10 Perguntas para Ronald Jung

10 Perguntas para Ronald Jung

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Especialista em Osseointegração fala de sua experiência e desafios na disseminação de conhecimento ao redor do mundo.

O cirurgião-dentista e implantodontista Ronald Jung, da Suíça, esteve no Brasil para ministrar cursos na Universidade de São Paulo (USP) e conversou com a Sorrisos Brasileiros. O professor e chefe do Departamento de Odontologia Reconstrutiva da Universidade de Zurique, na Suíça, e Presidente da Associação Europeia de Osseointegração (EAO) falou sobre a posição da Odontologia brasileira no mundo, os conceitos básicos para se tornar um profissional de excelência na área e, entre outras análises, apontou pontos positivos que devem ser mantidos, e os pontos negativos que precisam ser combatidos, para que a Odontologia mantenha um alto padrão de qualidade.

1) A Osteologia tem diversas atividades de workshops. Depois de todos esses anos, na sua opinião, quais são os principais desafios dessas oficinas ao redor do mundo quando você verifica a experiência dos participantes?

Para mim, os desafios têm a ver com o fato de você não poder ter tudo preparado de antemão. Então, é preciso aceitar cada país do jeito que é. Não vou com uma agenda. E sempre digo que sou flexível para cada situação. Você precisa julgar a situação porque essas partes práticas, especialmente aquelas que fazemos agora, são muito exigentes, técnicas e sensíveis. Existe a questão de colocar implante em situação de defeito, fazer aumento ósseo, fazer elevação plana e sutura. Então, realmente há muitos detalhes e o desafio é reunir todas as empresas e partes interessadas porque você precisa lidar com empresas de implantes, de materiais regenerativos, materiais de sutura, instrumentos, equipamentos de perfuração, motores e instalações.

Eu acho que é mais pela complexidade de todos os materiais e máquinas que precisam estar presentes do ponto de vista educacional, pois eles acreditam que isso é a melhor coisa que se pode fazer pelos cirurgiões-dentistas porque o profissional pode participar de diversos congressos e de palestras on-line, mas nada substitui essa parte prática e a interação individual com cada um dos participantes.

Os desafios são mais do ponto de vista técnico, mas o participante não sabe o que está por trás disso. É apenas muito trabalho. No geral, acho que este é o mais alto nível de qualidade que você pode oferecer aos cirurgiões-dentistas.

2) Quanto tempo você considera necessário para que um conceito em Odontologia Regenerativa se estabeleça e seja assimilado?

Primeiramente, precisamos perceber que na Odontologia não existe nada mais importante do que o tipo de material regenerativo, pois é ele que deve realmente passar a fazer parte do corpo do paciente. Portanto, um novo material não pode ser utilizado imediatamente nos pacientes.

Quando venho com um novo material de obturação, posso usá-lo; quando não funciona, posso removê-lo. Talvez o paciente não fique tão feliz assim, mas não tem problema. Já um material regenerativo, do qual você não tem prova de como se comporta, nunca deve ser usado no paciente.

Quando se trata dos requisitos para o uso de um material regenerativo, isso significa que o produto precisa atender aos mais altos padrões. Quando se tem um problema com esse material ósseo, existe o risco real de perder osso e nunca mais voltar à situação anterior. Da mesma forma, quando um implante não funciona, é possível removê-lo, mas o material regenerativo é realmente parte do corpo. É por isso que eu ensino aos cirurgiões-dentistas no mundo todo que, quando se trata de material regenerativo, eles precisam realmente se atentar aos detalhes.

Eles precisam ter uma experiência de cinco a dez anos para fazer isso com o paciente. E a regra número 1 é: trate cada paciente da maneira que você deseja ser tratado ou como deseja tratar seus filhos. Quando o profissional aprova o que está propondo ao paciente, nunca comete um erro.

Quando alguém me pergunta se eu gostaria de utilizar um material que nunca tenha sido testado antes, e sem dados de cinco anos, minha resposta é que não quero ter isso em meus ossos.

3) Quais são os resultados e sua percepção sobre os dois livros das diretrizes de Osteologia dos quais você participa?

Creio que a Osteologia seguiu um caminho diferente de outras organizações. Ela quer unir a ciência à prática. Esse também é o slogan da especialidade. Os livros não são tradicionais, como temos na Odontologia, que descrevem como devemos fazer, como colocar um implante ou como fazer um aumento ósseo. Esses livros destinam-se principalmente a pesquisadores e cientistas para ajudá-los a fazer pesquisas corretas e lucrar com isso.

