Secretariado na Odontologia: o papel da equipe na gestão dos negócios

Secretariado na Odontologia: o papel da equipe na gestão dos negócios

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Além da recepção, secretárias mostram que treinamento e estratégia fazem parte do sucesso de clínicas e consultórios odontológicos.

A importância do trabalho de secretariado nos consultórios e clínicas odontológicas vai além da recepção. Profissionais treinados desempenham uma função primordial na gestão administrativa, além de captação e fidelização dos clientes. Há cursos específicos para treinamento desses colaboradores, e o investimento na capacitação da equipe pode reverter positivamente para o sucesso do negócio.

A empresária e consultora Nísia Teles, do Rio de Janeiro, especializou-se no treinamento de equipes de atendimento em clínicas e consultórios odontológicos, e ressalta a importância da atuação desses profissionais para o bom atendimento e para a construção da imagem e identidade da empresa.

O primeiro emprego de Nísia, em 1997, foi como secretária de um cirurgião-dentista, em uma época em que o ofício era aprendido na prática, seguindo orientações dos chefes de acordo com o que esperavam de sua equipe de atendimento aos clientes. Alguns também chegavam a fazer cursos de auxiliar de saúde bucal (ASB) e técnico em saúde bucal (TSB).

“Quando me vi dentro desse universo sem saber nada, tendo que aprender com a secretária mais antiga e o cirurgião-dentista, percebi o quanto eu tinha vontade de aprender, mas não havia disponível o nível de conhecimento que temos hoje. Por ser muito curiosa, fui procurar cursos que pudessem me acrescentar. Os cursos de marketing eram uma novidade na época, então resolvi que esse seria o caminho”, conta Nísia, dizendo que seu trabalho de conclusão de curso (TCC) foi sobre marketing na Odontologia.

A empresária diz que sempre gostou de fazer atendimento ao cliente, e encontrou inspiração também no livro “Atendimento para ACD”, de Antônio Inácio Ribeiro, que trazia dicas e procedimentos importantes para os “auxiliares de consultório dentário”, terminologia da época. Depois disso, ela fez cursos com o autor e também com Plínio Tomaz e Ricardo Lenzi, cirurgiões-dentistas que trocaram o mocho pela gestão de negócios em Odontologia, e que foram os primeiros a criar procedimentos para treinamento das esquipes de atendimento.

Nísia passou a desenvolver os primeiros cursos para equipes de atendimento com o apoio de Antônio Inácio Ribeiro, até se sentir confiante para criar a empresa Makentista, em 2008. “Criei a marca já com o conceito de que o atendimento é a base de tudo”, diz.

Há 15 anos atuando no mercado de treinamento de equipe auxiliar de clínicas odontológicas, Nísia diz que os alunos se sentem mais confiantes e se identificam com ela pelo fato dela já ter ocupado o mesmo posto que eles. Além de Nísia, o mercado de treinamentos especializados para o segmento odontológico conta com diversas empresas e serviços, demonstrando o espaço que os cirurgiões-dentistas têm para crescer nesta área.

“Mesmo não sendo mais uma secretária, eu circulo pelas clínicas e estou sempre antenada com tudo o que acontece”, comenta Nísia. Para ela, a atividade é importante para observar as situações e dificuldades desses profissionais e, assim, sempre atualizar seus cursos e aplicar correções necessárias. “Não existe um planejamento de branding e de marketing sustentável se não houver uma base sólida de atendimento”, afirma. Nísia comenta que muitos clientes lhe dizem que já investiram em diversas estratégias, mas sem sucesso. “Normalmente, o que acontece é que eles não têm uma base de atendimento que suporte essas ações”, afirma.

Uma das estratégias utilizadas pela consultora é a de “cliente oculto”, em que ela ou alguém de sua equipe visitam os consultórios ou clínicas como clientes e depois fazem uma avaliação dos pontos positivos e negativos, sugerindo o que precisa ser mudado. De acordo com a empresária, as principais falhas vão desde um atendimento telefônico amador, sem um procedimento básico de perguntar o nome do paciente, até o desconhecimento de procedimentos mais elaborados. “Muitos cirurgiões-dentistas não passam nenhum tipo de orientação à sua equipe de atendimento, deixando-os muito à vontade para decidir como desejam trabalhar, e não percebem que todo o sucesso do negócio pode ficar comprometido por isso”, ressalta. “Quando eu entro em um consultório odontológico, em questão de minutos consigo identificar as principais falhas. É uma habilidade que eu adquiri como resultado da minha vivência, não apenas da época em que fui secretária, mas também do período que eu fui tomando consciência do que precisava observar, e é isso que passo nos meus cursos”, diz Nísia.

