Odontologia no Brasil: uma história de amor e competência

Odontologia no Brasil: uma história de amor e competência

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O mês do cirurgião-dentista, comemorado em outubro, é repleto de significados. A Sorrisos Brasileiros mergulha na história para destacar as conquistas da classe de profissionais da Odontologia.

A Odontologia brasileira é uma das mais fortes do mundo. Composta por profissionais renomados internacionalmente, entre cirurgiões-dentistas, técnicos e auxiliares, a área conta com universidades bem avaliadas, entidades robustas e empresas de alcance global, formando um ecossistema vigoroso de cuidados com a saúde bucal. Uma história que a Odontologia conta com um grande sorriso.

Atualmente, o Brasil é o país com maior número de cirurgiões-dentistas do mundo, com mais de 380 mil profissionais ativos no Conselho Federal de Odontologia (CFO), e mais de 686 mil profissionais da classe odontológica em geral.

No entanto, para atingir esse patamar de excelência, a história da Odontologia no Brasil passou por diversas fases, que compõem também momentos importantes da nossa história. Do surgimento da atividade, antes exercida por escravizados e barbeiros, até a criação dos primeiros cursos e o reconhecimento da profissão, a Odontologia é uma das áreas da Saúde que mais se desenvolve.

Outubro é considerado o mês da Odontologia. O Brasil comemora o Dia Nacional do Cirurgião- Dentista em 25 de outubro, data alusiva à criação dos primeiros cursos de Odontologia no País. Eles foram instituídos em 1884, por meio do Decreto no 9.311, com o qual o Imperador Dom Pedro II promulgou a criação dos dois primeiros cursos de Odontologia, nas Faculdades de Medicina do Rio de Janeiro e da Bahia. Na data, também se comemora o Dia Nacional da Saúde Bucal.

Apesar de os primeiros cursos terem surgido no país ainda no século XIX, foi no século XX, mais especificamente no ano de 1965, que a Odontologia deu um grande passo para a organização da profissão, com a criação do Conselho Federal de Odontologia. Consequentemente, também houve a criação dos Conselhos Regionais, separados por estados. Desde então, são esses órgãos que têm estabelecido, ao longo dos anos, as especialidades e as áreas de atuação dos cirurgiões-dentistas.

Foram cinco os primeiros Conselhos Regionais criados em 1966, um ano após a instituição do CFO: Rio de Janeiro, São Paulo, Amazonas, Minas Gerais e Distrito Federal. Atualmente, os 26 estados do País e o Distrito Federal têm seus Conselhos Regionais estabelecidos e funcionam em um trabalho coordenado com o CFO, buscando exercer uma organização padronizada, entendendo que o Brasil, com suas dimensões continentais, conta com grande diversidade de cenários socioeconômicos e culturais que impactam diretamente no exercício da profissão.

O primeiro grande salto: da arte à Ciência

Para entender o contexto da criação do curso no Brasil, precisamos voltar um pouco mais na linha do tempo da Odontologia. A “arte dentária”, como a Odontologia outrora foi denominada, exercida por barbeiros, sangradores e cirurgiões-mor, surgiu da necessidade de o homem lidar com problemas bucais, como a perda dos dentes e a necessidade de extração dentária. O primeiro grande salto da arte para a ciência se deu no século XVIII, em 1728, quando Pierre Fauchard, o “pai da Odontologia Moderna”, publicou o “Tratado dos dentes para os cirurgiões-dentistas”. Essa foi a primeira obra a descrever, entre outros elementos, a anatomia oral, sintomas de patologias bucais, técnicas para remoção de cáries e restaurações. O livro ainda falou sobre implantes dentários e aparelhos para corrigir a posição dos dentes.

O contexto no Brasil

No Brasil, logo após os portugueses importarem os costumes dentários da época, a profissão foi exercida, inicialmente, por barbeiros e escravizados. “Eram pessoas não qualificadas, mas que desenvolviam de forma empírica essa que era chamada, então, de ‘arte dentária’, auxiliando a população no combate às dores de dente. Não existia uma lei portuguesa que regulamentasse especificamente o exercício”, explica o professor Miguel Morano Junior, que foi chefe do departamento de Ciências da Saúde e Odontologia Infantil, da Faculdade de Odontologia de Piracicaba (Fop-Unicamp). Atualmente, ele é professor-pesquisador convidado da instituição.

Miguel Morano Junior na Faculdade de Odontologia de Piracicaba (Fop-Unicamp). (Imagem: arquivo pessoal)

Ele conta que, em 1629, com a Carta Régia de 9 de novembro, a Coroa Portuguesa ordenou a normatização do exercício, seguida do “Regimento do Ofício de Cirurgião-mor”, em 12 de dezembro de 1631. Os barbeiros deveriam ser examinados e licenciados, de acordo com o regulamento que também instituiu uma multa para quem “tirasse dentes” sem licença.

