Estágio atual do laser na Odontologia
Cirurgia de tecido mole com laser de diodo. (Imagem cedida pela Dra. Marina Bello)

Estágio atual do laser na Odontologia

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O Brasil é um dos maiores pesquisadores e exportadores de conhecimento sobre o laser, que faz parte da rotina clínica de profissionais da Odontologia.

Hoje comum na atividade de profissionais da Odontologia, o laser não é uma novidade. O reconhecimento por sua invenção foi alvo de uma disputa de cerca de 30 anos entre físicos norte-americanos e russos, mas todos eles partiram de um estudo desenvolvido por Albert Einstein, em 1917, que falava sobre a “teoria quântica da radiação”. Em 1957, após muitas pesquisas, o cientista norte-americano Gordon Gould cunhou o termo LASER, como uma sigla que, traduzida para o português, significa amplificação da luz por emissão estimulada de radiação.

Simultaneamente, os cientistas Charles Townes e Arhtur Schawlow, também dos Estados Unidos, elaboravam estudos no mesmo sentido, mas saíram à frente de Gould, patenteando a invenção, descrevendo a teoria que consistia em colocar os átomos a serem estimulados em uma cavidade longa e estreita com espelhos refletivos para fortalecer o processo de emissão de fótons (partículas de luz), produzindo uma reação em cadeia. Basicamente, a mesma ideia de Gould.

Townes se juntou aos russos Aleksandr M. Prokhorov e Nicolai G. Basov para desenvolver a invenção, o que lhes rendeu um prêmio Nobel de Física em 1964. Em 1981, Shawlow recebeu o mesmo prêmio pelos avanços que teve no uso do laser. Enquanto isso, Gould lutou por décadas pelo reconhecimento de que a ideia original partiu dele. Em 1979, seus escritos foram finalmente considerados pioneiros pelo Escritório de Patentes dos Estados Unidos. Mas, somente em 1985, ele foi ressarcido em um processo milionário pelo direito a royalties sobre a invenção, o que lhe rendeu uma aposentadoria de US$ 46 milhões. Mas, nenhum desses cientistas participou da fabricação da primeira máquina de laser, cuja iniciativa foi do norte-americano Theodore Maiman, em 1960.

Historiadores e especialistas em tecnologia preferem não vincular a invenção do laser a um único cientista, dizendo que todos tiveram enorme participação e importância no desenvolvimento desta tecnologia.

Ao longo do tempo, e cada vez mais, são descobertas novas aplicações para o uso do laser em diversas áreas, e já é impossível imaginar o mundo sem ele. A tecnologia, que foi descoberta muito antes de se determinar sua serventia, era descrita pela cientista Irnee D’Haenens, que trabalhava com Maiman, como “uma solução em busca de um problema”.

O laser na Odontologia

A invenção do laser movimentou vários ramos da indústria, desde a fabricação de materiais e equipamentos para diversos fins até o uso nas áreas da Saúde, onde é aplicado em processos terapêuticos e cirúrgicos, inclusive na Odontologia.

A cirurgiã-dentista Marina Bello, especialista em Endodontia e Dentística, é fundadora da International Academy of Lasers in Dentistry e uma das maiores autoridades do País no uso dessa tecnologia.

“O profissional de Odontologia que entende o uso do laser não consegue viver sem ele”, afirma Marina, explicando que durante muitos anos os cirurgiões-dentistas não conheciam as possibilidades às quais o laser se aplica, e também confundiam o laser com LED, utilizado para polimerizar resina e também para clareamento.

Trabalhando com laser há 20 anos, ela diz que um dos precursores da tecnologia no Brasil foi o professor Carlos de Paula Eduardo, fundador do Centro de Laser da Universidade de São Paulo (USP). “Muitos cirurgiões-dentistas passaram a conhecer o laser a partir de algum momento difícil, quando utilizaram a tecnologia para a solução de um caso complicado no consultório”, diz.

