Conversamos com grandes especialistas em gestão odontológica para inspirar e apontar caminhos para cirurgiões-dentistas realizarem ações ambientais, sociais e governamentais.
Em um mundo cheio de siglas, novos termos a cada dia e nomenclaturas em idiomas diferentes, fica difícil acompanhar todas as mudanças e novidades. Porém, a junção de três letras conta com o poder de mudar os rumos da sua clínica ou mesmo um simples consultório odontológico. Afinal, você sabe o que é ESG? Caso a resposta seja negativa, a leitura dessa matéria é ainda mais indicada, já que contaremos como esse modelo de governança, que tem como três pilares a gestão eficiente, a consciência social e a sustentabilidade ambiental, pode elevar o patamar da sua carreira, com o relato de importantes nomes da
Odontologia que já trilham esse caminho ou já deram importantes passos.
Um desses profissionais é Fábio Bibancos, relevante nome da Odontologia brasileira, e que tem uma intensa experiência em ESG. Em setembro deste ano, ele ministrou uma palestra sobre o tema no INDEX23 (Innovation Dental Exhibition), evento que abordou a tecnologia aplicada na Odontologia, no Transamérica Expo Center, em São Paulo.
“A participação foi excelente e o feedback foi muito positivo. Eu me sinto ainda mais motivado para divulgar o ESG na Odontologia e todos os benefícios de sua implementação. Espero contribuir para esta transformação, desde os consultórios até as grandes clínicas, mostrando para o cirurgião-dentista que ele é uma peça-chave nessa transformação e que ele pode ser um agente da mudança”, afirma Bibancos.
ESG é para todos os tamanhos de modelo de negócios?
É natural que o cirurgião-dentista se questione: o ESG diz respeito somente às grandes clínicas e franquias? A resposta é “não”. É importante salientar que ele vale para a Odontologia como um todo, como Bibancos explica. “As práticas ESG têm como objetivo o aprimoramento da empresa, do consultório, do profissional e, certamente, serão um importante diferencial. A concorrência é grande na área da Odontologia, principalmente quando nos referimos aos grandes centros. Vão se destacar os profissionais que implementarem as melhores práticas, não apenas de gestão, mas também de impacto social e ambiental”, determina.
Com relação ao “E, S e G”, perguntamos ao especialista se há uma hierarquia de importância e qual dos três encontra maior dificuldade de produzir boas iniciativas no Brasil. “Todos são importantes. Para a Odontologia, é mais simples pensar inicialmente no ‘G’, na governança, e relacioná-la à gestão, mas o conceito de governança abrange também a ética profissional, a transparência, a conformidade regulatória, a equidade nas relações de trabalho, a inclusão e a qualidade da liderança corporativa.
Infelizmente, os três (E, S e G) estão a desejar, sendo que a maior difi culdade está no ‘S’ do social. Noto que muitos dentistas não sabem por onde começar. Isso pode se dar através de programas de atendimento odontológico acessível para grupos carentes, promoção da saúde bucal em escolas locais ou até mesmo com a criação de um ambiente de trabalho inclusivo e diversificado dentro da clínica”, instrui Fábio Bibancos.
Mas o que seria essa transformação? Antes de nos aprofundarmos no tema, vale a pena entender a origem do ESG. O termo foi criado em 2004, em um estudo encomendado pela ONU que recebeu o nome de “Who Care Wins” (Ganha quem se importa). As três letras que formam a sigla têm as seguintes premissas:
● E (environmental/ambiental): diz respeito às práticas e políticas relacionadas ao meio ambiente. Abrange questões como redução das emissões de carbono, gestão da água, conservação da biodiversidade, eficiência energética, entre outras medidas relacionadas à sustentabilidade ambiental;
● S (social/social): refere-se às práticas das empresas em relação aos funcionários, pacientes, comunidades e outras partes interessadas. Abarca tópicos como direitos dos trabalhadores, diversidade e inclusão, equidade, saúde, segurança no trabalho e responsabilidade social corporativa;
● G (governance/governança): está relacionado à estrutura de liderança e tomada de decisões dentro de uma empresa. Também envolve a composição do conselho de administração, a transparência nas operações, prestação de contas, controles internos e, não menos importante, a ética nos negócios.
Um case de sucesso que tem o ESG como referencial de governança é a Turma do Bem. O objetivo principal dessa iniciativa sem fins lucrativos diz respeito à “valorização da classe odontológica e captação de recursos para continuar gerindo a maior rede de dentistas voluntários do planeta”.
Na visão do vice-presidente da Turma do Bem, Leonardo Ganzarolli, que é formado em Odontologia e possui, dentre outras, especialização em Desenvolvimento, Sustentabilidade e Gestão de Projeto, o maior desafio está em informar como o cirurgião-dentista pode colocar em prática as condutas que podem começar de maneira muito simples, como exercendo uma atividade voluntária por meio de organizações sociais. “É importante garantir a transparência das ações da sua clínica, não apenas para o ambiente externo, mas também para o interno. Afinal, uma das responsabilidades sociais está relacionada de forma direta aos seus colaboradores”, ressalta o especialista.
