Como é a Odontologia nas pequenas cidades do interior do Brasil

Como é a Odontologia nas pequenas cidades do interior do Brasil

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Profissionais da Odontologia que disseram “não” aos grandes centros urbanos e fazem a diferença em pequenas cidades e seus lugares de origem.

O caminho mais comum trilhado por jovens que escolhem a Odontologia como carreira é sair de pequenas cidades do interior do Brasil para cursar a graduação em cidades maiores, sejam próximas de onde moram ou até em outros estados. Nesse momento, uma janela de oportunidades se abre, e a decisão de deixar seus lugares de origem em busca de sucesso e prosperidade profissional é quase unânime.

No entanto, há aqueles que enxergam nos lugares de onde vieram o porto seguro que precisam para exercer a profissão. Alguns desejam colocar seus serviços à disposição da comunidade de suas cidades; outros não se adaptam à vida agitada dos grandes centros. E há também os que seguem uma tradição de família de cirurgiões-dentistas e podem se beneficiar do fato de já serem conhecidos por grande parte da população.

Os motivos são diversos. Mas o fato é que esses cirurgiões-dentistas estão contentes com a decisão que tomaram e, assim, tornam a Odontologia presente em diversas partes do Brasil. A Sorrisos Brasileiros conta algumas dessas histórias.

Tradição de família

O cirurgião-dentista Eduardo Cintra, de São Simão, no interior de São Paulo, é especializado em Implantodontia, e herdou do pai o amor pela Odontologia. Nascido e crescido na pequena cidade com pouco mais de 15 mil habitantes, localizada na região metropolitana de Ribeirão Preto, Cintra se mudou para Campinas para fazer a graduação na Unicamp (Universidade de Campinas), onde se formou há 33 anos.

“Sempre fui muito ligado à minha cidade natal, e eu gosto de morar no interior. Quando saí para estudar, eu já pensava em voltar para São Simão depois de formado. Mas, no momento que eu estava em Campinas, conheci outras pessoas e possibilidades, e quando me formei, não tinha mais a intenção de voltar. Mas, acabei optando por voltar porque o custo de montar um consultório em outro lugar, naquela época, seria muito alto”, conta Cintra.

O implantodontista reconhece que já iniciou a carreira com uma certa facilidade, pelo fato do pai já ser um cirurgião-dentista conhecido na região, apesar de atender na cidade vizinha, Santa Rosa do Viterbo. Por pertencer a uma família tradicional da cidade, Cintra sempre foi muito conhecido, e isso se tornou um fator facilitador quando abriu seu consultório.

Segundo o cirurgião-dentista, há outros pontos positivos em atuar na sua cidade natal, além de ser conhecido: há menor oferta de serviços especializados, o que torna a concorrência menos complexa. Por outro lado, em uma cidade pequena, tudo se torna mais pessoal. “Se você faz um orçamento para uma pessoa conhecida – como é o caso da maioria –, acaba tendo que cobrar menos, facilitar a forma de pagamento, o que torna a decisão de exercer a profissão no interior menos atraente do ponto de vista financeiro”, pondera.

A maior taxa de inadimplência também é uma condição mencionada por Cintra como um dos desafios que enfrentou durante muito tempo, principalmente no início da carreira. “Hoje em dia, nem tanto. A tecnologia e formas de pagamento por crédito facilitaram bastante, mas sempre há um ou outro caso. E é muito constrangedor porque normalmente são pessoas amigas ou conhecidas”, comenta, dizendo que muitas vezes preferiu perder financeiramente para não correr o risco de um prejuízo social.

A concorrência, apesar de pequena, existe, mas Cintra diz que nunca se preocupou muito com isso. “Não vejo meus concorrentes da cidade como adversários, e sou amigo da maioria deles. Felizmente, não faltam clientes para mim, mas essa é uma realidade nas cidades pequenas”, afirma.

O implantodontista reconhece que as possibilidades de ganho financeiro são bem menores em cidades pequenas. “A porcentagem de pessoas das classes mais altas é menor, e o cirurgião-dentista precisa baixar os valores dos procedimentos em comparação com o que é cobrado nas cidades grandes. Tudo tem prós e contras”, considera.

A chegada de clínicas populares nos lugares pouco povoados é a nova modalidade de concorrência. Esses negócios oferecem formas de pagamento mais acessíveis e, muitas vezes, tecnologias que os profissionais da cidade não comportam. O cirurgião-dentista concorda que essa é uma questão a ser considerada, mas afirma que grande parte dos clientes ainda prefere apostar na confiança em tratar com alguém já conhecido.

De acordo com Cintra, antigamente a atualização técnica e científica era mais fácil para quem estava nos grandes centros. Hoje, a tecnologia e a facilidade de locomoção permitem que os profissionais do interior também tenham acesso a cursos de especialização e educação continuada, podendo se capacitar para oferecer uma Odontologia de qualidade, assim como nas grandes cidades.

