Dentistas brasileiros já ministraram cursos em mais de 30 países

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Odontologia tipo exportação: contamos a trajetória internacional de três especialistas brasileiros que já rodaram o mundo para compartilhar conhecimento.

Eles são internacionalmente reconhecidos e aplaudidos em todos os lugares do mundo por onde passam para apresentar seus trabalhos, seja em congressos, universidades ou diversos formatos de palestras e aulas. Escolheram a pesquisa e atuação clínica como norte de suas carreiras, e hoje seus nomes e estudos estão entre os mais citados nas referências bibliográficas de milhares de teses de mestrado e doutorado em vários idiomas.

Aqui, os periodontistas e implantodontistas José Carlos da Rosa, Jamil Shibli e Maurício Araújo contam como têm sido suas trajetórias profissionais e como chegaram aos mais altos patamares da Odontologia mundial, podendo viver a experiência de estar no palco e ver, na plateia, aprendendo e debatendo, especialistas que foram suas referências quando eles iniciaram suas carreiras.

José Carlos da Rosa

Gaúcho de Caxias do Sul, José Carlos da Rosa fez sua graduação em Odontologia na cidade de Santa Maria (RS), especializou-se e fez o mestrado em Prótese Dentária na São Leopoldo Mandic, em Campinas (SP), a especialização em Periodontia em Bauru (SP) e o doutorado em Periodontia também na São Leopoldo Mandic.

José Carlos da Rosa conta que o grande impulso para seu reconhecimento internacional foi o desenvolvimento, há mais de 20 anos, de uma técnica que não existia na literatura científica da época. Foi ele quem criou o conceito de restauração dentoalveolar imediata (RDI), hoje difundido mundialmente. Já no início, Rosa estabeleceu os protocolos desta técnica que, como ele destaca, ia na contramão da história da Implantodontia até aquele momento.

“A RDI é a técnica mais simples, mais previsível, mais rápida e de maior efetividade para o tratamento de alvéolos pós-extração. Até então, a literatura dizia que o tempo de tratamento para esses casos era de cerca de um ano, submetendo o paciente a três ou quatro procedimentos cirúrgicos. Nossa metodologia permite a extração do dente, a instalação do implante, a confecção imediata de uma coroa provisória e a reconstrução óssea, independentemente da quantidade de osso que o paciente tenha perdido ao redor do dente comprometido, mesmo que tenha sido de todas as paredes do alvéolo”, explica Rosa.

O desenvolvimento da técnica se apresentou como uma novidade relevante que, segundo ele, se materializou por volta de 2010, quando ele escreveu o livro “Restauração dentoalveolar imediata – implantes com carga imediata em alvéolos comprometidos”, da Editora Santos, em parceria com os cirurgiões-dentistas Ariádene Cristina Pértile de Oliveira Rosa, Carla Mônica Zardo, Darcymar Martins da Rosa, Dario Adolfi, Luigi Canullo, Luís Antônio Violin Dias Pereira e Marcos Alexandre Fadanelli. Além da língua portuguesa, o livro original foi publicado em inglês, espanhol e mandarim, com todas as edições esgotadas. Uma versão atualizada já está publicada em português pela editora Napoleão Quintessence e será lançada em inglês até o final de 2023, certamente com edições em outros idiomas.

A publicação contém o desenvolvimento dos protocolos, ensinando todas as possibilidades de tratamento para cada situação clínica possível, embasados em referências científicas. “Esses protocolos funcionaram como uma receita de bolo. O profissional se depara com a situação, abre o livro e encontra estudos de caso semelhantes ao que precisa tratar naquele momento”, afirma.

A descoberta tomou uma grande dimensão, uma vez que foi um importante marco na história da Implantodontia por sua característica inovadora. “Eu já falava sobre o tema em eventos científicos antes da publicação do livro e, desde então, minhas apresentações a cada ano traziam as novidades e aperfeiçoamentos que íamos desenvolvendo”, relata. As primeiras apresentações desse trabalho começaram no Brasil, com palestras ministradas no IN, evento com foco na Reabilitação Oral com Implantes, promovido pela VMCom, e a novidade não demorou a se espalhar por outros países. “Comecei pelo Brasil, percorri a América do Sul e América Central. Quando me apresentei nos Estados Unidos, a disseminação da técnica cresceu vertiginosamente de forma global”, diz Rosa.