Lucro x consciência
Outra dúvida que deve pairar diz respeito ao objetivo primordial das relações capitalistas em uma área com enorme competitividade: como fica a questão do lucro? O ESG, apesar das boas intenções, pode trazer maus resultados para o consultório? Segundo Leonardo Ganzarolli, através de pequenas mudanças e pequenas ações, é possível um cirurgião-dentista começar algo grandioso. “A procura por produtos sustentáveis cresceu 71% nos últimos cinco anos, e a nova geração consome produtos e serviços baseados na responsabilidade social e ambiental. A grande sacada é mostrar ao profissional da saúde e ao gestor da clínica odontológica como eles podem implementar processos e transformar a cultura do consultório, através de práticas e estratégias para melhorias, além de um marketing eficiente”, defende o gestor.
Ainda segundo ele, para um cirurgião-dentista aproveitar todo o potencial de atração e fidelização proporcionado pelo ESG, é crucial garantir que seus canais de comunicação, como redes sociais, site e e-mail, estejam preparados para uma estratégia que não se limita apenas a apresentar serviços, mas também transmitir de maneira transparente o que acontece na clínica de dentro para fora.
Legado de pai para filhas em MG é inspiração para todo o Brasil
Com 45 anos de profissão, Ernani Tadeu de Souza, fundador da clínica OdontoLógica BH, localizada na capital mineira, tem uma frase que resume bem a forma como o trabalho dele pode impactar muito além de suas habilidades em Implantodontia, Periodontia e Reabilitação Oral: “Cuide dos sorrisos e do mundo que os cerca, pois ambos são heranças preciosas para as gerações futuras”.
Souza conta com entusiasmo como ele fez da clínica um espaço de reutilização pluvial e energia limpa. “Além de utilizar sistemas de captação e armazenamento de água da chuva, também adotamos um rigoroso controle de consumo em nossas instalações, quando utilizamos apenas o necessário. Com relação à energia elétrica, aproveitamos a iluminação natural por meio de aberturas zenitais – tipo de iluminação e ventilação que vem de cima (zênite) –, investimos em equipamentos mais eficientes e sustentáveis, e contamos com um sistema de aquecimento de água através de usina fotovoltaica”, enumera o empresário, que também implementou estratégias de reciclagem e reutilização, além de parcerias com empresas locais que realizam a coleta seletiva.
O cirurgião-dentista também destaca o papel da clínica em conscientizar a equipe e os pacientes sobre a importância do ESG e a necessidade de adotar práticas sustentáveis como algo fundamental. “Realizamos treinamentos e campanhas internas para promover o engajamento e a conscientização de todos. Privilegiamos a contratação de fornecedores sustentáveis e procuramos apoiar projetos e causas sociais que estejam alinhadas com nossa visão de contribuir para um mundo melhor”, sintetiza.
Um dos aspectos interessantes sobre a OdontoLógica BH é que se trata de uma empresa familiar, onde Ernani Tadeu de Souza trabalha junto com suas filhas, Sheila e Emiliana. Mas, ao perguntarmos sobre o legado que o profissional quer deixar, descobrimos que são conquistas que serão usufruídas não somente por seus herdeiros. “Não se trata apenas de ações do presente, é sobre o que elas significam para as gerações futuras. Quero que meus filhos e netos vejam em mim um exemplo de como é possível ser bem-sucedido na Odontologia e, ao mesmo tempo, ser um guardião responsável do meio ambiente. Quero que eles saibam que cada pequena ação, cada decisão consciente que tomamos, pode ter um impacto duradouro”, conclui.
Como dar os primeiros passos para aderir ao ESG
Segundo Fábio Bibancos, alguns pequenos passos podem ser essenciais para quem quer fazer a sua clínica ou consultório passar por uma transformação por meio do ESG. “O cirurgião-dentista deve pensar na implementação dessas práticas como um investimento na valorização de sua clínica, de seu trabalho, de sua imagem e da qualidade do atendimento, fazendo com que os pacientes percebam seus diferenciais e se fidelizem.
O tema (ESG) é novo para a Odontologia, mas seus preceitos e benefícios são notoriamente reconhecidos no cotidiano das pessoas, que se identificam e fortalecem o vínculo com este profissional. Para isso, é importante que o profissional esteja sempre atualizado sobre o assunto, buscando seu aprimoramento em palestras, cursos, livros e se inspirando em iniciativas de sucesso.”
Por fim, Bibancos faz uma crítica à ausência dessa mentalidade na formação dos cirurgiões-dentistas, em um mercado que, de acordo com dados do Conselho Federal de Odontologia (CFO), conta com quase 75 mil clínicas. “A ampla maioria das faculdades não forma o cirurgião-dentista para ser gestor. A formação está centrada na assistência clínica, na técnica. E quando se fala da questão ambiental e social, também são pouco exploradas.
Esta realidade, no entanto, é uma grande oportunidade para os dentistas se aperfeiçoarem em ESG, implementando essas práticas para o aprimoramento pessoal e de seu consultório, não apenas na governança, mas também no ambiental e no social”, finaliza o fundador da Turma do Bem, uma rede com mais de 18,5 mil cirurgiões-dentistas voluntários, no Brasil e no exterior, e que oferece atendimento odontológico gratuito para jovens de 11 a 17 anos e mulheres vítimas de violência.