Não há nenhuma outra organização que se concentre apenas nesta atividade de investigação. É um grupo menor ao qual você pode se dirigir. Estes livros nunca estarão em todos os consultórios odontológicos, mas estarão em locais onde alguém esteja interessado na pesquisa. Cabe a um estudante de doutorado ou a um professor dar a todos, independentemente da pessoa ter tido a chance de estar em uma universidade de ponta ou não, a chance de aprender com os melhores e de aprender o que significa fazer um projeto de pesquisa adequado.

Trata-se de realmente preencher a lacuna entre a literatura padrão, como a que temos aqui, para aprender de forma mais prática o que se faz diariamente, e a parte científica. Então, para preencher essa lacuna, temos que fornecer informações sobre como fazer ciência em Odontologia.

4) Como é a sua filosofia clínica diária na Universidade e o que explica tanto sucesso com o Programa de Estudantes Internacionais?

Na atividade clínica na Universidade de Zurique, hoje tenho uma situação onde mais de 60% dos meus pacientes tiveram complicações. Tenho pacientes vindos da Austrália, do oeste da América do Norte e do Oriente Médio porque eles tiveram tratamentos realmente comprometidos, e quando a pessoa passa por isso uma vez, simplesmente não quer que mais nada dê errado. Eles fazem um esforço para viajar até lá para fazer isso. Eu fico muito triste ao ver o que os cirurgiões-dentistas estão fazendo com os pacientes em todo o mundo. É por isso que acho que devemos colocar o foco mais na Odontologia, não apenas no implante. Devemos focar na saúde geral.

Como líder de opinião internacional e professor, meu trabalho é fornecer tratamentos melhores a mais pacientes, tratamentos menos invasivos e mais previsíveis. Isso significa que precisamos educar os cirurgiões-dentistas não apenas sobre uma técnica sofisticada, mas para uma Odontologia que considere a saúde como um todo, de um ponto de vista abrangente, e não apenas fale sobre “agora eu tenho um implante que tem uma perfuração a mais do que o outro”. É sobre o conteúdo, as orientações para auxiliá-los na prática diária. É nessa direção que precisamos ir. Vejo o que aconteceu com tantos pacientes e esta é a minha motivação, ter mais pacientes com tratamentos bem-sucedidos.

5) Quando você diz que há erros em todo o mundo, há erros que sempre se repetem ou causas e características diferentes de cada país? O que acha que está dando errado?

Não há diferença entre os países. O risco número 1 é tratar um paciente com muito dinheiro. Os cirurgiões-dentistas perdem a cabeça, só pensam economicamente: “o que posso fazer?” E acabam escolhendo tratamentos que não têm motivo para serem feitos, principalmente invasivos. Novamente, ao iniciar um tratamento, você deve perguntar sempre: “eu faria esse tratamento em meus filhos ou minha família?” E, se você disser “sim, eu faria isso”, nunca cometerá nenhum erro. Mas, muitos profissionais, talvez devido à demasiada pressão econômica, precisam fazer coisas que não são realmente éticas. Esse é o maior problema.

Este ano estive em um road show na China, é o mesmo por lá. É o mesmo na América do Sul, na América do Norte, na Europa, está em todos os lados. Mais uma vez, minha regra é que preciso ensinar todos esses valores aos cirurgiões-dentistas para que se tornem mais um médico e não um mecânico médico; não apenas tentar fazer furos na boca do paciente. Eu sempre digo: eu não trato dentes, eu trato seres humanos. E por trás de cada boca há uma pessoa com todos os seus medos, fraquezas, percepções e expectativas diferentes, e entender isso é muito mais importante do que qualquer técnica.

6) Agora, com os procedimentos estéticos, é necessário que o cirurgião-dentista saiba quando dizer “não” a um paciente?

Sim, isso é muito importante. Eu gosto de falar sobre isso. Eu sou conhecido no mundo todo por fazer implantes e recebo todos os pacientes para os quais fui recomendado. Mas sou o primeiro a dizer-lhes: “vocês não deveriam colocar implantes”. Ser bom em alguma coisa significa também saber o que deve e o que não deve fazer. Quando você é bom em alguma coisa, isso não significa que você deve sempre fazer isso. Se sou bom com os martelos, isso não significa que tenho que martelar tudo o que se pareça com um prego. O profissional realmente tem que saber onde deve ou não usar um implante.

Trata-se dos erros, de alinhar as expectativas. Creio que um dos principais motivos dos erros é que os cirurgiões-dentistas não ouvem sufi cientemente os pacientes no início, e talvez devessem informá-los que sua expectativa nunca poderá ser atingida. Quando o profissional faz isso logo no início, o paciente pode dizer: “não quero fazer o tratamento” ou “muito obrigado por ser tão honesto e claro comigo”. O pior é quando prometemos que a paciente vai se parecer com Pamela Anderson e isso nunca vai acontecer. Talvez o tratamento até seja bom, mas o paciente não vai sair satisfeito.

7) Como você vê a Odontologia brasileira de maneira geral e, especificamente, na área da Osteologia?

