Salete Nahás: uma referência na história da Odontopediatria

Salete Nahás: uma referência na história da Odontopediatria

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Uma das mulheres pioneiras na Odontologia, Salete Nahás tem uma história de garra, disrupção, família e muito amor à profissão.

Um dos nomes mais relevantes da Odontopediatria brasileira, Salete Nahás escreveu a história da sua vida pessoal e profissional com delicadeza, firmeza, coragem, empenho, dedicação, foco e muito amor a tudo que faz. Aos 75 anos, a professora sênior da Universidade de São Paulo (USP) se reconhece e se orgulha da contribuição que tem prestado ao longo dos seus 54 anos de carreira, não apenas à sua especialidade, mas também ao público leigo, com estudos e publicações de sua autoria que mostram que os cuidados com a saúde bucal de uma criança começam no ventre da mãe.

Nascida na cidade de Barra Bonita, no interior de São Paulo, Maria Salete Nahás Pires é filha de um imigrante libanês e uma brasileira. Sexta filha de um total de oito, teve uma criação que valorizava os estudos e a educação. “Meu pai queria que todos os filhos fossem médicos”, lembra. No entanto, Salete decidiu fazer Odontologia porque, na época, o curso durava apenas quatro anos, enquanto o de Medicina seis anos. “Achava que teria que estudar menos, mas não parei de estudar até hoje”, diz, ratificando a entrega à vida acadêmica à qual se dedica até os dias atuais.

Depois de concluir o Ensino Médio, Salete Nahás passou no vestibular para Odontologia na cidade de Araraquara (SP), e já tinha em mente se especializar em Odontopediatria. “Lá eu vi que a realidade é muito diferente do que imaginamos. Eu chorava muito com os casos que surgiam para mim na graduação. Crianças com a boca totalmente estourada”, recorda.

Ela também tinha o sonho de se casar e ter filhos, mas queria priorizar os estudos. Formou-se em 1968 e, orientada por um dos irmãos, no ano seguinte foi para a USP, em São Paulo, para fazer estágio. Juntamente com mais de dez colegas, foi estagiária de Antônio Carlos Guedes Pinto, um professor bastante severo, mas que se dedicou incansavelmente a ensiná-las de manhã, à tarde e à noite.

Ao final do estágio, uma professora a orientou a fazer mestrado, curso que ainda não existia na USP, mas foi criado em seguida. Ela fez parte da primeira turma. “Na época, não escolhíamos o orientador, mas tive a sorte de ser orientada por um ótimo professor e, além da Odontopediatria, fui para as áreas de Farmacologia e Biologia. Eu me dediquei muito para minha tese. Não tirava férias e fui a primeira aluna a defender o mestrado em Odontologia na USP”, conta Salete, que teve como tema de sua tese a cromatologia de camada delgada voltada para materiais dentários e microbiologia. “Tive que estudar muito porque envolvia Farmacologia, que era a área que eu menos gostava, mas meu trabalho foi bastante elogiado”, recorda-se.

Salete Nahás pensava em voltar para Barra Bonita e montar seu consultório na cidade natal, perto dos pais. No entanto, antes de concluir o mestrado, foi convidada a ficar na clínica, dando aulas como professora voluntária. “Eu era muito tímida e, por orientação de uma tia, fui fazer terapia, o que não era comum naquela época, mas foi fundamental para mim”, conta, dizendo que chegou a sofrer preconceito de uma amiga que dizia que ela não era muito boa da cabeça.

Ao término do mestrado, Salete conheceu seu marido, Wladimir, professor de Educação Física. “Ele era de Botucatu e ia para Barra Bonita para dançar nos bailes. Ele também morava em São Paulo e não tinha mais intenção de voltar para o interior. Então, como eu estava apaixonada, resolvi ficar com ele. Nos casamos e começamos nossa vida com muita dificuldade”, declara.

Salete Nahás diz que aproveitou muito sua juventude. Gostava de dançar e sair em grupo para fazer serenatas. Teve dificuldades para se adaptar à cidade grande. Mas, ao mesmo tempo, queria vencer na vida e sabia que precisava dar esse passo.

O pai dela, que era comerciante e dono do cinema de Barra Bonita, tinha um apartamento em São Paulo, onde ela e o marido viveram nos primeiros três anos de casamento, até conseguirem economizar algum dinheiro para dar entrada em um apartamento, financiado em 15 anos. “Tínhamos uma cama, fogão e geladeira. Na sala, uma mesinha com a televisão e um colchão no chão”, relembra.

Ainda trabalhando como voluntária da USP, ela prestou um exame e foi aprovada para fazer parte do corpo odontológico do Sesc (Serviço Social do Comércio), onde ficou por um ano. Depois, passou em um concurso da Prefeitura de São Paulo, local onde trabalhou por três anos em uma escola no bairro da Vila Maria, zona norte da cidade.

Em 1974, Salete montou seu primeiro consultório, em uma pequena sala de 18m² no Itaim, bairro nobre da cidade. Seus primeiros clientes chegaram por indicação de seus professores da USP. “Quando fui alugar a sala, o proprietário me disse que iria vendê-la para mim, mas eu não tinha condições de comprar. Então, ele me encorajou a fazer um financiamento”, conta, dizendo que usou suas economias do salário da Prefeitura para dar a entrada e pegou um empréstimo com o pai e o irmão.

