Ansiedade e estresse: a saúde bucal começa na cabeça

Ansiedade e estresse: a saúde bucal começa na cabeça

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Ansiedade e estresse são problemas com os quais os cirurgiões-dentistas lidam cada vez mais no dia a dia, seja no cuidado dos pacientes ou com eles próprios no divã. Abordamos caminhos possíveis para aliviar esse tipo de sofrimento.

Por Leandro Duarte

Ansiedade e estresse são temas recorrentes na vida cotidiana. Se antes era uma exclusividade dos grandes centros, o problema passou a ser generalizado, não restringindo localidade, classe social ou idade. Por isso, eles foram considerados os males do século, com a condição sendo ainda mais agravada no período de pandemia da Covid-19, onde incertezas pairavam sobre a vida de todos. Ao mesmo tempo em que a preocupação com o tema é crescente, também é preciso cuidado para abordá-lo.

Os perigos envolvendo as simplificações do problema, os arquétipos pré-moldados e os falsos terapeutas que disseminam “soluções” de forma irresponsável nas redes sociais são reais e complicam ainda mais os diagnósticos e os tratamentos corretos. E assim como todas as questões sociais, já é possível sentir o impacto da ansiedade e do estresse na prática clínica da Odontologia. Nos consultórios, o especialista em Dor Orofacial é quem mais lida com pessoas que precisam de escuta e compreensão quando vão buscar tratamento para disfunção temporomandibular (DTM) e bruxismo, por exemplo, alguns dos sinais físicos de um problema muito mais amplo.

Tendo em vista a relevância do tema, a revista Sorrisos Brasileiros conversou com três profissionais para debater o impacto do transtorno da ansiedade e do estresse na rotina do profissional da Odontologia, esclarecer a participação do cirurgião-dentista no processo de recepção e identificação das demandas do paciente e suas consequências para o tratamento odontológico.

Alice Menezes, psicóloga clínica especialista na abordagem de trauma e doutora em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social (IMS/Uerj), faz uma análise ampla da ansiedade na rotina do ser humano. “Circula a noção de que a ansiedade seja negativa. É importante esclarecer que, mesmo sendo um estado emocional desagradável envolvendo a percepção de perigo iminente, além de sensações e sentimentos de inquietação, tensão ou apreensão, quando vivenciada em grau leve, a ansiedade nos ajuda a focar nossa atenção e nos coloca em movimento na busca dos nossos desejos, na intenção de realização dos nossos projetos e na direção de alcançar nossos objetivos”, explica. No entanto, quando se torna muito alta ou mesmo patológica, a ansiedade pode gerar um desconforto tão grande que chega a ser insustentável.

“Nesses casos, ela gera sintomas que podem afetar a saúde emocional e a física, interferindo no funcionamento diário e atrapalhando a condução de nossa rotina de vida. Dentre estes sintomas, estão o aumento de tensão muscular e postural que pode estar associado, por exemplo, à incidência de bruxismo e de DTM”, complementa Alice, que foi assessora técnica da Superintendência de Atenção Psicossocial e Populações Vulneráveis da Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro, trabalhou como tutora na Fiocruz e como pesquisadora (doutorado sanduíche) na McGill University (Canadá).

Outro aspecto a ser debatido é o aumento dos níveis de ansiedade no mundo e, principalmente, no Brasil, sendo o país com o maior número de pessoas ansiosas: 9,3% da população, segundo os dados da Organização Mundial de Saúde (OMS). A psicóloga explica que, contrariamente à ideia de que a saúde significa a mera ausência de doença, é importante explicar que ela é contexto-dependente, sendo resultado dos determinantes sociais.