A especialista aponta a necessidade de estabelecer uma padronização do atendimento, além da importância dos próprios cirurgiões-dentistas participarem dos treinamentos. Assim, será mais fácil dos profissionais entenderem e cobrarem da equipe o cumprimento dos protocolos determinados. “Muitas vezes, a equipe sai muito motivada dos treinamentos, mas quando voltam para o ambiente de trabalho não encontram uma liderança que mantenha essa motivação e que cobre do time a continuidade do que foi aprendido e que vai reforçar a identidade da clínica ou consultório”, diz.

Esse tipo de treinamento conduz à elaboração de um manual de boas práticas, com todo o direcionamento de como proceder diante de situações corriqueiras e também esporádicas que podem acontecer. É papel do líder desse grupo orientar a equipe permanentemente para que os protocolos sejam cumpridos.

“É muito bom ter uma equipe capacitada. Mas essa equipe pode se perder dentro de uma gestão falha, que não tenha o envolvimento da liderança dos donos das clínicas”, reforça. Segundo avaliação da empresária, as secretárias com um bom treinamento são realmente capazes de executar essa expertise em sua rotina de trabalho e, por isso, são diferenciadas no mercado, levando-as a um patamar salarial mais alto. Nísia diz que alguns cirurgiões-dentistas resistem a compreender essa realidade e se apoiam no discurso de que remuneram a equipe de acordo com o piso salarial estabelecido pelas entidades de classe. Por outro lado, ela reconhece que há uma conscientização de outros que sabem a importância desses profissionais para o sucesso do seu negócio e os recompensam com salários compatíveis. O investimento em treinamento de equipe auxiliar é um procedimento indicado para todos os tipos de clínicas ou consultórios, independentemente do tamanho. “Mesmo um cirurgião-dentista que atenda sozinho com uma única secretária bem treinada pode ter um faturamento maior do que profissionais que têm três salas de atendimento e uma equipe maior”, afirma.

Ainda de acordo com Nísia, o ideal é que todos os colaboradores passem por treinamento, inclusive os auxiliares de serviços gerais porque eles fazem parte do conceito de equipe e exercem um papel muito importante no estabelecimento da padronização do atendimento. “Essas pessoas cuidam de uma parte fundamental que é a higiene dos banheiros, que é um dos lugares mais visitados e frequentados dentro de um estabelecimento, e também um lugar crítico, propício a sujeira e que exige manutenção constante da limpeza e ordem”, aponta.

Cada vez mais buscado, o conceito de experiência do cliente só acontece de forma impecável se houver uma boa interação entre todas as pessoas da equipe na execução de suas funções, independentemente de quais sejam. Os cursos abrangem um currículo detalhado de procedimentos do dia a dia, além de orientações sobre programas de gestão disponíveis e que facilitam a organização administrativa, também abordando os requisitos necessários para que as secretárias possam fazer uma análise de desempenho de campanhas de marketing, por exemplo, classificando a quantidade de conversões em agendamento de consulta por ação realizada. Esses indicadores de desempenho são muito importantes para que o gestor tenha um parâmetro de sucesso ou insucesso de cada ação para estabelecer se segue investindo em determinados formatos de captação de clientes ou não.

Além do conteúdo dos cursos, Nísia também conta com profissionais parceiros que indica para temas adicionais, como o uso das novas tecnologias na rotina dos consultórios e conceitos como biossegurança e outras especialidades. “Muitas vezes, as clínicas pecam na elaboração do cadastro de clientes, que precisa ser permanentemente alimentado com informações que podem gerar parâmetros importantes de estratégias de marketing”, aponta.

O mercado odontológico evolui a cada dia, mas a consultora aponta que os principais erros continuam girando em torno do fator humano, já que muitos cirurgiões-dentistas não se atentam para a importância do papel da equipe de atendimento para o sucesso do seu negócio. “Se as pessoas que compõem a equipe auxiliar forem estimuladas e entenderem que elas fazem parte do crescimento das clínicas onde trabalham, percebendo que podem ganhar com isso, não apenas como experiência profissional, mas de fato conquistando posições e salários melhores, elas se tornam parceiras do negócio”, ressalta.

Participar de eventos dentro e fora do consultório, estabelecendo uma rede de relacionamentos com os clientes e com outros profissionais da Odontologia, também é um conceito apontado pela especialista como grande diferencial para a equipe de atendimento que entende seu papel na formação da identidade da marca que representa. “É muito positivo, por exemplo, que os donos de clínicas estimulem seus colaboradores oferecendo um comissionamento extra atrelado ao sucesso de determinadas ações em que eles se engajem. Esse movimento deve ser ativo de todos os lados. Ele é trabalhoso, mas compensador”, afirma Nísia.

A especialista alerta que, nesses tempos em que a exposição em mídias sociais tem conquistado um espaço cada vez maior na Odontologia, é preciso redobrar o cuidado e engajar a equipe nas estratégias de marketing para que estas realmente tragam resultados positivos para o negócio, em termos de conversão de clientes.