O cargo de cirurgião-mor chegou a ser extinto em 1782, quando da criação da Real Junta do Pronto-Medicato, que passou a ser responsável pela concessão de licenças. Na mesma época, Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, conhecido por sua habilidade, destacou-se entre os que atuavam no ofício, até que foi preso, em maio de 1789, por participar da Inconfidência Mineira. Em 1800, a palavra “dentista” foi citada pela primeira vez em um documento da Corte. O Plano de Exames da Real Junta, criado por Dom João VI, estabelecia que o candidato ao ofício deveria ser avaliado quanto ao conhecimento de anatomia, métodos operatórios e terapêuticos.

A busca pela regulamentação

Com o decorrer do tempo, e com o crescente interesse em aperfeiçoar as práticas no cuidado com os dentes, foram promulgados decretos que buscavam regulamentar a prática da Odontologia no País.

A realização de exames práticos e teóricos nas faculdades de Medicina da Bahia e do Rio de Janeiro, para obter o título de dentista, foi determinada pelo decreto no 1.754, de 14 de maio de 1856. Já o decreto no 7.247, de 19 de abril de 1879, determinava que ficassem anexos, a cada faculdade de Medicina, um curso de Cirurgia Dentária, além de uma escola de Farmácia e um curso de Obstetrícia e Ginecologia. Por sua vez, o decreto no 8.024, de 12 de março de 1881, estabelecia que os cirurgiões-dentistas deveriam passar por exames sobre Anatomia, Fisiologia, Histologia, Higiene e Operações e Próteses Dentárias para, então, exercer a profissão.

Enfim, o ano de 1884 marcou a criação oficial do curso de Odontologia nas Faculdades de Medicina do Rio de Janeiro e da Bahia, por meio do decreto no 9.311, de 25 de outubro.

“A ‘Odontologia Moderna’ parte de Pierre Fauchard no século XVIII. A partir daí, já havia a necessidade de se estruturar um curso. E no Brasil também, em função da demanda do ofício e das circunstâncias científicas, pertinentes ao século XIX. Dom Pedro II, que era uma pessoa extremamente interessada com os aspectos da Saúde, e um homem muito esclarecido nesse sentido, instituiu então os dois primeiros cursos”, comentou o professor Morano Junior.

O papel do Visconde de Saboia

Esse episódio importante da história da Odontologia no Brasil contou com a determinante colaboração do então diretor da Faculdade do Rio de Janeiro, Vicente Cândido Figueira de Saboia, o Visconde de Saboia.

Nascido em Sobral, no estado do Ceará, em 1835, Visconde de Saboia graduou-se na Faculdade de Medicina do Rio, em 1858. Viajou à Europa e aprofundou os conhecimentos em Cirurgia e Obstetrícia. Tempos depois de volta ao País, galgou o 1º lugar ao cargo de catedrático na instituição onde se formou e, recomendado por ela, viajou novamente à Europa para estudar a organização de faculdades de Medicina na Inglaterra, Alemanha, França e Itália. Ao retornar, foi designado para preparar um Plano de Reforma do Ensino Primário e Secundário no Município da Corte e do Ensino Superior.

Ele elaborou um documento que serviu de base para o estabelecimento do ensino livre, sancionado pelo Decreto Imperial de 19 de abril de 1879, conhecido como Reforma Saboia. Foi nomeado Diretor da Faculdade de Medicina do Rio, em 1880. À época, ele compreendeu que outras profissões da área da Saúde também necessitavam participar dos avanços científicos. Então, em 1884, encaminhou para a Corte um anteprojeto de reforma das faculdades de Medicina, para que cada uma tivesse um curso de Ciências Médicas e Cirúrgicas, além de três cursos anexos: Farmácia, Obstetrícia e Ginecologia e Odontologia.

“Esse documento foi bem acolhido pelo Imperador, recebendo da parte de Sua Majestade plena aprovação, consubstanciada na sanção do Decreto no 9.311, de 25 de outubro de 1884. Ao ser aprovado o mencionado diploma legal, o Curso de Odontologia passou a integrar elenco universitário, proporcionando aos cirurgiões-dentistas, além de correta formação profissional, o ambiente necessário à constante ampliação dos conhecimentos técnico-científicos”, como descrito no livro “Gotas de história da Odontologia”, de autoria do professor emérito no curso de Odontologia da Universidade Federal do Ceará (UFC), José Dilson Vasconcelos de Menezes (inscrição no 001 no CRO-CE).

Em 1891, Saboia foi elevado à Presidência da Academia Nacional de Medicina. Faleceu em 18 de março de 1909, em Petrópolis (RJ).