Percebo que os cirurgiões-dentistas brasileiros são muito perspicazes e ansiosos para aprender, mas este também é o pequeno grupo que vemos que está realmente contribuindo para a educação. Minha impressão é que vocês são muito bons quando o assunto é Osteologia. O Brasil possui o maior Grupo Nacional de Osteologia, ele funciona muito bem e faz um trabalho fantástico, colocando o Brasil como um modelo completo.

Minha experiência, em termos de colaboração, é principalmente na USP – que é a instituição preferida com a qual já trabalhei. Mas eu também sei que existem muitos cirurgiões-dentistas sendo formados no Brasil, e esse é o risco de baixar muito a qualidade. Quando há muitos profissionais, eles precisam oferecer tratamento barato, não são bem preparados, e aí os pacientes não sabem julgar se são bons dentistas.

Do ponto de vista governamental, deve-se sempre buscar equilibrar quais são as necessidades de saúde em cada disciplina (Odontologia, Cardiologia ou qualquer outra) e ter uma certa quantidade de especialistas que corresponda a isso. Quando se tem muitas coisas, a qualidade cai.

A avaliação externa sobre a Odontologia brasileira é muito alta. Realmente, existem centros de alto nível e líderes de opinião importantes, mas isso precisa ser tomado com muito cuidado porque também vejo que os brasileiros estão muito interessados em estética. Algumas pessoas fazem coisas para as quais não são treinadas e tentam baratear, a fim de obter mais pacientes.

8) Sobre a EAO e o que está acontecendo de mais importante, existe alguma pesquisa ou atividade específica que você possa apontar? Fale também sobre a relação entre a EAO e a Associação Brasileira de Osteologia.

Sou presidente da EAO para 2023 e 2024. A EAO está realmente se desenvolvendo muito bem, podemos ver isso pela quantidade de patrocínios. Temos agora, a cada ano, mais patrocinadores que querem fazer parte do congresso, o que também é um bom sinal porque a indústria não quer fazer parte de um congresso quando ele não tem sucesso. Então, do ano passado até este ano, temos mais de 12% de aumento de patrocínios.

A EAO tem se tornado uma organização importante, não só para a Europa, mas também para o mundo. Sempre temos muitos japoneses, eles são o segundo maior número de cirurgiões-dentistas na EAO. Além disso, os brasileiros são uma comunidade muito ativa. A EAO está fazendo isso porque precisamos ser iguais. Todos os anos escolhemos um país parceiro que também tenha benefícios de registro. Em 2019, o Brasil foi o país parceiro e foi muito bem recebido, houve muita presença de brasileiros.

Este ano, o congresso acontece em Berlim, e a Alemanha tem uma relação estreita com a Turquia – muitos turcos trabalham no país – por isso este é o país convidado.

9) Em Osteologia, o que podemos considerar o procedimento mais recente? Há algo novo chegando ou que você considere que tenha mudado a Osteologia no mundo?

O que torna a Osteologia forte é ter uma das maiores redes de conhecimento do mundo. Não conheço nenhuma organização que tenha tantos líderes de opinião importantes como a Osteologia. Ela está fazendo um trabalho muito bom e se tornando uma organização independente, e isso é muito importante para alcançar um impacto mais global. Penso que essa é a forma correta de proceder, ligando a Ciência e a prática, proporcionando uma educação de alto nível.

A educação de nível superior não tem nada a ver com o país de origem, com a cor de pele que a pessoa tem, com a língua que você fala, se é pobre ou rico, não importa. Queremos apenas ter mais propriedade do paciente, com tratamentos melhores e mais bem-sucedidos.

10) Você pode dar alguma dica para quem está iniciando na área de Osteologia?

A Osteologia está ligando a Ciência à prática. Há dois grupos: de um lado, os que estão realmente proporcionando educação aos cirurgiões-dentistas de todo o mundo, ao nível da Regeneração em Odontologia. Também acredito que a Osteologia precisa passar a incluir mais tópicos do que apenas este, é isso que fazemos com os congressos. A outra parte é que a força especial da Osteologia é promover jovens talentos e jovens pesquisadores que realmente irão mais longe e se tornarão líderes de opinião que queiram tornar-se professores universitários, proporcionando-lhes um excelente portfólio de diversas atividades, a começar por se tornarem estudantes de Osteologia.

Hoje temos vários colegas que começaram no exterior, esta é uma virada de jogo em suas vidas. Transforma significativamente a vida do profissional e o aproxima da rede comunitária de jovens que não se satisfazem apenas em atender pacientes todos os dias, eles querem fazer mais do que isso.

Penso que a Osteologia tem um papel muito importante para conectar esses jovens talentos e ter diferentes opções para torná-los melhores pesquisadores e melhores professores.