Ortodontia pediátrica: existe idade certa?

Ortodontia pediátrica: existe idade certa?

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As novas tecnologias têm impactado a Ortodontia pediátrica. Especialistas analisam o momento ideal para iniciar o uso de aparelhos e alinhadores em crianças e adolescentes.

A Ortodontia pediátrica tem passado por grandes mudanças ao longo dos últimos tempos. Novas tecnologias, produtos e recursos vêm trazendo abordagens mais assertivas para os cirurgiões-dentistas. Ao mesmo tempo, os tratamentos modernos tendem a apresentar resultados mais rápidos e também se tornaram mais acessíveis para os pacientes, principalmente quanto às consultas para manutenção. Esses avanços no segmento ortodôntico impactam positivamente nos tratamentos, inclusive para crianças e adolescentes. Mas, como orientar pacientes e pais sobre qual o melhor momento de fazer correções ortodônticas em seus filhos e quais procedimentos se aplicam melhor a cada caso?

Cuidado desde o nascimento

O ortodontista, implantodontista e especialista em Ortopedia dos maxilares Mauro Macedo, de Recife (PE), aponta que um tratamento ortodôntico não se resume a colocação de aparelho nos dentes. “O trabalho do cirurgião-dentista começa na prevenção. O ideal é monitorar o paciente desde o nascimento, porque existem fatores da formação craniofacial que levam ao mau desenvolvimento não só dos dentes, mas das estruturas da face”, destaca.

O especialista detalha que esse desenvolvimento envolve os ossos e a musculatura faciais e também a deglutição, respiração e mastigação. “Todas essas funções são interdependentes. E, a partir do momento que uma delas está comprometida, as demais também serão afetadas”, explica.

Macedo afirma que também é papel do cirurgião-dentista orientar as mães quanto à pega correta do bebê para a amamentação. “Nesse momento, o bebê precisa fazer a sucção e respirar ao mesmo tempo. Se ele estiver em uma posição inadequada, esse procedimento pode gerar um problema futuro de deglutição atípica, por exemplo”, diz ele.

Quando o bebê tem um treinamento errado da deglutição, ainda de acordo com o especialista, será necessário parar para respirar pela boca, o que altera o desenvolvimento correto dos maxilares, a atresia da maxila, gera problema de lábios ressecados e entreabertos, afeta o padrão de crescimento vertical, propiciando uma face mais alongada e provocando uma tendência de pouco desenvolvimento do mento.

Outra situação apontada por Macedo como justificativa para a necessidade do acompanhamento de um cirurgião-dentista na fase neonatal é o surgimento de dentes ou estruturas similares em alguns bebês recém-nascidos. “Nesses casos, a conduta é cirúrgica, porque além de ser muito desconfortável para a mãe, na maioria das vezes esses dentes não têm raízes, são amolecidos e causam dor para a criança, que pode passar a rejeitar o leite materno”, detalha, dizendo que isso pode obrigar ao uso da mamadeira, que é extremamente prejudicial antes dos seis meses de vida.

Macedo afirma que o uso precoce da mamadeira pode condenar o bebê ao desenvolvimento anormal da mandíbula, deixando-a mais curta, se ele já tiver uma pré-disposição para essa característica, por treinar sua deglutição, respiração e desenvolvimento de face de forma errada.

“Quando os maxilares – maxila e mandíbula – estão desarmonizados, os dentes se inserem nesse contexto. Muitas vezes, o mau posicionamento dos dentes tem como causa o crescimento errado dos ossos da face por falta de estímulo correto”, explica.

A língua do bebê também deve ser observada. O especialista indica que muitas vezes o recém-nascido rejeita a amamentação porque tem a língua presa. A correção desse problema é feita por meio de um procedimento cirúrgico, também realizado por um cirurgião-dentista. Se esse problema não for corrigido, é possível acarretar também na rejeição do leite materno pela dificuldade que o bebê tem para a pega da mama, novamente propiciando o uso precoce da mamadeira.

Outra característica apontada por Macedo, e que cabe aos profissionais de Saúde que atendem os bebês recém-nascidos observar, inclusive o cirurgião-dentista, é a plagiocefalia, condição em que o bebê nasce com um dos lados da cabeça mais achatado. “Essa condição está ligada a problemas em todo o sistema orgânico do paciente, que inclui o desenvolvimento da postura, dos maxilares, da mandíbula, da respiração, assimetrias faciais e uma série de outras patologias”, detalha, destacando que essa é uma característica grave, mas reversível, se não for negligenciada e se for tratada precocemente.