No início, não havia disponibilidade de linhas telefônicas para a região de seu consultório, e ela usava o telefone de seus professores, que tinham consultório ao lado, para a marcação de consultas. Na década de 1970, as linhas telefônicas eram um patrimônio e, eventualmente, a companhia telefônica disponibilizava números para venda, provocando filas enormes de interessados. Depois de tentar adquirir uma linha, sem sucesso, um rapaz apareceu em seu consultório oferecendo duas senhas de linhas telefônicas para compra. “No começo fiquei meio desconfiada, mas comprei. Deus sempre foi muito ‘gente boa’ comigo”, reconhece.

A clientela foi aumentando e, após dez anos, Salete Nahás se viu obrigada a se mudar para um espaço maior. Financiou outro imóvel no mesmo bairro e se mudou para o local onde tem sua clínica até hoje.

No início do casamento, ela viu seu sonho de maternidade ser adiado por um mioma no útero. Não conseguia engravidar e, mesmo com receio, submeteu-se a uma cirurgia para retirada do mioma. Teve três filhos, sendo duas mulheres e um homem, e dois deles seguiram a carreira da mãe e trabalham com ela em sua clínica. A filha mais velha formou-se em comércio exterior, casou-se e mora em Chicago, nos Estados Unidos.

Salete Nahás

Católica praticante, Salete nunca deixa de agradecer a Deus e a seus santos de devoção por cada vitória alcançada. Foram muitas, mas também houve grandes desafios. Para manter sua carreira acadêmica, enfrentou barreiras e boicotes, principalmente por ser, durante muito tempo, a única mulher em um universo dominado por homens. Sempre teve o reconhecimento e o carinho de seus alunos, mas passou por muitos obstáculos vindos de seus próprios pares. Apesar de sua personalidade dócil e amável, não se deixou abater e enfrentou cada uma das pedras em seu caminho com coragem e determinação.

Salete Nahás fez doutorado, livre docência, participou de todas as bancas de defesas de tese dos alunos, mas raramente era indicada pela direção como orientadora. Depois de sete anos trabalhando como professora voluntária, foi contratada pela USP, onde permanece até hoje como professora sênior. Por volta do ano 2000, foi convidada a dar aulas na Universidade Cruzeiro do Sul (Unicsul), onde ficou por oito anos, lecionando para a graduação, mestrado e doutorado.

A rotina profissional, dividida entre consultório, meio acadêmico e voluntariado, ainda acumulava os afazeres como mãe e esposa. Para auxiliá-la, Salete contou com três funcionárias, entre babá, secretária da casa e faxineira, que a acompanharam por quase 30 anos.

Em seu currículo, a especialista acumulou a autoria de diversos livros próprios e outros em parceria com colegas. Até hoje estuda e pesquisa sobre a relação da Psicologia e a Odontopediatria. Entre os títulos de sua autoria estão: “Odontopediatria na Primeira Infância”; “Sucessos no Atendimento Odontopediátrico – Aspectos Psicológicos”; “Conduta Clínica e Psicológica” e “A Saúde Bucal, da Gestante ao Adolescente”.

Os primeiros pacientes que atendeu em seu consultório hoje levam seus filhos e netos para serem tratados por ela. A segunda filha, também odontopediatra, e o filho mais novo, especializado em Reabilitação Estética, trabalham com ela. A esse time familiar ainda se somaram duas sobrinhas (uma periodontista e outra endodontista), além de um amigo, implantodontista, que foi até sua clínica para atender a um paciente dela e acabou ficando. “Tornou-se uma clínica familiar”, define. O marido, hoje aposentado, colabora nas questões administrativas.

Salete Nahás nunca deixou de se manter atualizada com as novas técnicas e protocolos da profissão. Durante sua carreira, a especialista foi e ainda é convidada para ministrar aulas e palestras em todo o Brasil e em diversas partes do mundo, principalmente em países da América Latina e da Europa.

Ela diz que tem diminuído o ritmo. Atende no consultório duas vezes por semana e deixa os outros dias para preparar as aulas que ministra na USP. “De quinta-feira em diante, eu deixo a agenda livre para viajar e passear com meu marido”, diz.

“Continuo fazendo Odontopediatria e amo minha profissão. Me realizei dando aulas. Gosto de estudar e aprender. Recentemente, fiz um curso de Psicologia da vida intrauterina, que recomendo a todos. Tive muitas dificuldades na minha vida acadêmica, mas muitas alegrias também. Tenho uma família abençoada e sinto que cumpri minha missão, deixando um legado para a Odontopediatria”, finaliza.

A opinião de quem a cerca

“A Dra. Salete é um anjo em nossas vidas. Cuida com muito carinho e responsabilidade profissional do meu filho Renan.” (Rosa Maria, mãe do paciente Renan Lorenzi)

“Só tenho que agradecer por tudo. Sua paixão, entrega e dedicação pela Odontologia são admiráveis. Te amo muito.” (José Paulo, filho)

“Eternamente agradecida a Deus por ser filha dela. Minha fonte de inspiração como ser humano e profissional. Exemplo de vida e de amor. Admiração e orgulho sem fim.” (Fernanda, filha)

“Minha amada esposa e companheira, mãe maravilhosa e profissional exemplar. Se dedicou de corpo e alma à sua carreira deixando um legado de grande valor para a Odontopediatria.” (Wladimir, marido)

“Sempre é difícil expressar a admiração e o amor que tenho por você. Nos ensinou a fazer tudo com muito amor, carinho e sempre dar o melhor de nós. Nos ensinou a viver com valores, respeitando ao próximo, com integridade e honestidade. Uma pessoa que exerce sua profissão com paixão e contagia a todos, mesmo os que não são da área. Enche o nosso coração de orgulho. Almejo todos os dias ser a mãe que a senhora é para as minhas filhas. Deus te abençoe sempre e obrigada por tudo.” (Fabiana, filha)