Cirurgiões-dentistas esbanjam talento na gastronomia

Cirurgiões-dentistas esbanjam talento na gastronomia

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Com a rotina intensa no consultório odontológico, alguns cirurgiões-dentistas encontram refúgio e esbanjam talento na gastronomia.

Quando não estão dedicados à Odontologia, seja atendendo pacientes, dando aulas ou atuando como palestrantes em eventos, é entre temperos, ingredientes, panelas e receitas criativas que muitos cirurgiões-dentistas gostam de passar o tempo com a gastronomia, compartilhando seus talentos culinários com amigos e familiares. Há casos em que o hobby toma proporções maiores e chega a se apresentar como outra possibilidade de carreira. A revista Sorrisos Brasileiros conversou com alguns desses profissionais da Odontologia para conhecer suas histórias de envolvimento com a gastronomia e o papel que essa arte representa em suas vidas.

André Vilela – A curiosidade por comidas típicas do mundo todo

André Vilela

Formado em Odontologia em 1987 pela Universidade de São Paulo (USP), André Vilela foi morar fora do Brasil em busca de especialização em Implantodontia dois anos depois, época em que ainda não havia cursos no Brasil nessa área. Passou por Israel, Suíça e Estados Unidos, onde viveu sozinho. O cirurgião-dentista conta que tomava café da manhã e almoçava nos hospitais onde trabalhou e, à noite, buscava comer em restaurantes de comidas típicas dos lugares onde morou. “Isso despertou meu interesse por culinária. Gostava de aprender a fazer aqueles pratos”, relembra.

Quando voltou para o Brasil com o intuito de trabalhar com Implantodontia, Vilela acabou enveredando também pela área comercial. “Praticamente não havia materiais disponíveis aqui. Então, sempre que eu ia a congressos no exterior, trazia alguns desses produtos. Naquela época, não existia a Anvisa e leis que regulassem a entrada desses materiais no País. Assim, iniciei minha carreira como ‘contrabandista’”, conta em tom de brincadeira.

Vilela abriu uma empresa chamada Driller, que existe até hoje, de fabricação de motores para perfuração dos ossos, preparando-os para receber os implantes. Com o crescimento do negócio, ele deixou o dia a dia do consultório e dos atendimentos clínicos e passou a cuidar apenas da indústria. “Em meu primeiro casamento, construímos uma casa com uma grande área onde fiz uma churrasqueira, que ficava em um salão enorme. Recebíamos muitos amigos, e ali comecei minha carreira de churrasqueiro”, diz, com grande bom humor.

Muito comunicativo e sociável, André Vilela conta que tem amigos no mundo todo, e que em todos os finais de semana recebia pessoas de vários lugares em sua casa. “Com isso, e para não ficar só fazendo churrasco, fui aprendendo e criando receitas de pratos diversos”, revela, contando que chegou a fazer uma paella – prato típico espanhol – para 140 pessoas. As festas de Vilela já eram consideradas grandes eventos.

Quando os filhos estavam na adolescência, André começou a fazer hambúrgueres artesanais em casa, criando blends de carne e receitas exclusivas que também fizeram muito sucesso, sempre acompanhados pelos molhos e maioneses também feitos por ele.

Além da fábrica, há cerca de 13 anos ele empreendeu na área de importação de vinhos, chegando também a fornecer as bebidas para alguns eventos de Odontologia. O cirurgião-dentista diz que até já pensou em abrir um restaurante, mas achou melhor manter o amor à gastronomia como hobby e motivo de reunião entre amigos. “Já organizei e preparei buffet até para a festa de casamento de um amigo na minha casa”, conta.

Filho de pai mineiro e mãe goiana, André atribui às suas origens a paixão pelas panelas. Sua atual esposa é paraense e, hoje em dia, ele procura agradar aos gostos dos dois lados nas reuniões de família, com pratos variados. Entre os dois casamentos, ele tem quatro filhos, todos já adultos, que se deliciam com os mimos culinários do pai quando vão visitá-lo. “Uma das minhas filhas é vegetariana, e quando ela está em casa procuro fazer pratos mais elaborados sem carne para ela”, diz o pai coruja, que tem uma biblioteca enorme de livros de receita.

Nas inúmeras viagens que faz pelo mundo a trabalho, Vilela sempre busca conhecer a culinária local e aprender novas receitas, que também vêm carregadas de diferentes costumes e culturas, o que, além de alimentar o corpo, satisfaz a alma de todos que se deliciam com seus pratos e histórias.