Além de teses de mestrado e doutorado que citam as pesquisas, que ele assina com sua esposa, Ariádene Rosa, há mais de 30 artigos publicados na literatura nacional e internacional de grande impacto, o que também favoreceu seu reconhecimento mundial.

Fora do Brasil, a técnica é conhecida como IDR, da sigla em inglês para “immediate dentoalveolar restoration”. Até agora, foram aulas ministradas para mais de 100 mil participantes presenciais em 53 países, muitos para os quais voltou inúmeras vezes, como é o caso dos Estados Unidos, para onde ele viaja de quatro a cinco vezes por ano. Naquele país, José Carlos da Rosa ministrou aulas em importantes universidades, como Harvard, Ucla, NYU, Loma Linda, USC, Columbia, Rochester, Western e Michigan University. Nessas universidades, o gaúcho conta que realizou o que chama de “IDR Experience”, um curso de dois dias para treinamento dos residentes dos centros universitários com teoria e hands-on, com ensinamentos básicos sobre a técnica, mas que já capacitam os residentes a resolverem muitas situações clínicas de alvéolos comprometidos pós-extração. Além desse formato, ele apresenta palestras de uma a duas horas em congressos, ou cursos de um dia. Ele também destaca o IDR Experts, um curso completo de quatro dias em que os cirurgiões-dentistas são treinados com teoria, hands-on e cirurgia demonstrativa para aplicar a técnica em qualquer situação.

Rosa afirma que os congressos acadêmicos nos Estados Unidos são de grande relevância científica, e que qualquer profissional que faça parte da academia americana, independentemente de sua importância no cenário internacional, participa dos congressos, mesmo que não seja palestrante. “Nesses eventos, eu encontro todos os professores que eu estudei no início da minha carreira. E é incrível vê-los sentados na primeira fila, assistindo minhas aulas ou participando comigo dos debates. Já tive a oportunidade de debater com mais de 90% dos profissionais cujas publicações eu estudei em palcos de diferentes cenários, e isso é sempre muito interessante”, confessa Rosa.

Em tantas viagens ao longo de mais de 20 anos, Rosa coleciona situações inusitadas. “Muitas das histórias aconteceram em aeroportos, desde voos cancelados a extravios de bagagem, me obrigando a comprar roupa duas horas antes de me apresentar em algum evento. Mas, o que mais me impacta é a recepção dos colegas em todos os lugares e a possibilidade de participar de debates com pesquisadores que sempre foram uma referência para mim”, relata. O gaúcho ressalta sentir orgulho em ouvir fora do País, repetidamente, que a Odontologia brasileira é a melhor do mundo.

José Carlos da Rosa diz que aprendeu a otimizar seu tempo para atender aos convites internacionais, e procura organizar sua agenda de forma a passar por três ou quatro países de um mesmo continente, como nas idas à Europa. Para isso, ele conta com a ajuda de Ariádene Rosa que, além de sua esposa e colega de profissão, também é sua sócia.

Hoje, ele diz que não consegue atender a todos os convites que recebe para palestrar ou dar aulas ao redor do mundo. No Brasil, ele tem a clínica Rosa Odontologia em sua cidade, Caxias do Sul (RS), que também abriga a Rosa Educação, Centro de Treinamentos que criou para ministrar seus cursos, recebendo profissionais do mundo todo. Ele também continua atendendo pacientes e realizando cirurgias. “Isso é o que me move. Meu principal objetivo ao ensinar cirurgiões-dentistas que podem ensinar outros colegas é que essa técnica chegue até o maior número de pacientes possível. Enquanto eu tiver energia, não vou parar”, declara.

Jamil Shibli

O cirurgião-dentista brasileiro, de origem árabe, nasceu em Pirassununga (SP), graduou-se em Araraquara (SP), em 1996, e começou a galgar sua carreira acadêmica na pós-graduação em Periodontia, tanto no lato como no stricto sensu. Em 2000, Jamil Shibli iniciou o doutorado no Brasil, continuando o curso em 2002 nos Estados Unidos, na State University of New York at Buffalo, onde diz ter começado a entender o modus operandi da pesquisa em Odontologia fora do Brasil.

Seus orientadores eram editores do Journal Periodontology, importante periódico científico da área. Shibli foi para os Estados Unidos com bolsa da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento Pessoal de Nível Superior), vinculado ao Ministério da Educação, de U$ 1.100,00. “Era como se eu ganhasse R$ 1.100,00 no Brasil, mas não me importei com isso. Eu queria estar lá para estudar e fui muito focado”, diz.

