Carreira acadêmica: a arte de orientar profissionais da Odontologia

Carreira acadêmica: a arte de orientar profissionais da Odontologia

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Cirurgiões-dentistas contam as razões pelas quais decidiram atuar como professores. Conheça os melhores caminhos para ingressar na carreira acadêmica na Odontologia.

Da sala de aula para a sala de aula, mas em lugares diferentes. Esse é o caminho trilhado por cirurgiões-dentistas que, na maioria das vezes, ingressam no Ensino Superior com o intuito de se especializar na prática da Odontologia, mas se encantam com a carreira acadêmica e mergulham de cabeça na missão de compartilhar conhecimento e auxiliar na formação de novos profissionais.

A inspiração pode vir de um professor que lhe despertou o desejo de seguir essa trajetória. Em outros casos, o talento para o magistério está inato, assim como a arte de pesquisar e ensinar, e a faculdade ajuda a desenvolver. Afinal, é lá onde os profissionais dão os primeiros passos para a construção de uma carreira sólida, importante, honrosa e de muita responsabilidade.

Carreira precoce e bem-sucedida

Victor Montalli, de 35 anos, professor da São Leopoldo Mandic (SLMandic), de Campinas (SP), acredita que o incentivo para a carreira acadêmica se dá na graduação. “O aluno é exposto a um novo ambiente, diferente do Ensino Médio ou do Cursinho, onde ele evolui para uma participação ativa na sua formação, tem contato com profissionais experientes da área, encontra pessoas inspiradoras, e acaba desenvolvendo uma paixão pela pesquisa e por ensinar”, analisa.

Montalli explica que um aluno normalmente precisa estar vinculado a um programa de pós-graduação para que possa iniciar sua carreira acadêmica como professor assistente. “Existem os programas lato sensu (MBA, especialização) e stricto sensu (mestrado e doutorado). O mestrado profissional forma professores e tem o objetivo de aprimorar a capacitação técnica e intelectual do aluno, do pesquisador, com a vertente importante de que esse aprendizado se reverta em benefício para a sociedade. Quem faz o mestrado profissional pode solicitar o título de especialista no Conselho Federal de Odontologia (CFO). O mestrado acadêmico tem uma carga horária diferente, uma dedicação mais aprofundada”, detalha.

Algumas instituições de ensino contam com programas de iniciação científica que são um caminho importante para o início da carreira acadêmica. Dados da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) mostram que a maior parte dos alunos que seguiram a carreira acadêmica, fazendo mestrado e doutorado, participaram de programas de iniciação científica que apoiam, com bolsas de estudo, alunos que se interessam por pesquisa científica.

“Os valores pagos a esses pesquisadores não são altos, mas significam um grande incentivo. Eles têm a oportunidade de apresentar seus trabalhos em congressos, por exemplo”, diz Montalli, que conta que a primeira vez que viajou para o exterior foi para apresentar seu trabalho de iniciação científica em um congresso em Toronto, no Canadá, em 2008, quando estava no 4o ano da graduação na São Leopoldo Mandic e tinha bolsa da Fapesp.

O professor destaca que é preciso muita dedicação para seguir a carreira acadêmica, observando que o tempo para cursar mestrado e doutorado é maior do que o da graduação. “É um período em que você fica vivendo de bolsa de estudos. Hoje, o custo de vida aumentou muito e o aluno precisa se adaptar. O bolsista não tem garantias trabalhistas, como férias ou 13º salário”, aponta, considerando também que o estudo e o aprimoramento fazem parte da vida de um professor para sempre.

Montalli se graduou aos 21 anos, concluiu o mestrado aos 23 e o doutorado aos 25. Ele reconhece que iniciou sua carreira muito cedo, e diz que isso se deu porque soube aproveitar as oportunidades que lhe foram concedidas. Atualmente, ele se dedica à clínica odontológica, atendendo pacientes uma vez por semana no serviço social de tratamento para doenças da boca na SLMandic, onde é vice-coordenador. No restante do tempo, ele se dedica integralmente à vida acadêmica, lecionando tanto na graduação como na pós-graduação, e presta assessoria a alguns colegas na área de diagnósticos. Montalli fez mestrado e doutorado em Patologia e coordena o curso de Estomatologia do mestrado da SLMandic.