José Carlos Garófalo – Gastronomia hereditária

José Carlos Garófalo

O cirurgião-dentista paulista José Carlos Garófalo cresceu entre panelas, massas artesanais e temperos caseiros da avó e da mãe. De família italiana, ele conta que, mais do que fonte de alimento, a comida sempre foi um ritual em sua casa, com todos ao redor da mesa se deliciando com os diversos pratos que eram preparados para uma única refeição.

Garófalo exerce a profissão há 35 anos e se especializou em Dentística, área que, segundo conta, não era muito procurada na década de 1990. “Eu estava no lugar certo e na hora certa porque hoje essa especialidade é extremamente requisitada nos procedimentos de estética dentária”, diz.

Também dedicado à carreira acadêmica, ele lecionou para cursos de graduação até 2004 e segue ministrando aulas para pós-graduação. Atualmente, Garófalo tem uma escola própria, além de atender clinicamente em seu consultório, em São Paulo. “Eu não seria o mesmo clínico se não fosse professor, e não seria o mesmo professor se não fosse clínico”, declara.

Das primeiras lembranças de uma vida dedicada à gastronomia, o cirurgião-dentista recorda com carinho das massas frescas feitas e molhos preparados artesanalmente pela avó, que levavam horas para ficar prontos para os almoços de domingo. “Na minha família, a refeição sempre foi considerada uma celebração”, afirma.

Sua esposa, também cirurgiã-dentista, é de família grega, igualmente dedicada à culinária típica daquele país, o que agrega diversidade de sabores aos pratos. Mas, foi durante um curso de atualização em Odontologia, em São Paulo mesmo, que Garófalo despertou seu lado chef. “Eu e outro dentista nos matriculamos em um workshop de sushis que estava acontecendo em um restaurante japonês, por indicação de um amigo que estava conosco. E assim comecei a cozinhar”, relembra.

A partir desse dia, ele foi experimentando receitas básicas em sua casa, e a paixão pelas panelas começou a aumentar. Nos anos 1990, quando deu aulas em diferentes países da América Latina, Garófalo relata que se distraía assistindo aos programas de culinária que passavam na TV, costume que tem até hoje, mesmo quando está em casa.

O hobby foi ganhando popularidade entre seus amigos e familiares. Assim, o cirurgião-dentista foi eleito por unanimidade como o responsável culinário pelos almoços e jantares em família em todas as datas comemorativas.

“Adoro cozinhar para meus alunos nos finais de cursos ou quando se reúnem em algum lugar para confraternizar. E hoje em dia o cardápio precisa ser variado porque tem os veganos, os vegetarianos, os que sofrem de intolerância à lactose e os que só gostam de carne”, comenta, demonstrando todo o carinho que dedica à arte de cozinhar e agradar paladares.

E ele não foge da culinária do dia a dia. Apesar dos compromissos profissionais com a Odontologia serem muitos, Garófalo afirma que há noites em que chega em casa e ainda prepara um jantar especial. Pai de um casal de filhos já adultos, ele garante que passou para eles a paixão por cozinhar.

Garófalo diz que não tem um tipo de culinária específico que destaque como sua especialidade. “Gosto de criar receitas, adaptar as que já existem e cozinho um pouco de tudo”. Quando não está pensando em seus compromissos como professor e cirurgião-dentista, é com o cardápio dos finais de semana que a mente dele se ocupa.

Garófalo confessa que já chegou a pensar em ter um restaurante próprio, mas entendeu que o nível de comprometimento dessa atividade não permitiria que ele seguisse atuando na Odontologia, além de exigir conhecimento e dedicação em outras áreas necessárias para o bom funcionamento do negócio. Assim, o cirurgião-dentista decidiu cozinhar apenas por prazer.

Marcus Lima – A brincadeira se tornou coisa séria

Marcus Lima

Marcus Lima já transitou por várias áreas da profissão. Formado há 21 anos, se especializou em Odontopediatria, mas também atuou como gestor, palestrante e viajou por todo o País levando apresentações motivacionais e sobre marketing na Odontologia. O cirurgião-dentista teve consultórios próprios e um instituto odontológico que levava seu nome, mas que teve que fechar as portas durante a pandemia de Covid-19. Recentemente, Marcus Lima se especializou em Harmonização Orofacial, e atua no segmento na capital paulista.