Os primeiros problemas ortodônticos

O especialista define que o mau posicionamento dos dentes nos primeiros anos de vida, frequentemente estão relacionados ao mau posicionamento dos maxilares. Se a mandíbula não foi estimulada a ter um crescimento adequado para ter compatibilidade com o tamanho da maxila, a criança vai ter os dentes superiores avançados, o que conhecemos como Classe II. Há também fatores genéticos ou epigenéticos que podem favorecer esta condição, ligados ao desenvolvimento, à deglutição, à mastigação.

“O momento de introduzir uma dieta sólida também é muito importante nesse processo. Aos seis meses de vida, a criança já pode ingerir alimentos pastosos. E, após um ano de idade, é necessário ter uma alimentação sólida. O exercício da mastigação é necessário para equilibrar o tamanho dos ossos dos maxilares, consequentemente favorecendo o equilíbrio do posicionamento dos dentes”, afirma.

Macedo pondera que, antes de indicar o uso de aparelhos ortodônticos para uma criança ou adolescente, é preciso conhecer a causa do mau posicionamento dos dentes. “Se a causa for o mau posicionamento dos ossos, o primeiro caminho não é usar aparelhos, mas corrigir o problema estrutural”, diz

Macedo aponta que muitos profissionais de saúde aconselham pais a levar seus filhos ao cirurgião-dentista após os seis ou sete anos de idade, o que ele considera completamente errado do ponto de vista do desenvolvimento. “Há diversos estudos que comprovam que o período de maior crescimento da maxila e mandíbula acontece nos cinco primeiros anos de vida”, afirma.

Os casos de assimetria da face não corrigidos precocemente podem levar o paciente a, futuramente, fazer uma cirurgia ortognática, fazer desgastes ou extrações dentárias. O especialista ressalta que o mau posicionamento de maxila e mandíbula interfere na postura, podendo causar problemas graves de coluna, respiratórios e afetar a saúde sistêmica de forma geral.

Hoje em dia, ainda segundo Macedo, o ortodontista tem que estar cada vez mais ligado à especialidade de Ortopedia dos Maxilares para fazer uma avaliação correta e precoce – sempre que possível – das características faciais dos pacientes, entendendo que é pouco eficaz fazer a correção da linha média dos dentes quando há questões estruturais a serem corrigidas.

Ele observa que, muitas vezes, é normal as crianças terem dentes tortos, que serão corrigidos naturalmente, e cita como exemplo as que têm diastemas nos dentes superiores, que acabam sendo corrigidos quando os caninos erupcionam, por volta dos dez a 12 anos de idade, empurrando os incisivos lateral e central, fechando os diastemas. “O cirurgião-dentista precisa abrir a mente e entender que a Odontologia não trata apenas de dentes”, conclui.

Uso de aparelhos e alinhadores

Mauro Macedo não é contrário ao uso de aparelhos e alinhadores nos casos em que sejam realmente necessários, e destaca que essa correção pode acontecer de forma mais rápida quando há harmonia craniofacial.

“Crianças podem, sim, se adaptar a aparelhos móveis ou alinhadores, desde que sejam bem feitos e ajustados, e não causem dor ou incômodo”, observa. O especialista, no entanto, insiste que pacientes que corrigem apenas a dentição podem depender eternamente de contensores para evitar ou minimizar a rescidiva do desalinhamento.

A odontopediatra Paola Chaccur, de São Paulo, concorda com a linha de pensamento de Mauro Macedo. De acordo com a profissional, os pais que cuidam da dentição dos filhos logo após o nascimento já estarão fazendo um tratamento preventivo importante. E, quando for o momento – e se necessário –, o odontopediatra encaminha essa criança para o ortodontista.

“É preciso que o pediatra e o odontopediatra trabalhem em conjunto. Um problema muito frequente é o freio lingual curto, que não permite que o bebê mame corretamente. O pediatra pode observar isso nos primeiros dias ou semanas de vida e, encaminhando para o odontopediatra, será realizado um procedimento muito simples, fazendo um corte mínimo no freio da língua, com um impacto muito grande na qualidade de vida e na harmonia facial do bebê”, destaca Paola.