O professor descreve que, normalmente, os professores das áreas básicas (Fisiologia, Bioquímica, Patologia, Histologia e Anatomia, entre outras) costumam se dedicar somente à pesquisa. Já os professores de especialidades (Endodontia, Implantodontia, Periodontia e Prótese Dentária, entre outras) costumam também clinicar, o que ele considera fazer sentido, uma vez que a prática é necessária para possibilitar o ensino e a atualização

Montalli relata que quando estava no primeiro ano da faculdade de Odontologia, após apresentar um trabalho em sala de aula, observando sua desenvoltura e postura, uma professora lhe disse que ele deveria ser professor. “Naquele momento ela plantou a semente e eu fui me apaixonando por essa possibilidade”, diz.

Assim como foi incentivado por sua professora, ele reconhece em alguns alunos a mesma aptidão pela vida acadêmica e procura estimulá-los. “Nós, professores, precisamos ter consciência da força de influência que exercemos sobre nossos alunos. Nós podemos ser incentivadores, assim como tirar esperanças. Eu procuro ser aquele que estimula”, confessa, dizendo ter se tornado amigo de diversos de seus alunos na iniciação científica, e até hoje procura acompanhar a caminhada deles.

Estimular não é apenas aplaudir ou dar “tapinha nas costas”, relata Montalli, mas também ser crítico, ter conversas sérias quando necessário e ficar atento a qualquer necessidade que o aluno tenha, inclusive emocionalmente.

O professor reconhece já ter realizado muitos feitos em sua carreira acadêmica, mas diz que ainda tem sonhos a realizar. “Em 2018, fiz um estágio na Universidade de Harward, nos Estados Unidos, e eu gostaria muito de ter a oportunidade de fazer um ano sabático e ter a oportunidade de ficar só estudando nesse período para me aprimorar. Acho que isso seria uma grande oportunidade de vida”, revela.

Montalli aponta também um caminho tortuoso dentro da carreira acadêmica e que tem as redes sociais como facilitador, transformando pessoas não corretamente capacitadas em professores de cursos relâmpago. “O tiro sai pela culatra quando o profissional quer cortar caminho, tirar vantagem, quando o fim é a questão monetária. A questão financeira não pode ser o objetivo, tem que ser uma consequência. O prazer e o compromisso de compartilhar conhecimento ou de cumprir essa missão têm que vir em primeiro lugar”, conclui.

Voo alto

Hoje com 44 anos, a cirurgiã-dentista Bianca Freo escolheu estudar Odontologia aos 17, formando-se pela Universidade Brás Cubas, em Mogi das Cruzes (SP). A escolha pela carreira acadêmica já estava em seu DNA, e o caminho trilhado da sala de aula, como aluna, até o cargo que ocupa hoje, como pró-reitora da Universidade Veiga de Almeida, no Rio de Janeiro, foi repleto de histórias de luta, conquistas e, principalmente, uma grande habilidade para lidar com o ser humano e toda sua pluralidade, requisito fundamental para quem deseja construir uma carreira acadêmica de sucesso.

“Eu escolhi a Odontologia porque sempre tive um apreço e uma sensibilidade forte pela área da Saúde, do cuidar do outro. Mas também sempre gostei muito da troca de conhecimento, de aprender e das conversas que intercorriam no meio acadêmico”, conta.

Quando concluiu a graduação, Bianca se propôs a fazer mestrado, pois já tinha certeza de que esse era o caminho que queria seguir. “Em 2006, tive a oportunidade de fazer o mestrado na área de diagnósticos – Patologia Clínica – na Universidade de São Paulo (USP), e lá comecei minha carreira”, lembra.

Ela concluiu o mestrado em 2008 e, em seguida, foi contratada para dar aula na mesma Universidade Brás Cubas onde fez a graduação. Permaneceu como professora até 2014, quando recebeu o convite para ocupar um cargo de gestão, gerenciando os cursos da área da Saúde do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), ministrados na Universidade.

“Foi meu primeiro grande desafio. Eram mais de três mil alunos. Eu entendo que todo professor precisa ser atraente, de forma a despertar o interesse dos alunos sobre o que está sendo ensinado. Isso faz com que o professor esteja sempre buscando mais conhecimento, além de desenvolver habilidades de comunicação. É um crescimento constante”, diz Bianca.