Além de atender em seu próprio consultório na cidade, Cintra também trabalha no serviço público, tratando pacientes no Centro de Saúde de São Simão. Essa é outra oportunidade de mercado para cirurgiões-dentistas de cidades do interior.

Aos 55 anos de idade, Cintra começa a vislumbrar sua aposentadoria por tempo de serviço. Olhando para trás, o implantodontista não se arrepende da decisão que tomou de ter permanecido em sua cidade natal. “Se quando eu comecei, a Odontologia e as estruturas das cidades fossem como são hoje, talvez eu tivesse arriscado ir para um lugar maior, sem necessariamente precisar ir para uma capital. Gosto da qualidade de vida no interior”, finaliza.

A serviço da sua gente

Renan Ribeiro é de Cruzília, no sul de Minas Gerais, cidade igualmente com pouco mais de 15 mil habitantes. Ainda jovem, aos 33 anos de idade, ele tem se destacado na cidade, principalmente pela característica latente de tratamento humanizado que presta às crianças da região. Sua opção por permanecer na cidade onde nasceu, segundo ele, se deu principalmente por ser muito apegado à família e nunca ter desejado se afastar deles.

Formado há dez anos, o cirurgião-dentista conta que sua primeira aspiração profissional não foi a Odontologia, mas sim a música. Instrumentista, ele toca violão, canta, compõe e vem de uma família musical. Cursou a faculdade na cidade mineira de Três Corações porque fica mais perto de Cruzília, apesar de ter passado no vestibular para estudar na capital Belo Horizonte.

Com especialização em Radiologia, Saúde da Família e Endodontia, Ribeiro conta que enfrentou muita dificuldade quando teve que decidir seu caminho profissional. “Cheguei a ter uma crise de ansiedade porque eu gostava muito da área de Saúde, mas não sabia se queria fazer Veterinária, Medicina ou qualquer outra coisa. Por ter muitos primos cirurgiões-dentistas, optei por Odontologia. E me encontrei completamente nessa profissão”, diz.

Logo depois de formado, Ribeiro trabalhou no serviço público em São Tomé das Letras (MG), também vizinha à sua cidade, mas antes tentou se estabelecer no Rio de Janeiro. “Havia muita dificuldade. Eu não tinha dinheiro, fiquei na casa de um amigo. Consegui um emprego a duas horas de onde eu morava. Para mim, que venho de uma cidade pequena, foi muito chocante gastar tanto tempo apenas para me deslocar de casa para o trabalho”, conta.

Em São Tomé das Letras, Ribeiro trabalhou no atendimento público e como coordenador de Saúde Bucal. Depois disso, começou a atender crianças nas escolas e descobriu um novo horizonte na Odontopediatria. O profissional fez diversos cursos nessa área e voltou para Cruzília, onde diz atender 90% da demanda local, além de pessoas de outras regiões que buscam tratamento na cidade.

Apesar de seu público-alvo ser crianças, Ribeiro também atende adultos, até para suprir a procura, já que não há muitos profissionais na cidade. Desta forma, o profissional tornou-se cirurgião-dentista de famílias.

Desde que iniciou a carreira no serviço público, Ribeiro destaca que uma das suas principais características foi o carinho e atenção com as pessoas. “Venho de uma família muito amorosa e prestativa, e sempre carreguei comigo a ideia de que o ser humano vem antes da boca e dos tratamentos que as pessoas precisam”, revela.

A fama que adquiriu na região pela forma humanizada de lidar com os pacientes, principalmente as crianças, tem garantido a ele a consolidação e o sucesso na profissão. A docilidade do sotaque mineiro, presente em sua fala, domina também sua personalidade tranquila e afável.

Atualmente, Ribeiro tem seu próprio consultório e não trabalha mais no serviço público. “Construí meu nome na cidade e não temo a concorrência. Do tempo em que tentei seguir carreira na cidade grande, guardo o aprendizado técnico e a certeza de que tomei a melhor decisão ao voltar para Cruzília”, finaliza.

Segundo o Conselho Federal de Odontologia*, o Brasil conta atualmente com mais de 395 mil cirurgiões-dentistas. No entanto, a distribuição destes profissionais Brasil afora ainda não acontece de maneira uniforme. O estado de São Paulo, por exemplo, tem mais de 111 mil cirurgiões-dentistas, enquanto Acre, Amapá e Roraima têm menos de dois mil profissionais cada à disposição de suas populações. Com 214 milhões de pessoas, o Brasil tem um cirurgião-dentista para cada 541 habitantes, o que pode ser considerado um número acima da média mundial. No entanto, essa proporção não corresponde a diversas regiões do Brasil, que contam com menos cirurgiões-dentistas, o que afeta a saúde bucal da população enquanto sobrecarrega outras áreas, que têm muitos profissionais concorrendo entre si.

*Dados oficiais do CFO, atualizados em 31 de maio de 2023.