Ela explica que há dois tipos de laser: os de baixa e os de alta potência, ambos extremamente úteis na Odontologia, e com aplicações diferentes.

Laser de baixa potência

É o laser utilizado na maioria dos consultórios e tem diversas aplicações. Serve para modular inflamações, fazer analgesia e acelerar reparação tecidual. Marina utiliza como exemplo a exodontia de um dente do siso, em que o laser de baixa potência é utilizado para diminuição do inchaço e da dor. “O paciente se recupera três vezes mais rápido, a formação óssea é mais acelerada e com maior quantidade e melhor qualidade”, descreve, afirmando que o laser é indicado para todas as especialidades da Odontologia.

“Durante muito tempo, entendeu-se que o laser deveria ser usado após os procedimentos para promover analgesia em um tecido que já estivesse alterado, mas estudos recentes já comprovam a eficácia dessa tecnologia antes dos procedimentos, como uma pré-analgesia, diminuindo a sensibilidade à dor”, afirma, apontando que isso se dá pela fotobiomodulação do laser.

A especialista descreve ainda que os equipamentos de baixa potência podem ser utilizados em diferentes momentos de um mesmo procedimento. “No tratamento periodontal, o laser controla a inflamação e melhora a reparação da gengiva após a raspagem, controla a sensibilidade do local após o procedimento, e também pode ser aplicado nas articulações para diminuir a inflamação e dor ocasionadas quando o paciente fica por muito tempo com a boca aberta”, diz.

O laser de baixa potência para Odontologia é um aparelho portátil e atua pontualmente, facilitando o acesso intrabucal. Marina explica que esse tipo de laser não tem radiação ionizante. Portanto, não apresenta potencial cancerígeno.

O efeito do uso do laser está diretamente ligado à dose de energia aplicada. “O tempo de exposição depende de fatores como tipo de procedimento, características do tecido ou região a receber a aplicação e até tipo de pele das pessoas. Peles mais escuras absorvem melhor a radiação. Por isso, é preciso empregar menos energia sob o risco de queimar o paciente”, explica Marina.

Ela descreve que, além de ter os efeitos terapêuticos de fotobiomodulação, o laser de baixa potência, quando associado com fotossensibilizador (terapia fotodinâmica), tem uma ação antimicrobiana tão potente que tem sido usado para casos de osteonecrose. “Não é possível recuperar o que foi perdido, mas interrompe a evolução da necrose. Em uma periodontite, por exemplo, o tratamento fotodinâmico estaciona completamente o processo e, por ter o laser associado, é possível regenerar uma parte do tecido”, afirma.

“O laser é uma luz. Toda luz é composta por fótons, que são como pacotinhos de energia. Quando essa energia chega na célula, age em tecidos específicos. No laser de baixa potência, o fóton é absorvido pela célula, na mitocôndria, que é a maior responsável pela produção de energia celular. Quando o laser interage com a mitocôndria celular, há um aumento na produção de energia, que causa uma série de alterações no metabolismo da célula, provocando melhora do processo inflamatório, reparação celular, bloqueio da passagem de pulso nervoso para a analgesia. Uma série de ações que favorecem a fotobiomodulação”, descreve Marina.

A cirurgiã-dentista pontua a diferença entre processo inflamatório e infeccioso. “No caso de uma necrose, há um processo infeccioso que complica tudo, por isso é necessário aplicar a terapia fotodinâmica, que é o fotossensibilizador associado ao laser de baixa potência”.

Na Odontologia, o fotossensibilizador mais utilizado é o azul de metileno, colocado sobre a região contaminada, ligando-se a todos os tipos de microrganismos que estiverem no local. O laser ativa o fotossensibilizador, que libera espécies reativas altamente letais para esses microrganismos, que podem ser fungos e vírus, entre outros. Marina menciona que já há estudos com outros tipos de fotossensibilizadores, como curcumina e urucum.