Há 16 anos no meio acadêmico, Bianca vem observando as mudanças comportamentais e conceituais pelas quais o magistério tem passado. “Hoje, enxergo o professor universitário muito mais como um mediador de conhecimento e de relacionamentos, principalmente na área da Saúde”, afirma.

Ela justifica sua visão observando que, hoje em dia, a tecnologia permite que o aluno tenha acesso à informação, e que o papel do professor universitário precisa ser muito voltado para orientar a forma como as relações interpessoais podem construir o caráter profissional dos alunos. “E, na área da Saúde, principalmente, também precisamos lapidar um caráter humanizado nos alunos. A formação não é feita apenas de procedimentos técnicos”, completa.

Bianca diz que o professor tem que estar sempre disposto a rever conceitos e se posicionar mais como um colega do aluno, sem deixar de estabelecer alguns limites nessa relação, como deve acontecer em qualquer relação profissional. “O professor tem que estar disposto a aprender e a se transformar o tempo todo. Essa é a parte mais enriquecedora da carreira acadêmica”, define.

Bianca diz que passou por muitos aprendizados durante sua carreira. Depois de lecionar para os cursos técnicos, assumiu a coordenação de ensino de Odontologia e passou a trabalhar exclusivamente com gestão acadêmica. “Este é outro caminho dentro de uma carreira acadêmica, outra maneira de aprender sobre o todo. Dentro de uma sala de aula, o palco é do professor. Na gestão, lidamos com as expectativas mais diversas dos professores, dos alunos, dos pais de alunos, da sociedade e da construção desse universo acadêmico. É quando realmente temos que nos colocar em uma posição de aprendizes e praticar a escuta e o olhar empático sobre todos os atores desse cenário”, descreve.

Nesse processo, Bianca ressalta que o gestor abre mão do palco e deixa de ser a figura que aparece para dar esse lugar aos que estão sob sua coordenação. Depois de cinco anos atuando como gestora de ensino na universidade onde se formou, foi convidada para trabalhar no Rio de Janeiro como pró-reitora de pós-graduação, atuando na última esfera da educação.

Atualmente, ela coordena outras áreas além da Odontologia, como Psicologia, Direito e Meio Ambiente, entre outros, sendo responsável pelos cursos de pós-graduação lato sensu, stricto sensu, pesquisa, inovação e extensão.

“Hoje eu consigo entender que o papel de uma instituição de ensino deve ser pautado por oferecer saber em todos os seus níveis. E esse saber é verticalizado. Me sinto muito privilegiada por ter percorrido todas os caminhos da carreira acadêmica dentro de uma instituição de ensino, e de poder aprender e vivenciar a diversidade de formas de pensar de cada área profissional. Isso só tem a agregar à minha carreira e à minha vida pessoal”, analisa.

Bianca afirma que, hoje, sua aspiração profissional não é mais sobre cargos ou posições que possa ocupar, mas foca na forma como seu trabalho pode reverter em algo positivo para a sociedade, trabalhando por um sistema de ensino contemporâneo, com um processo de aprendizagem mais livre e integralizado, buscando estar sempre atenta ao que o mercado de trabalho deseja dos novos profissionais.

Seguindo os mestres

Comprovando a teoria de que bons professores inspiram alunos a trilhar o caminho da carreira acadêmica, Larissa Agatti, de São Paulo, e Flavio de Melo Garcia, de Poços de Caldas (MG), ambos ex-alunos do professor Victor Montalli no curso de Odontologia da SLMandic, contam como e em que momento optaram por se dedicar à pesquisa e ao ensino.

Apesar de seus pais terem manifestado um desejo de que ela estudasse Medicina, Larissa Agatti afirma que sua opção por se tornar cirurgiã-dentista se deu, primeiramente, por querer uma formação na área da Saúde, mas que não fosse tão sistêmico, e também por sempre ter sido uma apreciadora da estética do sorriso. “Iniciei a faculdade com o objetivo de me especializar em Reabilitação Oral e Estética. No primeiro ano, gostei muito das áreas básicas, que também são as mais ligadas à vida acadêmica, e me direcionei para a pesquisa científica”, conta Larissa.

Com o passar dos anos, ela se viu cada vez mais envolvida com as pesquisas científicas, apresentação de trabalhos em congresso, e com o magistério. Formou-se em 2020, fez pós-graduação em Odontologia Hospitalar e Habilitação em Laserterapia e, atualmente, cursa o mestrado em Estomatologia.

