Com a ajuda de um mentor de consultórios e clínicas, e duas psicólogas, vamos mostrar como o cirurgião-dentista pode planejar as tão desejadas férias e se organizar durante o ano.
Por Leandro Duarte
Férias! Uma palavra com sonoridade tão gostosa e que traz sentimento de expectativa por uma recompensa após tanto trabalho e sacrifício. No entanto, o fato de exercer o período de 30 dias de descanso, algo comum e natural para trabalhadores das mais diversas categorias no mundo todo, tornou-se uma espécie de utopia para a maioria dos cirurgiões-dentistas. E não se trata apenas de um mês inteiro corrido de descanso, já que os profissionais da Odontologia encontram impossibilidades de agenda, seja para dois períodos de 15 dias ou até três de dez – as famosas “férias picadas”.
Então, o que fazer ou pensar sobre isso? Aceitar e se resignar que esta é a rotina odontológica ou melhorar a organização da clínica e do consultório para conseguir pausar as atividades em algum momento do ano a ponto de deixar o telefone na gaveta e se permitir viajar, passear com a família, não ter hora para acordar, não pensar e fazer nada – o famoso e essencial ócio?
É óbvio que a resposta mais sensata diz respeito à segunda opção. Mas, se você não encontra meios de tirar férias, mesmo que isso seja seu maior desejo, a revista Sorrisos Brasileiros buscou caminhos para que os cirurgiões-dentistas possam visualizar uma nova realidade. Esta alternativa requer disciplina e organização durante o ano, mas pode valer a pena. Quem revela o passo a passo para essa transformação da rotina de trabalho em consultórios e centros cirúrgicos odontológicos é Tobias Kfoury, CEO da Máquina de Soluções.
Com graduação em Ciências Econômicas, Kfoury tem mestrado em Gestão em Serviços de Saúde (UFMG) e cursa o doutorado em Administração da Saúde pela Universidade de Lisboa, em Portugal. Desde 2002, ele atua como consultor para gestão de consultórios e clínicas em todo o Brasil, América Latina, EUA e Europa. Kfoury também dividiu seu conhecimento com os leitores em quatro livros, com destaque para dois: “Manual da Clínica Lucrativa” e “Gestão de Pessoas para Consultórios e Clínicas”.
Na visão do especialista, muitos cirurgiões-dentistas estão submetidos a um processo clínico interno que dificulta a possibilidade dos 30 dias de férias. “A maioria das clínicas tem serviço de Ortodontia, e o profissional precisa ver o paciente todo mês. Outro complicador é a questão de mercados. Os planos de saúde pressionam muito os cirurgiões-dentistas porque são tabelas ruins, preços baixos que requerem um volume de atendimento grande.
Esse círculo vicioso dos planos sacrifica muito a qualidade de vida do profissional. No particular, é tudo questão de estratégia”, aponta o também professor de Gestão e Mercado para Consultórios e Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Mas o que seria essa estratégia? Na opinião do consultor e mentor, isso passa por equilibrar oferta e demanda, além de delegar procedimentos para outros profissionais.
“Eu falo que o cirurgião-dentista não tira férias porque não se planejou, não desenhou uma estratégia de gestão adequada e fica refém de um mercado que está o engolindo. Então, cabe a ele uma reflexão”, sugere. Kfoury aborda um ponto que é uma espécie de ponto fraco na Odontologia.
Para ele, o cirurgião-dentista brasileiro aprendeu a ser o melhor do mundo na técnica, mas não soube como ganhar dinheiro, não se condicionou para gerir um consultório e pessoas, o que
faz com que não seja um bom gestor. “Falo a mesma coisa das pessoas que trabalham até 20h, 21h. Chega em casa, o filho já está dormindo. Há pais e mães que passam dias sem ver e conviver com os filhos porque não têm um planejamento de vida, de trabalho. Um erro de planejamento, e não um fator de mercado”, afirma o executivo.
Modelo de férias ideal e possível para cirurgiões-dentistas
Tobias Kfoury vê vantagens no modelo de férias com dois períodos do ano, de 15 dias, ou mesmo três pausas de dez dias durante o ano – sendo o ideal de 15. “A pessoa geralmente tira meia semana para dar uma ‘esfriada no motor’ para poder ficar em casa, tranquilo. Os três primeiros dias são de ócio ou para resolver pequenos problemas, como uma ida ao mecânico, manutenção da casa, mas sempre com a cabeça vazia de trabalho. Depois, de sete a dez dias para viajar. E, no tempo que resta, ócio para descansar da viagem, o que torna esse passeio uma experiência com qualidade, sem pressa nem estresse para ir e voltar”, recomenda.
Sobre a janela de fim de ano, quando muitas clínicas percebem a diminuição da frequência de pacientes, Kfoury entende que se trata de um bom período para se afastar das atividades. “A vantagem de tirar férias no período entre Natal e Ano Novo, e na primeira semana do ano é o fator estratégico, vide o menor movimento nos consultórios, além da possibilidade de dar férias coletivas para a equipe. Trata-se de uma época festiva e propícia para reunir amigos e familiares”, diz o consultor.
