Odontologia brasileira como protagonista no exterior

Odontologia brasileira como protagonista no exterior

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Como aconteceu a virada de chave que fez os cirurgiões-dentistas brasileiros se tornarem referências no aspecto clínico e na produção científica, além da exportação de cursos de formação.

Por Leandro Duarte

O Brasil brilha como nunca antes na Odontologia mundial. O número de cirurgiões-dentistas brasileiros clinicando nos Estados Unidos, Canadá, nas principais nações europeias e até no Japão cresce com frequência. Mas esse destaque não fica restrito apenas ao aspecto clínico. Os pesquisadores brasileiros são cada vez mais requisitados pelas instituições de ensino superior nas principais potências econômicas mundo afora. Mas, diante deste cenário promissor, existe uma questão complexa: a partir de quando e como o Brasil se torna uma referência global odontológica?

Na visão de Marcelo Giannini, professor titular do Departamento de Odontologia Restauradora da Unicamp, na área de Dentística, essa realidade mudou, principalmente, por causa da regulamentação dos programas de pós-graduação em todo o Brasil. “Foi quando a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) – órgão do Ministério da Educação – começou a dar nota para os programas de pós-graduação, de 1 a 7. Sendo assim, o tamanho da verba para bolsas, pesquisas e viagens para apresentar trabalhos está vinculada às notas. Quanto mais artigos publicados, participação e patentes, mais o score aumenta. Vale o peso da produção científica do ponto de vista qualitativo e quantitativo, revistas de alto nível, patentes e citações dos trabalhos científicos”, explica.

Segundo Giannini, essa nova realidade pode ser medida pelo aumento de cirurgiões-dentistas brasileiros participando dos principais congressos internacionais. “No primeiro congresso em que eu ministrei palestra, o IADR (International Association for Dental Research), em 1999 no Canadá, havia poucos brasileiros. De três mil pesquisadores, não havia mais do que 30 profissionais do nosso país. Eu vi a coisa explodir de 2005 a 2010, quando a presença de cirurgiões-dentistas brasileiros aumentou substancialmente”, revela o professor, que atua como docente na Unicamp desde 1995 e na pósgraduação desde 2000.

Giannini reforça que o Brasil figura tanto na parte clínica como na científica com muita força. “Os nossos clínicos não devem nada aos europeus, estadunidenses, canadenses e japoneses. Nos dois maiores congressos que eu participo, o Brasil tem quase sempre a segunda maior delegação – nunca passando da quarta. A nossa representação é muito forte em materiais dentários e Dentística. Isso é reflexo do dinheiro investido pelo governo federal em pesquisa, independentemente de quem esteve na presidência nos últimos anos. Quem está a fim de trabalhar, consegue recurso para desenvolver projeto e para apresentar trabalhos no exterior”, reconhece.

Sobre a validação do diploma, Giannini afirma que este não é problema quando se trabalha dentro de uma universidade nas duas principais nações da América do Norte. “Nos Estados Unidos e no Canadá, o professor brasileiro tem seu certificado aceito pelas instituições de nível superior, e elas fazem a responsabilização civil. Mas, em âmbito de consultório, o cirurgião-dentista precisa prestar provas específicas e fazer o terceiro e quarto ano (da formação) para conseguir a licença para atender”, explica Giannini, que também é ex-presidente da Academia Mundial de Adesivos.

O diferencial da formação brasileira em comparação ao hemisfério norte

Na mesma toada, o professor Marcelo Henrique Napimoga, diretor-executivo de pós-graduação e pesquisa da Faculdade São Leopoldo Mandic, reforça que a Odontologia nacional alcançou os mais elevados patamares de qualidade porque o cirurgião-dentista brasileiro não para de estudar ao longo da sua carreira. “É muito comum vermos cirurgiões-dentistas com três ou quatro especializações, mestrado, doutorado e outros cursos. Portanto, esse profissional passa sua vida estudando porque a Odontologia, assim como outras áreas, vem evoluindo e se modificando em técnicas, tecnologias e informações muito rapidamente. O cirurgião-dentista precisa estar sempre atento a essas mudanças para trazer o que há de mais novo em material ou em técnica”, aponta Napimoga, que destaca também o fato de que, em conformidade com o volume de publicações científicas no planeta, a Odontologia do Brasil está em segundo lugar, atrás apenas dos Estados Unidos.