Atualmente, Larissa compõe o corpo clínico do Hospital Israelita Albert Einstein, dá aula no curso de pós-graduação em Odontologia Hospitalar do corpo acadêmico do hospital, e também atua como assistente voluntária nas disciplinas ministradas pelo professor Victor MontallI, na SLMandic de Campinas.

“Me senti muito motivada pela inspiração que alguns professores causaram em mim e tive vontade de despertar isso em outras pessoas. No princípio, minha ideia era me tornar professora em tempo integral, mas tive a oportunidade de fazer um estágio na área de Oncologia do hospital e gostei muito. Hoje, divido meu tempo entre o hospital, em São Paulo, e a faculdade, em Campinas, atuando em ambos na assistência e ensino”, detalha.

Em 2023, Larissa concluirá o curso de mestrado. Ela diz que quer fazer o doutorado logo em seguida para se tornar professora titular do curso de graduação.

A cirurgiã-dentista observa que o interesse pela carreira acadêmica é minoria entre os alunos. “Na minha turma de 32 alunos, apenas eu e outro colega estamos seguindo este caminho”, declara, ressaltando que muitos profissionais cursam o mestrado mais interessados na titulação do que propriamente com o objetivo de se tornarem professores.

Aos 24 anos, Larissa diz que não encontra dificuldades para dar aulas para profissionais na pós-graduação, muitas vezes bem mais velhos que ela. “A Odontologia Hospitalar também é uma especialidade jovem, muito tecnológica, e que traz diversos conceitos novos. Então, mesmo os cirurgiões-dentistas com mais idade que eu absorvem bastante o conhecimento. Eles também brincam com o fato de eu ser ainda muito jovem, mas sempre de forma muito leve, criando um ambiente descontraído e agradável”, afirma, destacando que também aprende muito com a troca de informações com os alunos, que são profissionais que estão no mercado, atuando em áreas distintas.

“A área de Odontologia Hospitalar está em potencial crescimento e precisa de novos professores. A carreira acadêmica pode ter um caminho um pouco mais difícil, mas oferece maior estabilidade e segurança, além de ser um canal de promoção de conhecimento e inovação”, conclui.

Flavio de Melo Garcia tem 28 anos, formou-se em 2016 e ingressou no programa de residência do hospital AC Camargo, em São Paulo, onde ficou por dois anos. Em seguida, começou a trabalhar no Sistema Único de Saúde (SUS), onde atuou desde o posto de saúde até atenção secundária e terciária. Depois, trabalhou por um ano no Hospital Heliópolis, na zona sul da capital paulista, onde se especializou na área de Odontologia Hospitalar, paralelamente cursando o mestrado em Saúde Pública na USP.

Natural de Poços de Caldas (MG), Garcia voltou à cidade e teve a oportunidade de implementar o serviço de Odontologia na UTI na Santa Casa de Misericórdia, devido à sua experiência anterior. “Hoje atuo nas duas áreas. Trabalho na Odontologia da UTI e, ao mesmo tempo, realizo um estudo junto à faculdade para trazer elementos que qualifiquem a assistência ao paciente crítico”, explica Garcia, dizendo essa área ainda é uma novidade para todas as especialidades médicas envolvidas nos atendimentos na UTI.

O especialista conta que, primeiramente, foi em busca de aprimorar seus conhecimentos técnicos. Durante os dois anos em que fez a residência, lidou com pacientes com câncer de cabeça e pescoço. “Eu me perguntava como a ciência lida com a distribuição dos fatores de risco. Queria entender por que há pessoas que desenvolvem o câncer de boca, e outras não. Essas respostas eu só iria encontrar em um curso de pósgraduação ou mestrado, e fui em busca disso. Foi no mestrado que entendi como nossa organização social influencia em vários fatores. Assim, ingressei na vida acadêmica”, detalha Garcia, que está concluindo o mestrado e foi convidado para lecionar na Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Poços de Caldas.

“Agora vou começar esse processo de formação de outros profissionais com o que já tenho de experiência prática. Achei importante traçar esse caminho antes de começar a dar aulas. Atuei na prática para aprender e, depois, cursei o mestrado para entender porque as coisas são como são”, finaliza.