Magda Feres vai coordenar as pesquisas de Periodontia em uma das mais conceituadas universidades do mundo.
De malas prontas, passaporte em mãos, um convite honroso e mérito de poucos, a cirurgiã-dentista Magda Feres mudou-se com marido e filho para os Estados Unidos. É em terras norte-americanas que a especialista em Periodontia vai colher os frutos de uma carreira plantada e regada com muito estudo, dedicação e entrega para assumir a Coordenação do Departamento de Pesquisa em Periodontia da Universidade Harvard, considerada o topo da escalada de todos os profissionais que escolheram a carreira acadêmica como caminho.
Formada em 1988 pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), sua cidade natal, Magda Feres conta que, após a graduação, fez especialização em Periodontia e, em seguida, iniciou o mestrado. Foi assim que ela começou a se interessar pela carreira acadêmica. Nessa época, ela já atendia em seu consultório.
“Eu gostava muito da parte clínica em Periodontia e da área de pesquisa. Então, preferi direcionar minha carreira nesse sentido para que eu pudesse contribuir com a formação de conhecimento de outros profissionais”, diz Magda.
Durante o mestrado, fazendo a leitura de alguns estudos científicos, ela teve contato com um artigo assinado pelos professores Sigmund Socransky e Anne Haffagee, que vieram a se tornar seus orientadores no doutorado que cursou na Universidade Harvard, além de serem dois cientistas muito importantes do Forsyth Institute, centro de pesquisas associado à universidade americana.
Foi esse o gatilho que despertou em Magda o desejo de enveredar pela carreira acadêmica. Logo depois de formada, ela foi trabalhar no consultório de um primo, que pouco tempo depois foi morar nos Estados Unidos. Desta forma, Magda assumiu a clínica já com um volume grande de pacientes.
“Apesar de estar muito bem na clínica, e até com um ótimo movimento de clientes para o pouco tempo que tinha de formada, eu sentia que faltava algo. Não estava feliz”, conta, dizendo que tinha um desejo muito forte de se dedicar à área acadêmica.
Em 1996, quando seu primo voltou da viagem, Magda foi aprovada para fazer o doutorado com uma bolsa de estudos em Harvard, onde conseguiu trabalhar com os dois pesquisadores que haviam inspirado a periodontista na época do mestrado.
Magda diz que sempre usa essa experiência que teve como um exemplo para seus alunos: vale mais a pena insistir na realização de um sonho do que focar no retorno financeiro que a profissão possa proporcionar. “Eu estava em uma situação muito confortável economicamente, com o consultório a todo vapor, mas não me sentia feliz, e troquei isso para viver com pouquíssimo dinheiro de bolsa de estudos do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), mas me sentindo plenamente realizada”, confessa.
Depois de dois anos, ela concluiu e apresentou sua tese de doutorado. Quando voltou ao Brasil, foi convidada para montar o programa de pós-graduação na Universidade de Guarulhos, em São Paulo. “Tive muita autonomia para formar minha equipe, e contratei pessoas que estão comigo há mais de 20 anos”, conta Magda.
A periodontista diz que o período em que ficou na universidade proporcionou um conjunto de fatores que favoreceram sua visibilidade internacional. “Primeiramente, por estar em São Paulo, porque faz muita diferença contar com o financiamento para pesquisas que a Fapesp (Fundação de Apoio à Pesquisa de São Paulo) proporciona, e também por todo apoio e confiança que sempre tive da Universidade de Guarulhos”, pontua.
Magda e sua equipe montaram o programa de pós-graduação, que foi aprovado em 2003 em um processo rápido, e em 2008 conseguiram a aprovação do programa de doutorado da universidade. “Hoje em dia, esse programa é um dos poucos considerados de excelência em Odontologia no Brasil”, se orgulha, dizendo que o país conta com mais de 100 programas de doutorado, dos quais apenas 15 têm nota de excelência. O programa de doutorado criado por Magda Feres e sua equipe se concentra nas áreas de Periodontia, Implantodontia e Estética.