“Vou navegando e me redescobrindo a todo momento. Sou inquieto”, descreve. O contato do cirurgião-dentista com a gastronomia também começou em casa, com a mãe mineira. “Fui uma criança exageradamente cercada de comida. Na minha casa, cada refeição tinha cinco ou seis opções de pratos. Durante um período da adolescência, minha mãe precisou fazer uma cirurgia na coluna e ficou acamada. Quando eu chegava da escola, ela estava assistindo programas de culinária na TV, e quando eu dizia que queria comer algo, do sofá da sala ela me dizia o passo a passo de cada receita e ia me orientando sobre como prepará-las”, relembra.

Foi assim que Marcus Lima sentiu a paixão pela gastronomia aflorar. Quando mudou de cidade para estudar Odontologia, a cozinha se tornou uma obrigação diária. “Quando assumi o comando da churrasqueira no churrasco dos ‘bichos’, minha turma brincava, dizendo que eu deveria trocar a Odontologia pela gastronomia”, conta o cirurgião-dentista, que nunca fez nenhum curso de gastronomia.

Fissurado pelos programas de culinária da televisão, Lima não perdia um. Em 2019, sua secretária na clínica perguntou se poderia inscrevê-lo no programa MasterChef Brasil, da Rede Bandeirantes, um dos mais famosos deste formato no País. O cirurgião-dentista concordou com a inscrição, mas sem criar expectativas. “São milhões de pessoas concorrendo a 18 vagas. Jamais imaginei que seria chamado”, relata o dentista, que passou por um longo processo de provas até receber o avental como participante do reality show de gastronomia. “Fui levando os testes com tranquilidade e, quando vi, estava lá dentro. Tinha dias que precisava parar de atender no consultório para ir gravar”, detalha.

Segundo Lima, sua vida virou 180 graus. “Eles vieram gravar na minha casa, mostraram como eu vivia. Nasci e cresci na periferia de São Paulo, e acabei me tornando ídolo do bairro”, conta o cirurgião-dentista, que é natural da Vila Ré, bairro da zona leste paulistana.

Eliminado após o terceiro programa daquela edição do MasterChef Brasil, a saída de Marcus Lima foi polêmica e surpreendente, rendendo recordes de audiência. Ao se despedir do famoso chef Henrique Fogaça, um dos jurados do programa, Lima o encarou de forma séria e disse contundentemente: “Sabe o que eu acho de você, cara? Posso falar olhando no seu olho?” E, quando todos esperavam que dali poderia sair uma atitude hostil, ele completou: “Por trás dessa casca aqui, você é um dos caras mais sensacionais que eu tive o prazer de conhecer na minha vida. E, se esse jogo é para mudar vidas, eu estou saindo um ser humano diferente e muito melhor. Foi um prazer te conhecer”, e se despediu dando um beijo no rosto de Fogaça, em meio a lágrimas de emoção.

Intenso, eufórico e expressivo, Lima viu portas se abrirem após a participação no MasterChef. “Cheguei a cozinhar para o ator Leandro Hassum, na casa dele em Orlando (EUA), dei aula de gastronomia em empresas, fiz eventos em vários restaurantes e outros espaços, fiz propaganda de supermercados e marca de cerveja, as pessoas me paravam para pedir autógrafo e tirar fotos. Minha vida mudou completamente”, relata o cirurgião-dentista.

Lima confessa que, apesar da Odontologia continuar caminhando paralelamente nessa época, ele perdeu um pouco o foco, o que o prejudicou na época da pandemia, pois os clientes já não o encontravam tanto no consultório e imaginavam que o cirurgião-dentista havia migrado para a gastronomia. “Eu tinha uma estrutura de cinco salas, e não foi possível manter”, lamenta.

Marcus Lima ainda foi convidado também pela Band para uma participação no programa da apresentadora Kátia Fonseca, e o sucesso foi tamanho que isso lhe rendeu uma contratação. “Além do programa, fiz outras participações na emissora. Cheguei a apresentar o Band Folia, cobrindo o Carnaval como repórter em 2019”, conta, dizendo que esse foi um caminho promissor, uma vez que a clínica já não caminhava bem.

Após o término do contrato, Lima decidiu retomar suas atividades como cirurgião-dentista, agora na área de Harmonização Orofacial, com uma intensa preparação através de cursos de especialização que realizou por quase um ano. Mas, mesmo com os novos caminhos na Odontologia, a versão chef de cozinha sempre estará presente, seja entre amigos e familiares ou nos convites profissionais que ainda recebe. “O sonho não acabou”, finaliza.