O pioneirismo de Paulo Mazitelli, um TPD que acompanhou e contribuiu para a evolução da especialidade no Brasil.
Ele tinha apenas 14 anos quando começou a trabalhar como assistente em um laboratório de prótese dentária, em Ribeirão Preto (SP). Ali, aprendeu o ofício que desenvolve até hoje, aos 76 anos de idade, prestando serviço para o mesmo lugar há quase sete décadas, mas agora morando em São Paulo. Em todos esses anos, Paulo Mazitelli vivenciou as transformações e evolução da Odontologia, viu sua profissão ser regulamentada e, de aprendiz, tornouse professor e palestrante. Nas mãos, traz talento e habilidade; na mente, preserva agilidade e transborda conhecimento. No mercado, mantém-se como um dos mais experientes técnicos em prótese dentária (TPD) do País e continua escrevendo um legado de arte e funcionalidade.
Quando Paulo Mazitelli nasceu, em 1947, o mundo havia acabado de passar pela Segunda Grande Guerra (1939-1945). E em Ribeirão Preto, cidade localizada no noroeste do estado de São Paulo, jovens se reuniam na Praça XV de Novembro, no centro, para declamar poesias e debater literatura e temas da atualidade. Assim, dava-se origem à Academia Ribeirãopretana de Letras (ARL). Entre arte, cultura e agricultura, a cidade já dava sinais do progresso que a consolidou como uma das regiões mais ricas do estado e do Brasil. “Aos 14 anos, fui trabalhar no laboratório do João Vilela, onde estou até hoje. Recebi diversas propostas de outros lugares, mas minha dedicação e gratidão a ele nunca me permitiram sair. Para mim, ele foi um pai, um irmão que me acolheu e me ensinou tudo”, diz Mazitelli, contando que chegou a morar na casa e conviver com a família de seu chefe e grande amigo, que ele descreve como um homem sempre à frente do seu tempo.
O TPD conta que o amigo fez importantes investimentos para o desenvolvimento da atividade. “Em 1957, João Vilela foi sozinho para a Alemanha, onde adquiriu todos os equipamentos e produtos para fazer metalocerâmica, que não existia aqui. Havia um profissional em São Paulo que fazia apenas coroas de cerâmica. Quando comecei a trabalhar com ele, em 1961, essa estrutura já estava instalada”, relembra. Mazitelli diz que herdou do pai a habilidade manual, e considera que graças a isso teve facilidade em aprender o ofício de protético. “O próprio João Vilela não gostava muito de montar platinas em troquéis para fazer jaquetas, e eu tinha muita habilidade para isso. Assim, fui aprendendo. Comecei a esculpir cerâmica e depois os dentes, e João fazia o acabamento no motor”, descreve.
Em 1964, João Vilela decidiu se mudar para São Paulo e montou o laboratório no bairro Higienópolis, onde Paulo Mazitelli trabalha até hoje. “Naquela época, aconteceu a crise do ouro. O metal disponível era mole e não dava liga. Mas João procurou o joalheiro José Buratto, dono da empresa Negro Gato, que vende materiais para protéticos, e com ele conseguiu o tipo de ouro que dava a liga ideal. Então, João não precisava mais comprar o ouro na Alemanha”, conta. Nos anos 1980, o ouro se tornou um metal ainda mais caro, e João Vilela viajou para os Estados Unidos para buscar outro tipo de material como alternativa para fazer a liga dos metais. “Foi quando ele encontrou a liga de níquel-cromo, que usamos até hoje para fazer as metalocerâmicas”, aponta, explicando que era mais difícil trabalhar com essa liga, e isso exigiu que eles desenvolvessem técnicas de manipulação desse material.
Com mais esse aprendizado, Mazitelli e Vilela passaram a dar cursos para outros protéticos de forma gratuita, apenas com o intuito de fomentar o desenvolvimento da atividade. “Passamos a viajar por todo o País dando cursos, mas não recebíamos nada por isso. Tínhamos as despesas de viagens pagas. Era diferente de hoje em dia, em que muitos profissionais vivem apenas de dar curso. E está certo, o conhecimento tem seu preço”, pondera.
Mazitelli também chegou a dar cursos de prótese para cirurgiões-dentistas em Bauru (SP). De acordo com ele, a interação entre os profissionais da Odontologia traz ganhos relevantes para o resultado final e a satisfação do paciente. “Mesmo que não sejam os cirurgiõesdentistas que preparem as próteses, é importante que eles conheçam os processos para saberem o que exigir dos protéticos e como moldar da melhor forma para evitar erros”, opina.
Quando chegou em São Paulo, o TPD começou a participar de reuniões no Sindicato dos Protéticos, e cita o nome de diversos colegas veteranos que lutaram pelo reconhecimento da profissão, como Nicolau Cury, Waldir Romão, Dilson Madaleno, Durval Januzi e Thomaz Gomes, entre outros, todos já falecidos. “Só sobrou eu”, comenta entre risos, revelando sua personalidade bemhumorada.
Graças à gestão desses pioneiros, em 1972 Mazitelli conquistou seu diploma de técnico em Prótese Dentária (TPD), que exibe orgulhoso mostrando o documento emoldurado na parede do laboratório. “Não havia um curso específico ainda. Fazíamos a inscrição na Divisão de Exercício Profissional do Conselho Regional de Odontologia, esperávamos um ano e depois fazíamos exames prático, oral e escrito. Essa avaliação era encaminhada para o Conselho Federal de Odontologia e, depois de mais um ano, recebíamos o diploma”, relembra.
Ele conta que João Vilela chegou a se mudar para Brasília (DF), onde montou outro laboratório de prótese, depois voltou para Ribeirão Preto e novamente São Paulo, mas Paulo Mazitelli permaneceu no laboratório da capital paulista, trabalhando com Maurício Vilela, filho de João. Atualmente, o laboratório é administrado apenas por Paulo Mazitelli. João Vilela faleceu em 2003.
Analógico x digital
Nesta jornada profissional, Mazitelli viu o desenvolvimento da Prótese Dentária em várias etapas, até chegar à mais recente, com a digitalização dos processos e a implementação do fluxo digital na rotina dos profissionais da Odontologia. Aos poucos, novos recursos tecnológicos passaram a fazer parte da clínica diária, inclusive com recursos da inteligência artificial. No entanto, o TPD diz que não fez a migração para a Odontologia Digital e continua atendendo a cirurgiões-dentistas com os processos analógicos. “O custo do investimento para um laboratório de prótese digital ainda é muito alto, assim como para as clínicas e consultórios odontológicos. Trabalhar com os métodos artesanais me permite atender cirurgiões-dentistas e, consequentemente, seus pacientes por um valor mais acessível”, afirma. Mas ele diz que, em alguns casos, envia moldes para serem realizados em laboratórios digitais e, depois, faz a finalização artesanalmente.
Aos 76 anos, sendo mais de 60 deles dedicados à Prótese Dentária, Paulo Mazitelli continua exercendo seu ofício com a mesma disposição e paixão de sempre pela profissão. “Quem vier aqui vai encontrar um serviço bem feito”, conclui o TPD.