Ela observa que muitos profissionais até têm números expressivos de seguidores nas redes sociais, mas isso não significa um aumento real de novos atendimentos, justamente porque a estratégia não envolve a equipe auxiliar.

Uma questão delicada apontada pela consultora é a dificuldade que alguns cirurgiões-dentistas têm de desligar colaboradores que não se enquadram mais no seu novo modelo de negócios e resistem a acatar as mudanças estabelecidas. “Muitas vezes, são secretárias que trabalham há muitos anos e, ao não acatarem as mudanças de procedimentos, acabam comprometendo toda a nova estratégia de atendimento”, observa.

O trabalho de secretariado, hoje em dia, vai além de apenas atender o telefone e agendar consultas, de acordo com Nísia. “A equipe deve participar ativamente das ações de captação de novos clientes e executar seu trabalho entendendo a importância de fidelizar os pacientes, oferecendo a eles uma experiência agradável, que gere conforto e confiabilidade”, finaliza.

Resultados na prática

A cirurgiã-dentista Cynthia Cardoso, de Manaus (AM), conheceu Nísia Teles em um curso de marketing em 2016. Em 2018, ela contratou a consultora para fazer o branding de sua clínica, incluindo o treinamento da equipe auxiliar. Cynthia conta que já havia tido algumas experiências anteriores nessa área, mas nunca de forma tão profunda e profissional. “O treinamento de equipe é algo que não deve parar nunca”, diz Cynthia. Ela afirma que sua equipe passa por treinamento periodicamente e encontra nisso uma forma de manter o time mais coeso e facilita o estabelecimento de uma cultura da empresa. “Todas as pessoas que vêm trabalhar na minha clínica entendem qual é a personalidade da empresa”, relata.

A cirurgiã-dentista diz que só entendeu a importância disso quando passou a estudar o papel do marketing na gestão dos negócios. Cynthia passou pelo treinamento juntamente com sua equipe, pois sabia dos desafios que todos precisam enfrentar no que diz respeito a vender serviços na área da saúde. “Muitas das minhas colaboradoras que participaram do primeiro treinamento continuam na clínica, e as que não permaneceram foi porque de alguma forma não se alinharam com a proposta, não se alinhavam mais com as novidades que estávamos trazendo para o time e foram saindo naturalmente, sem eu precisar fazer nenhum esforço para isso”, conta.

Cynthia diz que muitas pessoas opinam que esse tipo de treinamento tem um custo alto, mas ela reconhece que sai bem mais caro não o fazer, considerando que qualquer investimento em ações de marketing pode ser perdido se o atendimento ao cliente for falho.

A equipe de Cynthia é formada por sete pessoas, entre os auxiliares de atendimento. No entanto, ela também considera consultores e profissionais que dão suporte ao seu negócio em outras áreas como parte do time. Nos treinamentos de reciclagem, conta Cynthia, sempre há algum fator surpresa, o que não desmotiva o time, achando que vai rever os mesmos conceitos, até porque as dinâmicas de grupo são consideradas um diferencial. “Alguns treinamentos colocam as pessoas para dançar, literalmente, fazendo com que se levantem, exercitando o ato de saírem de suas zonas de conforto e encararem situações muitas vezes desafiadoras”, destaca.

Esses exercícios de descontração são também uma preparação para que o time se sinta à vontade e confiante para outros momentos em que, por exemplo, opine sobre aspectos positivos e negativos do dia a dia no trabalho. “Muitas vezes é doloroso, mas importante porque cada um vai se deparando com questões ou comportamentos que precisa mudar em si mesmo”, aponta Nísia, destacando um aspecto de crescimento pessoal provocado por esse tipo de dinâmica.

Cynthia Cardoso exerce a Odontologia há 27 anos e especializou-se inicialmente em Ortodontia. Em 2016, transformou seu negócio em uma clínica-escola, que se tornou uma escola de pós-graduação na área da saúde e agora está em fase de planejamento para expansão. “A Odontologia sempre passou por fases de maior ou menor ênfase de determinadas especialidades. Houve o boom da Ortodontia, depois da Estética, e agora da Harmonização Orofacial. Então, eu tenho que me manter sempre antenada ao que vai favorecer as futuras carreiras dos meus alunos”, diz.

Entretanto, Cynthia observa uma característica de grande parte dos seus alunos, que é a de apresentar maior interesse pelo aprendizado técnico da profissão do que pelas disciplinas de marketing, gestão ou finanças. “O mercado engole essas pessoas”. Segundo a cirurgiã-dentista, há uma crença limitante na cabeça dos profissionais de saúde de que é errado pensar no exercício da profissão também como um negócio, reconhecendo como legítima a preocupação em saber vender o serviço e se remunerar bem. Por isso, Cynthia reforça a importância do cirurgião-dentista se preparar e treinar sua equipe com esse propósito.