Jamil Shibli conta que sua viagem aconteceu logo após o atentado às Torres Gêmeas, em 11 de setembro de 2001, e temia que pudesse enfrentar dificuldades por ter descendência árabe. “Não tive grandes barreiras por não falar inglês fluentemente, e nem por minha etnia. Mas, fui parado em todos os aeroportos e era revistado quase nu”, afirma, compreendendo ser um procedimento justificável depois da tragédia pela qual o país acabara de passar. “Costumo brincar, dizendo: quer saber como funciona o racismo? Pergunte-me como. Mas, não guardo nenhum ranço dessa situação. Isso também me ajudou a me tornar a pessoa que sou hoje”, declara.

Na universidade, ele contou com muito apoio de seus orientadores, que o apresentaram a outros pesquisadores e abriram espaço para que Shibli desse seu parecer em artigos da revista científica. “Na minha volta ao Brasil, fui contratado pela Universidade de Guarulhos, que na época tinha pouca expressão na pós-graduação”, diz. Ele foi contratado pela Professora Magda Feres, que hoje ocupa um cargo de coordenadoria no programa de Periodontia da Universidade de Harvard e foi entrevistada pela Sorrisos Brasileiros na edição 7. “A Universidade Guarulhos e a Magda me deixaram voar, e me orgulho de ter ajudado a quebrar o paradigma de que somente as instituições públicas tinham histórico de pós-graduação e formação de nome”, confessa.

A partir daí, Jamil Shibli se dedicou à sua linha de pesquisa sobre doenças peri-implantares e passou a ser convidado para ministrar aulas dentro da universidade e em congressos e academias internacionais da área de Osseointegração e Periodontia, o que o levou a palestrar em países da Europa, América Latina, Ásia e Oceania. “Peguei a época da globalização. Saí daquele período catedrático, onde só fazia sombra, e consegui ser reconhecido internacionalmente por um trabalho feito no Brasil, antes dos 50 anos de idade. Não me considero melhor do que ninguém, mas reconheço a importância que isso tem”, diz.

Jamil Shibli descreve que, em 2017 e 2021, duas publicações suas o colocaram entre os 20 pesquisadores mais produtivos dentro de sua área no mundo. Foram dois artigos de bibliometria, que elabora um ranking de quantas pesquisas foram publicadas e quantas vezes os trabalhos dos pesquisadores foram citados em outros estudos científicos. O brasileiro destaca que essas conquistas lhe propiciaram uma grande rede de contatos, tanto profissionais como pessoais. “Fiz grandes amigos pelo mundo, e isso me proporcionou também viajar levando minha família e compartilhar essa convivência, que também é muito importante”.

A maioria de suas viagens aconteceu para participação em congressos, mas Shibli conta que chegou a ir mais de seis vezes por ano para a Itália, entre 2004 e 2012, onde trabalhou com o professor Adriano Piatelli, referência mundial em Implantodontia e Biologia Óssea. A carreira internacional também acrescentou a Shibli um grande conhecimento em novos idiomas. Ele fala, fluentemente, inglês, italiano, árabe e agora está estudando imersivamente para também ficar fluente em espanhol.

Com aulas ministradas em mais de 30 países, Jamil Shibli continua clinicando e se define como um professor translacional, que leva a pesquisa de laboratório para o atendimento clínico. Além de ser docente na UNG, ele tem sua própria clínica odontológica em Guarulhos (SP) e também é sócio de uma fábrica de biomateriais para implantes. Suas pesquisas recentes são sobre a etiologia da doença peri-implantar. “Eu consegui ser feliz na minha profissão”, finaliza.

Maurício Araújo

Ele se destaca na Odontologia desde a época da graduação, concluída em 1987, na Universidade Federal do Rio de Janeiro, com mestrado em Periodontia na Universidade de São Paulo e doutorado na Gothemburg University, na Suécia. Atualmente, Maurício Araújo é professor e pesquisador da Universidade Estadual de Maringá (PR). Sua experiência internacional o levou a mais de 40 países, não apenas como palestrante e professor, mas também presidindo grandes congressos em diversas partes do mundo.