“Não podemos desconsiderar o panorama sóciopolítico-econômico do Brasil e do mundo em que vivemos, particularmente com os efeitos da pandemia de Covid-19, da violência social, da crise climática e das guerras. Vivemos em um cenário de mudanças frequentes, reviravoltas inesperadas, precariedade econômica e vulnerabilidade social que exige constante adaptação do ser humano para garantir individualmente sua sobrevivência. Esse ambiente tende a ser extremamente estressante e propício à propagação de um estado de tensão, alerta e ansiedade constantes e prejudiciais à saúde, ao mesmo tempo em que se observa a contínua deterioração dos serviços de cuidado de saúde”, reforça a terapeuta.

A imposição do ideário permanente e perigoso de sucesso

Alice Menezes também expressa preocupação com o flagelo da vida moderna. “Difundir socialmente o imperativo da felicidade e a noção de que o indivíduo é responsável, livre e autônomo para cuidar de si e ser feliz cria ainda mais uma exigência moral e impõe uma atmosfera de inquietação e ansiedade”, alertou aespecialista.

Já o professor Antônio Sérgio Guimarães, mestre em Morfologia, doutor em Ciências da Saúde pela Universidade Federal de São Paulo e responsável pelo programa de mestrado profissional e especialização em Disfunção Temporomandibular e Dor Orofacial da Faculdade São Leopoldo Mandic, faz uma análise da questão de cobranças desproporcionais que a sociedade faz aos indivíduos. “Tratamento é criar um mecanismo antidoença. Por que há muitas queixas de dores na articulação temporomandibular (ATM)? Porque existe muita tensão entre as pessoas. Isso me faz lembrar de uma postagem que vi recentemente no Instagram, onde o sujeito dizia que precisávamos ser iguais a um boleto. Afinal, o boleto sempre vence”, lamenta.

Nesse sentido, Guimarães joga luz sobre a importância de explicar as diferenças entre os modelos multidisciplinares e transdisciplinares. De acordo com o profissional, o tratamento multidisciplinar não tem um trabalho coordenado e uma identidade grupal, quando o médico, em geral, é responsável pela decisão do tratamento. Já no tratamento transdisciplinar, há interação entre as disciplinas, promoção de um diálogo entre diferentes áreas do conhecimento e seus dispositivos, cooperação e contato entre essas disciplinas. Ele defende o modelo transdisciplinar com foco prioritário no cuidado ético do paciente.

O cirurgião-dentista no divã

Mas o que fazer quando o cirurgião-dentista sofre com os efeitos da ansiedade e do estresse? Como cuidar de pessoas quando é o profissional de saúde que precisa de ajuda? Antônio Sérgio Guimarães reforça que se faz necessário ter “corpo fechado” para lidar com a difícil rotina dos consultórios e ambulatórios odontológicos.

“O cirurgião-dentista foi preparado para fazer um trabalho manual, tentar reproduzir a natureza, os dentes, tudo tem que ser alinhado. Quando é avaliado o arranjo dental, não temos as informações dos possíveis arranjos dentais dentro das variáveis de normalidade como se tem, por exemplo, na avaliação da estatura.

Qual é a estatura média do homem brasileiro? Ela é variável. Quando olhamos para os arranjos dentais, só existe a classificação das más oclusões. Quais são as variáveis dos arranjos dentais dentro da normalidade? Eu fiz um curso de Psicossomática para aprender a entender de maneira ampla e ética os pacientes como seres humanos compostos de um corpo e uma alma, e não só uma boca”, conta.

Segundo Guimarães, esta abordagem pode auxiliar no entendimento amplo do paciente. “Psicossomática não é uma doença emocional, mas uma técnica de avaliação do paciente como ser humano. E a pessoa não é composta somente de corpo. Eu não converso com o corpo, mas com aquilo que está no interior. O que está dentro do indivíduo como experiência de dor é único. Sendo assim, nos casos mais graves de sofrimento emocional, o caminho é indicar à psiquiatria e, consequentemente, àpsicoterapia”, sugere.

Padrão estético x ansiedade

Outro aspecto delicado que as mídias sociais impõem às pessoas com frequência é a necessidade de enquadramento em padrões estéticos – muitas vezes inatingíveis – e que mudam como tendências de moda. Isso, por si só, é capaz de causar ansiedade, com danos à autoestima. Sendo assim, homens e, principalmente, mulheres buscam procedimentos e até cirurgias para “adequar” o rosto às medidas das celebridades e dos influenciadores digitais mais populares do Instagram e Tik Tok.