Laser de alta potência

Marina Bello explica que o laser de alta potência atua pelo aumento de temperatura. “É tão localizado que o aumento de temperatura é todo destinado para o ponto desejado. Muitas vezes, a temperatura em volta da região que recebe a radiação até cai, por conta da aplicação da água. Numa resina antiga, aproximamos o laser sem tocar e ele a vai removendo. Em uma lesão de cárie, aproximamos o laser a um milímetro de distância, e a luz em alta potência consegue fazer a remoção do tecido cariado sem tocar no dente”, explica.

Ela diz que esse tipo de laser começou a chegar ao Brasil com maior frequência recentemente. No entanto, o uso dessa tecnologia para tratamento de cárie nos Estados Unidos já é aprovado desde 1997. “Em muitos casos, é possível substituir o motor de alta rotação, como na remoção de cárie e substituição de restauração de resina”, exemplifica.

Marina descreve que o laser de alta potência também tem uma grande capacidade de descontaminação. “Quando tiramos um tecido cariado com laser, a estrutura sadia adjacente fica preservada e acontece uma descontaminação de até um milímetro de profundidade”, diz.

Há dois tipos mais frequentes de laser de alta potência: os de diodo e de érbio. Marina indica que os de diodo são para uso cirúrgico, frequentemente utilizados nos casos de frenectomia de lábio e de língua. O de érbio também pode ser utilizado em tecido mole, mas é indicado para a remoção de tecido duro, para cortar osso, e ambos atuam por aumento de temperatura.

O laser de diodo é um equipamento que cabe em uma maleta, podendo ser facilmente transportado. O de érbio é maior e precisa ficar sobre carrinhos móveis. Seu transporte é mais trabalhoso, mas é possível.

Segundo Marina, ela e sua equipe já desenvolveram protocolos para colocação de implantes com laser de alta potência desde o início ao fim do procedimento, sem a utilização de fresa.

Riscos e contraindicações

A especialista menciona que o laser não deve ser aplicado em regiões que podem ter células cancerígenas, uma vez que aceleram o processo celular. “Esta ainda é uma questão inconclusiva. Há estudos que dizem que o laser piora a carcinogênese, e outros que afirmam que não. Então, na dúvida, não usamos”, determina.

No entanto, a fotobiomodulação a laser é muito indicada para pacientes que fazem quimioterapia e radioterapia para tratar tumores malignos em outras regiões do corpo. Esses procedimentos utilizam medicações que atuam em células da boca, formando mucosites, que impedem o paciente de alimentar-se, baixando sua qualidade de vida e, muitas vezes, fazendo até com que o tratamento seja interrompido devido a esse efeito colateral. “O laser de baixa potência é muito importante no tratamento e prevenção da mucosite, o que o torna fundamental para cirurgiões-dentistas hospitalares”, atesta.

O uso indiscriminado, especialmente sem habilitação, também é apontado como um fator de risco. “Alguns profissionais compram o equipamento, seguindo apenas especificações do fabricante, contidas nos manuais. Isso pode levar a erros que causam prejuízos irreversíveis aos pacientes”, alerta Marina.

Mercado e capacitação

O laser de baixa potência tem sido utilizado mais amplamente pelos cirurgiões-dentistas brasileiros. Segundo Marina, o custo do investimento é baixo e gira em torno de R$ 5.000,00. Os de alta potência são mais caros, custando uma média de R$ 30.000,00 (os de diodo) e até R$ 200.000,00 (os de érbio).

“O profissional precisa fazer as contas e virar a chave do que é custo e do que é investimento”, indica Marina. A especialista aponta que a burocracia para importação de equipamentos de alta potência e as altas taxas alfandegárias são entraves para que a tecnologia seja mais amplamente utilizada no País.

A capacitação para uso do laser na Odontologia é feita em cursos de habilitação reconhecidos pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) e pelo Conselho Federal de Odontologia (CFO), com duração média de 60 horas.

Segundo Marina, o Brasil é um dos maiores pesquisadores em laser de baixa potência. “Entre todas as áreas da Saúde, a Odontologia é uma das que mais detém conhecimento no uso deste tipo de laser”, finaliza.