Implantes dentários em pacientes diabéticos e hipertensos

Implantes dentários em pacientes diabéticos e hipertensos

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Especialistas falam sobre os cuidados necessários para realizar implantes em pacientes com comorbidades, como os diabéticos.

Segundo dados do Ministério da Saúde, o Brasil é o 5º País em incidência de diabetes no mundo, com 16,8 milhões de adultos diagnosticados, entre 20 e 79 anos de idade, e 38 milhões de hipertensos. Essas enfermidades possuem características que podem comprometer ainda mais o estado de saúde das pessoas acometidas por elas quando se submetem a procedimentos invasivos, como alguns tratamentos odontológicos, em especial com implantes. Identificar o problema e conhecer os protocolos para lidar com esses pacientes traz garantias de segurança não apenas para eles, mas também para os cirurgiões-dentistas.

O implantodontista e cirurgião bucomaxilofacial Luis Roberto Coutinho, de São Paulo, afirma que todo procedimento cirúrgico precisa de um protocolo. “O cirurgião-dentista corre muito risco no consultório porque ele não está dentro de um ambiente hospitalar, e não tem o apoio se esse paciente passar por uma situação de emergência. Temos que monitorar e nos precaver com todos os cuidados possíveis. O primeiro passo é sempre realizar uma boa e detalhada anamnese, em que o paciente não esconda nada e o cirurgião-dentista não se surpreenda caso não possa dar continuidade ao tratamento”, indica.

Coutinho ressalta que até mesmo a anestesia pode ser um fator de risco para uma pessoa com comorbidades. “No momento da anestesia, o paciente pode ter um pico de hipertensão ou falta de alguma substância, e isso pode se transformar em uma situação de emergência”, relata.

O cirurgião-dentista conta que costuma orientar seus alunos de pós-graduação, reforçando que o bom cirurgião não é aquele que opera em menor tempo, ou que tem as melhores técnicas e equipamentos, mas sim aquele que sabe resolver os problemas. E, para isso, é preciso se antecipar a eles.

A relevância dos exames laboratoriais

“O protocolo de exames é muito importante. Além de ter bons exames de imagem, é preciso ter os de sangue e entendê-los. É necessário pedir hemograma completo, coagulograma, glicose em jejum, glicosúria de urina e glicose fracionada. Assim, é possível entender os picos da doença e em quais estágios ela se encontra”, explica.

Isso é necessário devido à diminuição da atividade sanguínea quando os níveis de glicose no sangue estão muito altos, aumentando a possibilidade de hemorragia e dificultando a cicatrização. Em muitos casos, acrescenta Coutinho, apenas o exame de glicose em jejum não é suficiente para determinar se o paciente é diabético, pois as taxas oscilam muito e podem parecer aceitáveis no momento do exame, alterando drasticamente na hora da cirurgia.

O especialista conta, também, que é grande o número de pacientes que atende e que só descobrem que são diabéticos depois que fazem os exames pré-operatórios para cirurgia de colocação de implantes. “O paciente diabético é mais suscetível a desenvolver algumas infecções. Por isso, todo cuidado com biossegurança é fundamental”, alerta.

O cirurgião-dentista sugere a seus alunos que peçam exame de sangue a seus pacientes mesmo nos casos de uma extração dentária, até para descobrir se essa pessoa é diabética ou não. “Os indivíduos com diabetes têm uma deficiência de proteínas, de processos cicatriciais, e isso pode trazer problemas grandes. Uma forma de saber se uma pessoa é diabética é averiguar se ela tem a boca muito seca e não saliva. Isso já pode ser um sinal de alerta para que se solicite um exame mais minucioso”, orienta.