A qualidade da formação em nível nacional, se comparada a de outros países, também explica o nosso sucesso, segundo o diretor da São Leopoldo Mandic, com vasta experiência no exterior – doutorado no Instituto Forsyth, em Harvard, e atuação por um ano em Boston. “A formação do cirurgião-dentista é muito completa no Brasil, e a capacitação do nosso pesquisador em Odontologia mostra-se muito boa.

Por outro lado, seja na Europa ou nos Estados Unidos, por exemplo, o cirurgião-dentista que lá se forma precisa pagar essas faculdades, o que custa muito caro. Portanto, quando eles terminam a graduação, ficam devendo um grande valor e, muitas vezes, fazem empréstimos. Então, precisam começar a trabalhar para sustentar sua família e pagar essas dívidas. Além disso, o número de universidades na Europa e nos Estados Unidos é muito menor do que no Brasil, o que torna o mercado de trabalho muito vasto para poucos profissionais e muita demanda. Dessa maneira, profissionais como os brasileiros, que têm uma boa formação odontológica e acadêmica, acabam se encaixando muito bem nessa posição”, aponta Marcelo Henrique Napimoga.

Países ricos colhem os louros plantados no Brasil

Se por um lado há muito o que comemorar com o reconhecimento da Odontologia brasileira entre as melhores do mundo, por outro, muitos profissionais que se formam com destaque se veem obrigados a ir embora do País por falta de oportunidades para dar sequência à formação e às pesquisas aqui. “Eu formei dois doutorandos que o mercado brasileiro não conseguiu segurar, e eles estão dando aula nos Estados Unidos. Eu acredito que, em qualquer universidade americana de Odontologia, vai ter pelo menos um professor brasileiro. Há muitos docentes também na Europa e Japão. Nós formamos cientistas que o mercado nacional não consegue absorver. E esses países pegam nossos alunos de graça, quando não gastaram R$ 1 na formação desses pesquisadores. Levam de graça profissionais formados e muito bem capacitados”, lamenta Giannini.

O professor vê a pós-graduação em Odontologia “um tanto quanto inchada” no Brasil, o que também aumenta o êxodo de talentos. “Não tem como encaixar todo mundo. E nos EUA, os recém-formados de lá não querem trabalhar nas universidades, pois vão ganhar menos. Eles querem ir para o consultório ficar milionários. O americano, em geral, não se interessa pela docência, o que abre caminho para os brasileiros. O mesmo vale para o Canadá”, explica o docente da Unicamp que compara a realidade brasileira. “Nós passamos muitas dificuldades na universidade pública. Muitos se frustram e vão embora”, revela.

Apesar dos problemas, o saldo é positivo e vale um agradecimento especial, segundo Marcelo Giannini. “Meu crescimento profissional e a formação de alunos acontecem muito em função do apoio das agências de fomento, como a Fapesp, Faperj, Fapergs, entre outras, assim como o CNPQ e a própria Capes, em nível federal”, elenca.

São Leopoldo Mandic conta com filial em Portugal

Com nove unidades espalhadas pelo Brasil, a Faculdade São Leopoldo Mandic percebeu que a excelência e a qualidade exigidas na formação dos profissionais nas diferentes especialidades começaram a ultrapassar as nossas fronteiras. Segundo Marcelo Henrique Napimoga, o lançamento de um campus em Portugal, realizado em 2023, é um caminho estratégico para exportar a qualidade encontrada nas instituições brasileiras. “Há alguns anos, temos recebido muitos angolanos e latino-americanos que vieram para a São Leopoldo Mandic fazer sua formação continuada. Sabemos que a Europa é um continente que ainda pode evoluir em questões de qualidade da formação continuada dos cirurgiões-dentistas e entendemos que fazia todo sentido abrirmos uma unidade em Portugal, nosso país irmão e que fala a mesma língua. Assim, podemos levar todo conhecimento e qualidade da Odontologia Brasileira para atender o público europeu”, finaliza Napimoga, com orgulho.