“Comecei a participar de congressos internacionais em uma época em que raramente havia algum cirurgiãodentista brasileiro entre os palestrantes. Sentia-me um desbravador”, diz Araújo. Na década de 1990, quando morou na Suécia para conclusão do doutorado, o brasileiro publicou alguns trabalhos que estão entre os mais citados da Odontologia nacional e continuou realizando pesquisas em parceria com a Gothemburg University por 23 anos, mesmo já estabelecido de volta ao Brasil desde a década de 1990, voltando para a Suécia a cada três meses.

Maurício Araújo destaca que a maior parte de suas pesquisas que ganharam notoriedade mundial foi realizada no laboratório da Universidade Estadual de Maringá. “Foi muito bom poder realizar esses estudos aqui e passar para o mundo todo”, diz.

Apesar de ter recebido inúmeros convites para trabalhar e viver fora do Brasil, Araújo optou por manter sua base na cidade paranaense. Questionado se ele se arrepende desta decisão, o periodontista confessa que é muito mais pelas complexas questões socioeconômicas inerentes ao Brasil. “Eu posso estar na lista dos melhores periodontistas do mundo, mas quem vive no exterior sempre vai ganhar melhor do que eu para fazer a mesma coisa. Minha secretária leva duas horas para chegar ao trabalho de ônibus. São essas situações práticas da vida que me fazem pensar que poderia ter sido diferente se eu morasse em outro país”, desabafa. Mas, apesar de todas as dificuldades, Araújo admite se sentir muito feliz e realizado profissionalmente.

Ele conta que, certa vez, em um congresso na Rússia, enquanto não chegava o momento de sua apresentação, decidiu assistir à palestra de um professor local que foi feita toda em russo. “Sentei na última fileira e permaneci ali, mesmo sem entender nada do que ele dizia. De repente, ele coloca uma foto minha no telão e começa a mostrar imagens de trabalhos meus. Fui procurá-lo após a apresentação e ele me disse que eu havia mudado sua vida”, conta, sentindo-se grato pela possibilidade de ter conquistado essa relevância com seus trabalhos.

Maurício Araújo parece colecionar fatos inusitados que podem parecer mero acaso, mas que tomam uma dimensão importante no desenrolar de seu destino. Suas principais linhas de pesquisa, tanto na Periodontia quanto na Implantodontia, tiveram pontos de partida muito inusitados. Antes de iniciar o doutorado na Suécia, Araújo conta que foi convidado para atuar durante três meses como estagiário do professor Jan Lindhe, um dos maiores nomes da Odontologia mundial. “Certa vez, a presidente de uma fábrica norte-americana, que era uma das principais fabricantes de produtos regenerativos do mundo, foi visitar o laboratório e esqueceu, em cima de uma mesa, uma caixa com várias lâminas de Citologia. Comecei a analisar aquele material e percebi que não se tratava de uma regeneração perfeita de tecido, havia falhas que até então ninguém tinha percebido. Essa descoberta gerou uma série de acontecimentos posteriores muito importantes sobre regeneração dos tecidos periodontais. A partir daquele dia, a universidade me admitiu permanentemente e eu fiquei lá durante muitos anos, até o final da década de 1990”, relata.

Em outra ocasião, há cerca de 25 anos, quando tomava um café também acompanhado pelo Dr. Lindhe, Maurício conta que encontrou um colega que comentou sobre o caso de um paciente para o qual ele havia realizado um implante imediato, após a extração do dente, imaginando que o volume ósseo seria mantido. Mas houve uma diminuição do osso, resultando em um aspecto estético indesejado, e o colega não sabia como solucionar. A partir desse episódio, Araújo começou a estudar a cicatrização do alvéolo e descreveu na literatura como e por que ocorre a perda óssea após a extração do dente, mesmo com a colocação imediata do implante, e relata que esse foi seu artigo mais citado mundialmente, pois mudou um paradigma até então estabelecido na Implantodontia.

Sua história na Odontologia está repleta de histórias interessantes, que surgiram de forma não convencional e que resultaram em estudos que conquistaram grande relevância mundial. Atualmente, Maurício Araújo trabalha em um estudo que explica quais são as características anatômicas do paciente que influenciam na maior ou menor quantidade de perda óssea.

Ele tem consultório no Rio de Janeiro, onde clinica, é professor associado da Universidade Estadual de Maringá, onde também realiza suas pesquisas, e trabalha com algumas das maiores universidades do mundo, como Michigan, Harvard, Gothemburg e Londres, entre outras. “Sinto-me honrado por essa trajetória, principalmente por ter conquistado relevância mundial a partir de uma universidade pública no interior do Paraná”, conclui.