Ela diz que a oportunidade de montar essa equipe – e o programa de doutorado que atingiu o status de excelência – lhe conferiu outros atributos importantes para o crescimento na carreira. “Ao mesmo tempo em que desenvolvia a área de pesquisa, construí um histórico em liderança acadêmica”, descreve.
Nesses 20 anos, além da vivência como pesquisadora e coordenadora de equipe, Magda passou por diversas fases e acontecimentos, que também deram a ela conhecimento em gestão administrativa e financeira, principalmente nos momentos de crise econômica que o País atravessou.
Entre as aptidões que adquiriu nesse período, ela destaca a mentoria de jovens doutores, retenção de pesquisadores sêniores, captação de recursos financeiros, parcerias com empresas e até o auxílio a alunos sobre a atuação na área clínica sem abrir mão da pesquisa acadêmica. Ela também turbinou seu currículo com o MBA em Gestão de Educação Superior.
Magda reconhece que todas essas experiências se tornaram pontos atrativos para que a Universidade de Harvard a convidasse para o cargo de coordenadora de pesquisa em Periodontia.
A linha de pesquisa que desenvolveu com seu grupo no Brasil foi sobre tratamento periodontal, especificamente com antibióticos sistêmicos, e que gerou uma parte importante do conhecimento disponível nessa área atualmente. Os trabalhos foram publicados em diversas revistas científicas, sendo alguns inéditos.
“Montamos laboratórios de microbiologia molecular na UNG, e isso foi muito importante para fazermos as análises microbiológicas no centro de pesquisas. Como muitos desses estudos foram pioneiros nessa área, foram surgindo convites para participação em congressos internacionais. Isso foi um passo fundamental que me levou a expandir meu trabalho como pesquisadora, conquistando reconhecimento em outros países”, explica Magda.
Em 2022, ela recebeu o convite da Universidade Harvard para participar de um concurso para uma vaga como Chair no Departamento de Periodontia, e que tem subdivisões nas áreas de Periodontia, Patologia, Medicina Oral e Radiologia.
Magda Feres foi aprovada para a vaga para a qual concorreu com profissionais de diversos países. Suas funções serão compartilhadas entre 40% de pesquisa, 40% de tarefas administrativas e 20% de aulas.
“Quando me inscrevi para esse concurso, nem achei que passaria. Foi um processo muito competitivo com pessoas muito competentes do mundo inteiro. Por mais que a Odontologia brasileira seja muito reconhecida lá fora, não deixa de ser um país em desenvolvimento e uma mulher latina como concorrente. Ainda que eu me sentisse preparada, sempre paira essa incerteza do preconceito. Esse foi um pensamento que eu tive, mas na realidade, não senti essa ameaça em nenhum momento dentro do processo seletivo”, confessa.
A cirurgiã-dentista pondera que o fato de ter sido aluna de Harvard no doutorado também pesou a seu favor, pois diz que as universidades valorizam esse fator. O processo seletivo foi dividido em três etapas. Na primeira, ela teve que colocar no papel todo o seu histórico profissional; a segunda foi uma entrevista por videochamada com foco em sua experiência em liderança; e a última foi uma entrevista presencial no campus da universidade, em Boston.
Uma vez aprovada para ocupar o cargo, Magda mergulhou na atarefada missão de organizar sua mudança de país, deixar o trabalho na UNG, onde ficou por 20 anos, e ainda coordenar a ida do marido e um dos filhos, que também embarcaram com ela nessa oportunidade.
Ela conta que o marido trabalha também na área de educação e consegue desenvolver suas atividades remotamente. A filha mais velha já mora e estuda nos Estados Unidos, e o filho mais novo decidiu acompanhar os pais, fato que seu coração de mãe comemora.
“É um grande desafio sair da nossa zona de conforto. Tenho mais de 50 anos e poderia já estar caminhando para uma aposentadoria. Mas, hoje em dia as pessoas trabalham até os 80 anos, se for possível. Para mim, está sendo maravilhoso. A sensação é de estar começando de novo, mas com toda a experiência e bagagem que adquiri. Mesmo que o peso do nome Harvard traga uma grande carga de responsabilidade, hoje me sinto capaz de atingir esse patamar”, finaliza.