As diferenças nos implantes em pacientes diabéticos

Coutinho diz que o paciente diabético não é diferente de qualquer outro. No entanto, ele requer mais cuidados. “Nesse caso, temos que fazer os exames para saber se os níveis de glicose estão controlados. Alguns artigos científicos apontam que, com a taxa de glicose abaixo de 300 mg/dL e com medicação em dia, esse paciente pode ser considerado controlado e apto para o procedimento cirúrgico”, diz, apontando que com níveis acima disso, é recomendável decidir, juntamente com um endocrinologista, se o paciente pode ser submetido à cirurgia indicada ou não.

Com mais de 25 anos de experiência na Implantodontia, Coutinho diz que só deixou de executar algum procedimento quando o paciente não conseguiu, em hipótese alguma, reduzir e controlar os níveis de glicose no sangue.

“O diabético descompensado ou com uma glicose muito alta é um paciente muito suscetível a infecções. Se com esta condição as taxas de glicose não baixam, mesmo com medicação, já sabemos que vai ser necessário entrar com uma antibioticoterapia uma hora antes da cirurgia, para evitar os transtornos cardiovasculares associados à doença”, diz Coutinho, mencionando o risco de o paciente desenvolver endocardite bacteriana, patologia que ele cita como sendo um dos maiores receios dos cirurgiões-dentistas hoje em dia.

O cirurgião-dentista ressalta a importância de analisar cada caso individualmente, reforçando que não há uma indicação idêntica de procedimentos para duas pessoas. “Cada caso é um caso. Não se deve, por exemplo, fazer um protocolo de carga imediata em um idoso, diabético e edêntulo total, pois é um procedimento muito invasivo para esta condição”, menciona.

Hipertensão e experiência própria

A experiência com pacientes que sofrem com pressão alta ou problemas cardíacos têm um viés pessoal para Luis Roberto Coutinho. Há cinco anos, quando tinha 46 anos de idade, ele sofreu um infarto e, no ano seguinte, teve que passar por uma cirurgia cardíaca para fazer uma mamária e duas safenas. “Isso me despertou uma atenção maior para essa condição. O cardiopata e o hipertenso não são um problema para o cirurgiãodentista, desde que se tenha alguns cuidados e um protocolo para atendê-lo”, relata.

O especialista diz que não sente necessidade de pedir autorização ao cardiologista para atender esse paciente porque isso faria parecer que ele estaria se livrando de responsabilidade, caso algo desse errado. “De maneira geral, o cardiologista não entende de Odontologia. Ele pode, por exemplo, recomendar que não seja utilizado anestésico com vasoconstritor nesse paciente porque isso faz com que feche a passagem sanguínea naquela região para evitar a dor. Mas, se além da hipertensão esse paciente sofrer de odontofobia, por exemplo, ainda que eu use um anestésico sem vasoconstritor, a descarga de adrenalina que ele vai liberar só por sentar na cadeira pode levá-lo a um infarto mesmo antes de ser anestesiado”, argumenta.

Coutinho dá esse exemplo para ressaltar que para todos os pacientes, em especial os que apresentam esses problemas de saúde, a atenção deve ser personalizada, com uma anamnese detalhada para entender não apenas as expectativas dos pacientes sobre o tratamento, mas também suas condições sistêmicas e emocionais, de forma a prevenir qualquer intercorrência.

“Quando lido com um paciente hipertenso e com a medicação controlada, nunca agendo a cirurgia para a sessão seguinte ao aceite do orçamento. Sempre faço com que ele venha a duas ou três consultas antes de iniciar o tratamento, conversamos bastante, de forma que ele vá se ambientando e se sentindo mais confortável e confiante com o espaço e a situação”, explica Coutinho.

Além disso, o especialista observa que, hoje em dia, a tecnologia permite que a Odontologia esteja munida de aparelhos e recursos que podem minimizar as intercorrências. “Qualquer consultório deve ter um oxímetro, um aparelho medidor de pressão arterial porque sem isso corremos um risco desnecessário”, opina.

