maior segurança e qualidade de vida aos pacientes.