O professor ainda aponta os riscos de perda de expressividade e, principalmente, de identidade. “Todas as emoções são manifestadas no rosto. Para piorar, quando não realizada por profissionais com uma boa formação acadêmica, a harmonização pode fazer as pessoas perderem as expressões faciais, aquilo que auxilia na comunicação interpessoal. Muitos pacientes buscam tratamento ortodôntico por razões emocionais.

O paciente não procura o tratamento porque mastiga mal, mas sim porque se acha feio”, explica. Guimarães acredita que a saúde começa na cabeça, mais precisamente no emocional, e reforça que os cirurgiões-dentistas devem trabalhar com limites. “O cirurgião-dentista, algumas vezes, tem dificuldade desse entendimento. Eu sempre falo para os meus alunos: se eles fossem intensivistas, estariam profundamente frustrados porque a maior parte dos pacientes vai morrer e não dá para mudar essa situação. Não podemos querer ser o profissional que sabe tudo, que resolve qualquer problema. Nós não somos onipotentes”, aponta o docente, clamando por mais simplicidade na rotina clínica. “O profissional que não divide o seu conhecimento não cresce. A comunicação entre profissional e paciente precisa ser simples, o que jamais irá denotar incompetência. Quanto mais instruído o profissional for, mais simples (e eficaz) será acomunicação”, conclui.

Equívocos sobre a relação entre ansiedade, bruxismo e gengivite

O papel da boa informação, principalmente em Saúde, se cumpre andando de mãos dadas com a ciência. Neste sentido, o professor João Paulo Tanganeli, pósdoutorado em Biofotônica, PhD em Odontologia (área de concentração em laser), mestre pela Escola Paulista de Medicina e especialista em DTM/Dor Orofacial e em Ortopedia Funcional dos Maxilares, aprofunda a discussão sobre associações equivocadas, começando por ansiedade e gengivite.

“A maioria dos casos de gengivite tem relação com uma questão local de biofilme, de higiene, impacto alimentar etc. Ela pode, sim, apresentar um quadro desencadeado ou agravado por estresse e ansiedade. Existem as situações em que você tem o estresse crônico, que pode desencadear alterações hormonais e de neurotransmissores, e que vão levar à fragilidade de capilares. Então, há quadros em que são observados sangramentos e inflamações recorrentes que acontecem por conta disso. Mas a gengivite não tem como causa primária os quadros emocionais, apesar de serem colaboradores”, define.

Com relação ao bruxismo, Tanganeli esclarece um erro que não pode ser reproduzido. “O bruxismo não é considerado uma patologia, mas sim um comportamento. Essas questões requerem a abordagem e ajuda dos psicólogos ou até mesmo a intervenção medicamentosa com o auxílio dos psiquiatras. Hoje nós temos algumas subdivisões (sobre bruxismo): em vigília (acordado) e do sono. O primeiro é bastante ligado às questões de estresse e ansiedade”, explica.

Por fim, o professor João Paulo Tanganeli dá dicas sobre como trabalhar em harmonia com outros especialistas. “A Odontologia, ao longo das últimas décadas, conseguiu marcar o seu território e mostrar o seu valor em toda a área que envolve o sistema estomatognático da nossa esfera de atuação. Diante disso, vale a pena criar sua rede de contatos, aprofundando relações com psicólogos, psiquiatras, fisioterapeutas, educadores físicos e nutricionistas. Quando se fala de controle de emoções, a alimentação é fundamental. A própria enfermagem também cumpre um papel importante. Por outro lado, pensar em consultas conjuntas não é interessante em virtude do sigilo profissional. Do ponto de vista científico, é muito comum discutir os casos entre os multiprofissionais, mas sem expor informações pessoais do paciente”, finaliza.