Ele não vê contraindicação de cirurgias odontológicas para pacientes hipertensos, mas recomenda, da mesma forma, os exames pré-operatórios, acrescidos de um eletrocardiograma. “Só há limitações se esse paciente tomar alguma medicação anticoagulante, que tem a propriedade de afinar o sangue, podendo provocar hemorragias”, explica.

Entre as dicas de quem tem décadas de experiência, Luis Roberto Coutinho recomenda nunca operar esses pacientes na parte da tarde. “O diabetes e a hipertensão estão muito ligados à parte emocional e à ansiedade, além das questões sistêmicas. Esse paciente tem que acordar, tomar seu café da manhã balanceado e ir para o consultório porque ele ainda não absorveu o estresse do dia. Ao chegar, o ideal é que ele leve algum tempo antes de sentar na cadeira. É bom para que vá se ambientando, aproveite para tomar a antibioticoterapia, se for necessário e, dessa forma, diminua a tensão, facilitando com que o procedimento não tenha intercorrências”, conclui.

Correlação com outros problemas dentários

O cirurgião-dentista Fabio Azevedo, de São Paulo, também especializado em Implantodontia, ressalta que tanto o diabetes quanto a hipertensão são doenças silenciosas e assintomáticas. Por isso, reforça a fala de Luis Roberto Coutinho sobre a necessidade de exigir os exames pré-operatórios de todos os pacientes, independentemente da idade, condição física aparente ou da complexidade do procedimento ao qual será submetido.

“A cicatrização do paciente diabético é uma reação em cascata, como se fosse um jogo de dominó, em que um fator vai ativando o outro. Ele tem dificuldade de cicatrização, baixa imunidade e, por isso, apresenta predisposição a outras doenças oportunistas”, observa.

Azevedo destaca também que essas pessoas apresentam uma predisposição à doença periodontal, que causa inflamações na gengiva, perda óssea ao redor dos dentes e pode levar à perda da dentição sem motivo aparente. “O implante atua na mesma área que o dente. Então, a doença periodontal no paciente diabético está ligada à doença peri-implantar, que é a inflamação da gengiva ao redor do implante. Essa doença gradativa avança absorvendo o osso e tornando o processo cada vez mais difícil de ser controlado”, alerta.

Por essa razão, o especialista ressalta que os pacientes diabéticos devem ter um acompanhamento odontológico com uma periodicidade mais curta do que as outras pessoas, principalmente para o controle da condição periodontal.

Azevedo destaca que o procedimento de cirurgia guiada oferece mais segurança aos pacientes diabéticos, uma vez que se trata de uma técnica, na maioria das vezes, sem cortes, menos invasiva e mais previsível, o que faz com que o sangramento pós-operatório seja muito menor, assim como os edemas e sensação de dor são reduzidos.

O cirurgião-dentista também relata ter surpreendido muitos pacientes que descobriram ser diabéticos ou hipertensos somente após realizar os exames préoperatórios para colocação de implantes dentários.

Nos casos em que todos os protocolos de segurança foram devidamente adotados, mas mesmo assim o paciente apresenta um quadro de hemorragia durante a cirurgia, Azevedo reforça que há procedimentos para controle e manejo dessa situação, seja com o uso de drogas transoperatórias para administrar a situação, assim como alguns pinçamentos e tamponamento com gaze, entre outros. No entanto, ele observa que um sangramento excessivo durante a cirurgia também pode ser sinal de falha no planejamento, e reforça a importância de que nenhum ponto do protocolo seja negligenciado.

Para Fabio Azevedo, os cirurgiões-dentistas não devem abrir mão de todos os recursos tecnológicos e clínicos que existem à disposição hoje, dos mais simples aos mais complexos. “Quando o profissional usa cinco minutos do atendimento para aferir a pressão, medir a taxa de glicose e a oxigenação do paciente antes de iniciar a cirurgia, isso pode garantir que ele não perca horas tendo que administrar uma situação adversa depois”, conclui.