Mas a necessidade das férias vai além de dar uma pausa no trabalho e conseguir tempo livre para se divertir.
Essa pausa para o corpo e a mente esfriarem é essencial para a saúde. Segundo a psicóloga Maíra Silva, o descanso se faz crucial para uma melhor saúde mental, maior concentração e memória, um sistema imunológico mais saudável, redução do estresse, melhora do humor e até mesmo do metabolismo.
“Extensos períodos sem parar para relaxar e descansar são prejudiciais, principalmente no aspecto da saúde mental. Insônia, ansiedade, estresse, acidentes de trabalho, dores pelo corpo e síndrome de Burnout são alguns dos problemas que podem surgir sem uma pausa adequada para descanso”, alerta.
Há também a dúvida de muitas pessoas se, para a saúde, as férias de 30 dias são mais benéficas em comparação aos descansos particionados. Segundo a psicóloga, cada pessoa reage de uma maneira específica. “Existem casos em que, com uma semana, os profissionais conseguem se desligar da rotina do trabalho, sendo que alguns precisam de duas semanas e outros 30 dias.
O mais importante é conseguir ter um descanso adequado, se desconectar de fato da rotina do consultório. O ideal seria se desvincular do celular, e-mails e redes sociais para obter esse descanso adequado, apesar de ser uma tarefa quase impossível nos dias de hoje”, avalia.
Ainda segundo a psicóloga, os profissionais que trabalham jornadas excessivas e que dizem não ser possível tirar férias estão colocando em risco não só a própria saúde, mas também a qualidade da entrega do trabalho. “Estamos vivendo um momento em que o mercado de trabalho está mais competitivo e que para ser um excelente profissional é preciso se posicionar como workaholic, se dedicar à carreira o tempo todo e não tirar férias, pois isso pode ser visto como uma atitude preguiçosa.
É aí que mora o perigo: trabalhar por períodos extensos sem ter um momento de descanso e relaxamento não vai tornar a pessoa mais produtiva. Pura ilusão. Profissional com a mente cansada não produz bem. Temos que começar a dar mais valor ao descanso, independentemente do cargo ou função, todos nós precisamos de um tempo para recarregar as energias”, reforça.
A também psicóloga Rita Vaillé vai na mesma linha de sua colega, mas com um apelo ainda mais urgente sobre a escolha em abrir mão de tirar férias todos os anos. “De um modo geral, o organismo vai enfraquecendo.
Trata-se de um tempo para a pessoa desligar e recuperar o seu cérebro. Que seja uma pausa de 15 dias, mas férias de fato. Uma necessidade regenerativa. Não adianta tirar férias e levar o trabalho e o celular juntos”, orienta.
Rita relata que pessoas de quase todas as faixas etárias sofrem cada vez mais com ansiedade, angústia, depressão e pânico. E que as férias têm um papel importante para que o indivíduo possa ter uma consciência de si mesmo. Afinal de contas, o estresse cobra um preço muito alto. “Uma rotina de tensão permanente, sem contato com a natureza, sem descanso, faz o corpo se tornar uma bomba-relógio. A pessoa pode até não sentir em muitos casos. O corpo tem uma reação súbita”, relata.
Além disso, a profissional também explica que férias de qualidade não estão atreladas a programações caras, com luxo e destinos famosos. O que importa é a qualidade do descanso. “É sobre lazer puro, contato com a natureza, se permitir encostar em uma árvore para ouvir o canto dos pássaros. Ser capaz de perceber a respiração, o corpo, a alimentação. Para fazer isso, a pessoa não precisa viajar para a Europa. Basta fazer algo que dê prazer, que se alcance a paz interior. Isso vai abastecer a sua saúde”, indica a psicóloga, que resume a questão como “tirar férias de si mesmo”.
Dicas básicas
Recorremos novamente ao executivo e mentor Tobias Kfoury para elencarmos os fatores essenciais para que o cirurgião-dentista consiga tirar férias sem que isso prejudique a sua rotina e não deixe pacientes na mão. Tome nota:
• Delegue tudo aquilo que alguém faz melhor e mais barato que você;
• Delegar com controle: com indicador de gestão, produção de relatórios por parte dos colaboradores e aprovação antes do pagamento;
• Durante as férias, exija que o contato seja feito apenas em casos extremos;
• O telefone é o maior ladrão de tempo de qualidade que o ser humano tem na vida. Não encoste no aparelho quando você tem algo muito mais importante a fazer, como um momento especial com o filho ou a família;
• Não adianta ser profissional da saúde se você não tem saúde;
• Não adianta querer proporcionar qualidade de vida se você não tem isso;
• Não adianta fazer as pessoas sorrirem se você não sorri com a sua alma;
• Separe um tempo para a família e amigos;
• Cuide da sua rede de relacionamentos com tempo de qualidade;
• Um consultório muito bem gerido e administrado garante tranquilidade para o cirurgião-dentista sair de
cena e a pessoa por trás deste profissional cuidar de si.