O que o cirurgião-dentista deve fazer quando percebe que um tratamento realizado por outro profissional causou danos graves ou até irreversíveis.
O Código de Ética Odontológica surgiu em 1971, por meio da instituição dos Conselhos Federais e Regionais da categoria (CFO e CRO). A promulgação ocorreu pela Lei no 4.324/64 e resultou na reunião de um conjunto de diretrizes que orientavam a conduta profissional do cirurgião-dentista. O documento, que foi editado em 2012, fiscaliza as atividades nos 26 estados e no Distrito Federal.
São diversas as situações que podem levar um cirurgião-dentista a ser autuado ou punido com base no código de ética. O procurador-geral do CFO, Markceller Bressan, explica que os processos se originam nos Conselhos Regionais, e o CFO atua apenas como instância recursal. “Somente quando há uma denúncia ética contra algum membro do plenário, seja ele regional ou federal, é que o CFO atua como instância originária de um processo”, orienta Bressan.
Em uma situação hipotética em que um cirurgião-dentista percebe que um paciente passou por um procedimento indevido, realizado por outro colega, podendo causar sequelas irreversíveis ou por longo tempo, por exemplo, Bressan indica que esse profissional pode fazer uma denúncia a seu Conselho Regional, mas alerta que isso vai depender de diversos fatores.
“A condução de determinado tratamento de um profissional A para um B tem regras gerais, mas vai depender muito do paciente também. Se ele fez o tratamento como recomendado, se atendeu as expectativas do cirurgião-dentista em relação aos cuidados pós-procedimento. É necessário ter uma série de provas, o que dificulta muito um processo formal nesses casos”, pondera Bressan, afirmando que são pouquíssimos os casos que se enquadram nesse cenário entre os processos de ética.
O conselheiro-diretor do Conselho Federal de Odontologia, Luiz Evaristo Volpato, reforça a linha ética do atendimento do especialista. “Em princípio, uma vez consultado pelo paciente a respeito de um tratamento odontológico realizado por outro profissional, não constituirá infração ética a segunda opinião do cirurgião-dentista, desde que não haja crítica a um suposto erro técnico-científico do colega, bem como às técnicas utilizadas pelo outro profissional como sendo inadequadas ou ultrapassadas”, pontua.
Luiz Evaristo Volpato ressalta que o Código de Ética Odontológica só permite a crítica por intermédio de uma representação aos Conselhos Regionais de Odontologia, oportunidade em que o profissional questionado acerca do tratamento dispensado poderá apresentar a sua defesa, resguardando-se o sigilo, a privacidade e o direito ao contraditório e à ampla defesa.
Markceller Bressan alerta que esses casos, se ocorrerem, precisam ser minuciosamente analisados, dirimindo qualquer possibilidade de ação motivada por indisposição pessoal ou por concorrência. No entanto, ressalta que essa situação é praticamente inexistente no âmbito legal de uma ação formalizada.
“No caso de denúncia do paciente contra o cirurgiãodentista para um Conselho Regional, a ação estará submetida ao Código de Ética em se tratando de exercício ilegal, falta de atualização cadastral e veiculação de publicidade ilegal ou irregular, entre outras infrações éticas de elevada repercussão social”, esclarece Luiz Evaristo Volpato, explicando que a denúncia deverá ser formalizada por e-mail junto ao setor de fiscalização dos Conselhos Regionais.
“Em caso de denúncia anônima, o denunciante não terá acesso ao processo. Ato contínuo, a fiscalização realizará as diligências necessárias, notificará o inscrito e fará o devido e regular encaminhamento do expediente de fiscalização para a Comissão de Ética para a adoção das medidas pertinentes para a apuração do caso e posterior encaminhamento ao Plenário do Conselho Regional para julgamento. Por fim, em se tratando de denúncia por tratamento odontológico, problemas no relacionamento entre profissionais da Odontologia ou entidades odontológicas e infrações éticas relativas ao relacionamento entre cirurgiões-dentistas e operadoras de planos odontológicos, como glosas imotivadas, o denunciante deverá protocolar a sua denúncia perante a Comissão de Ética”, completa.
Segundo Markceller Bressan, quando os processos se originam por denúncia, o Conselho Regional envia uma equipe de fiscalização até o consultório ou clínica para apurar a situação. Uma vez instaurado o processo, todas as partes são ouvidas, é feito o escaneamento e a instrução do processo, e o julgamento é realizado pelo plenário regional. “Se uma das partes, seja denunciante ou denunciado, contestar o resultado, tem direito a recurso no Conselho Federal. Entramos apenas como segunda instância”, indica Bressan.
Denúncias que extrapolam a competência dos Conselhos Regionais e do próprio CFO, fugindo ao que tange à prática profissional, devem ser resolvidos na Justiça comum, como casos de assédio moral, sexual ou qualquer outra situação que fuja ao previsto no Código de Ética Odontológico. “Via de regra, o Conselho pode ser consultado a respeito da conduta daquele profissional, se responde a algum processo ético, se já teve alguma alteração na sua trajetória profissional. Essas consultas vêm via ofício para nós e respondemos assegurando o sigilo”, diz Bressan.
Ele acrescenta ainda que todos os processos éticos são sigilosos, e o sigilo atende a todas as partes que manuseiem o processo. Desde o procurador geral até a pessoa que protocola a ação, tanto nos Conselhos Regionais como no CFO.
Ele orienta que qualquer pessoa, seja profissional da Odontologia ou cidadão comum, pode entrar em contato com os Conselhos Regionais para se informar se determinado cirurgião-dentista está regularmente inscrito e se tem alguma causa que lhe impeça de exercer a profissão.
Markceller Bressan e Luiz Evaristo Volpato também afirmam que, de maneira geral, os casos que têm sido mais recorrentes na classe odontológica, ferindo cláusulas do Código de Ética, são os que envolvem publicidade ilegal ou irregular, atuação fora do âmbito da Odontologia (exercício ilegal) e tratamento odontológico com violação ao dever de informar (informações deficitárias ao paciente, como deixar de esclarecer os riscos, as alternativas, os custos e os propósitos do tratamento).