Novas escolas e o exercício legal da profissão

Com o decorrer do tempo, novas escolas foram surgindo: uma em Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, e outra em São Paulo (na Escola de Farmácia, Odontologia e Obstetrícia, na Faculdade de Medicina de São Paulo), ambas em 1898; a Escola de Farmácia e Odontologia de Juiz de Fora (Minas Gerais), no ano de 1904; em 1912, o curso da Faculdade de Farmácia e Odontologia do Rio de Janeiro; e em 1916, a Faculdade de Farmácia e Odontologia do Ceará.

Concomitantemente, surgiu a preocupação com o exercício legal da profissão. O decreto no 15.003, de 15 de novembro de 1921, estabeleceu restrições ao exercício no País, somente aos profissionais habilitados por faculdades de Medicina oficiais ou equiparadas. Em 1925, no Rio de Janeiro, o curso, enfim, passou para a Faculdade de Odontologia. A evolução da profissão de cirurgião-dentista caminhou em paralelo ao estabelecimento do marco regulatório, que aconteceu em 1932. E, então, em 1933, a Odontologia se separou definitivamente da Faculdade de Medicina. À época, a grade curricular era de três anos, passando para quatro anos em 1947.

Outros marcos regulatórios importantes foram a lei que disciplinou o exercício da profissão, de 1951, além da criação do Conselho Federal e dos 27 Conselhos Regionais de Odontologia, em 1964, instituídos pela Lei no 4.324, de 14 de abril e, posteriormente, instituídos pelo Decreto no 68.704, de 3 de junho de 1971. Antes, em 24 de agosto de 1966, a Lei no 5.081 passou a regular o exercício da Odontologia no Brasil.

A primeira especialidade da história da Odontologia do Brasil foi a de Radiologia. À época, uma repartição subordinada ao Ministério da Saúde, o Serviço Nacional de Fiscalização da Odontologia, por meio da Portaria de no 30, de 1º de março de 1968, regulamentou o registro e exercício desta especialidade. Atualmente, o Conselho Federal de Odontologia reconhece mais de 20 especialidades e aproximadamente dez habilitações. O Brasil, hoje, conta com mais de 380 mil cirurgiões-dentistas ativos em todas as regiões do País, sendo que quase 130 mil são especialistas e cerca de sete mil têm uma habilitação.

Santa Padroeira dos dentistas

Alguns países do mundo, especialmente os de origem católica, celebram o Dia do Dentista em 9 de fevereiro. A data é uma forma de homenagear Santa Apolônia, considerada a padroeira dos cirurgiões-dentistas e daqueles que sofrem com as dores de dente e outros problemas bucais. De acordo com registros históricos, Apolônia sofreu uma forte perseguição por defender o Cristianismo em Alexandria, no Egito, no século III. A jovem foi torturada e teve os dentes quebrados e arrancados. Mesmo assim, Apolônia não negou a sua fé e foi queimada viva no ano de 249. Desde então, passou a ser considerada mártir pela Igreja Católica e se tornou Santa. Por conta dos flagelos dentários, Apolônia posteriormente foi denominada a padroeira da Odontologia e dos cirurgiões-dentistas.

O Dia Mundial do Cirurgião-Dentista

Outubro é considerado o mês da Odontologia. Além da comemoração do Dia Nacional do Cirurgião-Dentista e do Dia Nacional da Saúde Bucal, o mês também contempla o Dia Mundial do Cirurgião-Dentista, comemorado em 3 de outubro. A data rememora a inauguração, em 1840, da primeira Escola de Odontologia do mundo, a Baltimore College of Dental Surgery, sediada na Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, e que nasceu da iniciativa de Horace H. Hayden e Chapin A. Harris. À época, fundado como instituição independente, o curso tinha apenas 16 semanas duração e a classe possuía cinco alunos.

Conforme descrito no livro “Gotas de História da Odontologia”, o “verdadeiro símbolo da Odontologia é constituído por um bastão no qual a Colluber Esculapii (serpente amarela de Esculápio) se enrosca da direita para a esquerda, circunscrito por um círculo. Esse modelo simbólico foi proposto por Benjamin Constant Nunes Gonzaga, cirurgião-dentista do Exército, e divulgado em um artigo intitulado “O Emblema Simbólico da Odontologia”, publicado em março de 1914, na Revista Odontológica Brasileira, posteriormente denominada Revista da Associação Paulista de Cirurgiões-Dentistas”.

Números da história da Odontologia no Brasil

– Mais de 380 mil cirurgiões-dentistas ativos no CFO

– 23 especialidades

– Ortodontia é a especialização com maior número de profissionais, somando 29,9 mil

– A Odontologia do Esporte é a especialidade com menor número de profissionais, somando 31 especialistas

– A Harmonização Orofacial foi a especialidade mais recente, reconhecida pela CFO em 2019, e conta com 1,3 mil especialistas

– 77,2% dos cirurgiões-dentistas do Brasil são mulheres