A ortodontista pontua que a chupeta não é recomendável em nenhum momento, mas pode ser aceitável se o uso não passar de duas horas por dia e também nunca após os dois anos de idade. Sobre a mamadeira, que muitas vezes se faz necessária para complementar a amamentação, Paola recomenda que aos poucos se use os bicos de transição, para que a criança se acostume a tomar líquidos em copos ou xícaras e que seu uso também não seja prolongado.

Quanto ao uso dos aparelhos ortodônticos, Paola afirma que já é possível indicar alinhadores na dentição mista, a partir dos seis anos de idade. “Muitas vezes, dependendo do caso, é necessário utilizar aparelhos ortopédicos simultaneamente”, observa, ressaltando que não é necessário esperar a dentição permanente para esse tipo de correção quando ela realmente se faz necessária.

A importância do engajamento do paciente

O engajamento e a fidelização das crianças para os tratamentos com aparelhos móveis ou alinhadores são os maiores desafios. No entanto, de acordo com Paola, o tratamento é possível desde que o profissional saiba convencer a criança da necessidade da sua colaboração.

“Os alinhadores têm a vantagem de que se a criança perde um, por exemplo, pode usar o próximo porque a posição dos dentes estará apta para isso, diferente dos aparelhos móveis, que têm que ser substituídos”, diz, apontando também para o fato dos alinhadores e aparelhos móveis facilitarem a limpeza e a escovação dos dentes, prevenindo o surgimento de cáries, tártaro e placas.

Paola reforça que a intervenção precoce é benéfica, uma vez um dente que nasce torto tem potencial de causar o desalinhamento dos outros. “Até os nove anos de idade, o palato ainda não fechou. Então, é possível expandi-lo sem que a criança sinta dor ou incômodo. Quando passa dessa fase, o tratamento é mais demorado e doloroso”, detalha.

A especialista exemplifica que, nos casos de atresia de maxila, o tratamento acontece pelo menos três vezes mais rápido em uma criança antes dos nove anos de idade. “Muitas vezes, se a intervenção com aparelho ortopédico ou ortodôntico não for realizada no momento correto, o caso pode ser tornar cirúrgico”, explica.

Paola finaliza dizendo que a tecnologia tem modificado a Odontologia e a Ortodontia, encurtando os prazos de tratamento a apresentando soluções mais eficazes e assertivas. “É preciso que, assim como as pessoas, de maneira geral, assimilam a necessidade de escovar e higienizar os dentes duas a três vezes ao dia, também adquiram o hábito de levar seus filhos ao odontopediatra desde o nascimento”, finaliza.

Mudança da face e qualidade de vida na adolescência

Helayne Cristina Luiz, de São Paulo, conta que logo que a dentição de seu filho Lucas começou a nascer, os dentes apresentavam apinhamento.

“Nessa época, ele tinha cinco anos, morávamos no interior paulista e o cirurgião-dentista disse que ele tinha pouco espaço do palato. Ele chegou a usar um aparelho móvel para corrigir essa característica. Mas precisamos nos mudar para São Paulo e passamos por um período longo de adaptação. Com isso, o aparelho ficou pequeno e ele precisou parar o tratamento”, lembra Helayne.

A história mudou com a chegada dos alinhadores transparentes para o tratamento de Lucas. “Quando ele estava com 13 anos, um ortodontista de São Paulo me apresentou um alinhador. O tratamento era bem menos demorado, mas também mais caro. Mas, optei por essa técnica porque achei que, em função do menor tempo e do conforto, valeria a pena”, relata.

Ela conta que, como Lucas queria muito corrigir os dentes, e também já se incomodava com comentários e brincadeiras inconvenientes dos colegas, ele teve um bom engajamento ao tratamento. A mudança do formato dos dentes e do rosto foi muito rápida, e isso também serviu de estímulo para Lucas.

O tratamento durou um ano e meio, com trocas semanais e visitas periódicas para avaliação do ortodontista. Ele já tinha todos os dentes permanentes, e não foi preciso fazer extrações. Lucas diz que o processo foi indolor e até hoje, quase dois anos após o término, utiliza um contensor móvel, também transparente, para dormir. “Fiquei feliz com o resultado”, diz Lucas.