Fórum Nacional reuniu entidades representativas da categoria e elencou os riscos do EAD para a qualidade da graduação na Odontologia.

O Conselho Federal de Odontologia (CFO) realizou no dia 26 de abril, em Brasília (DF), o Fórum Nacional Contra a Modalidade de Educação à Distância (EaD) na Odontologia. Entidades e profissionais que representam a categoria se reuniram para assinar uma nota pública de repúdio a essa prática, que pode vir a ser realizada por cursos de graduação caso obtenha aprovação do Ministério da Educação e Cultura (MEC).

O assunto já é tema de discussão e preocupação do CFO há mais de sete anos, desde que o Conselho Nacional de Saúde publicou a resolução 515, em 2016, que estabelecia em mais de 20% o conteúdo de EaD na carga horária de cursos de graduação do setor. Reativa e preventivamente, cinco meses depois, o CFO publicou a Resolução 186, que determina que as disciplinas ou unidades curriculares vinculadas ao exercício profissional da Odontologia e seus conteúdos teórico-práticos devem ser ministradas nos cursos de graduação de Odontologia exclusivamente sob a modalidade presencial.

Desde então, a entidade já realizou diversas reuniões, fóruns e eventos sempre se posicionando contrariamente à EaD na Odontologia, e também ao surgimento indiscriminado de cursos de graduação na área. Para o CFO, esses fatos comprometem a imagem e a qualidade da profissão no Brasil, cuja prática é reconhecida e admirada internacionalmente.

No Fórum Nacional deste ano, o posicionamento de assinar uma nota pública contrária à EaD na Odontologia foi tomado devido à recente criação do Grupo de Trabalho do MEC, no âmbito técnico, que visa realizar estudos para futura elaboração de política nacional para a oferta de cursos de graduação em Direito, Enfermagem, Odontologia e Psicologia na modalidade EaD, por meio da Portaria MEC no 668, de 14 de setembro de 2022, posteriormente alterada em março de 2023 pela Portaria nº 398.

“Temos hoje aqui uma representação massiva da nossa profissão. E faremos deste evento um posicionamento claro e aberto da Odontologia brasileira contra o ensino à distância”, disse Juliano do Vale, presidente do CFO, na cerimônia de abertura do evento, que contou com a presença de representantes dos 27 Conselhos Regionais de Odontologia do País e dezenas de instituições de ensino e associativas.

A presidente da Associação Brasileira de Ensino Odontológico (Abeno), Daniela Carceri, ressaltou que a modalidade de ensino à distância prejudica não apenas a qualidade da graduação, mas também a população, que ficará à mercê de profissionais formados em cursos sem qualidade comprovada. Ela ressaltou que a Odontologia é uma atividade procedimental, e não observacional. Por isso, não condiz com um modelo de formação como a EaD.

Juliano do Vale destacou que o posicionamento do CFO sobre essa questão não reflete, absolutamente, nenhum tipo de preconceito contra o ensino à distância, modalidade que pode ser muito prática e útil para outras áreas profissionais, mas não para a Saúde, que necessita do aprendizado presencial para as práticas de procedimentos técnicos. “Essa é uma luta importante, e vamos continuar perseguindo o melhor para a Odontologia brasileira”, enfatizou.

Escolas e instituições de ensino em Odontologia também participaram do evento por meio de seus representantes, unindo-se ao CFO no posicionamento contrário à EaD. Além dos 27 Conselhos Regionais, assinaram a nota pública 12 instituições de ensino, entre faculdades e universidades de diversas partes do País, totalizando 62 entidades signatárias.

A nota pública é um documento aberto. O CFO disponibiliza a todas as entidades, faculdades, universidades, instituições públicas e privadas, entre outras, a oportunidade de também apoiarem o posicionamento oficial, enviando a manifestação para o e-mail: odontologiacontraead@cfo.org.br, para que seja inserida na lista de apoiadores.

Opinião de especialistas

A Sorrisos Brasileiros conversou com cirurgiões-dentistas e professores de Odontologia para conhecer suas opiniões e posicionamentos sobre a modalidade de ensino à distância nessa área.

O professor Elcio Marcantonio Junior, da Unesp de Araraquara, é taxativo ao considerar essa possibilidade um absurdo. “Não há outra maneira de formar bons profissionais em Odontologia a não ser aplicando exaustivamente os ensinamentos teóricos e pré-clínicos em atendimentos a pacientes, sob supervisão de bons professores. A interação dos alunos com pacientes nestas clínicas leva também ao amadurecimento profissional, permitindo um atendimento humanizado. Como reagirá um profissional formado por EaD aos problemas e urgências que ocorrem rotineiramente no consultório? Com certeza, a saúde da população estará em risco. É isto que queremos para o Brasil dos nossos filhos?”, questiona. Ele ressalta que a EaD em Odontologia não existe em nenhum outro lugar do mundo, e isso sequer está sendo discutido em outros países.

Marco Antônio Bottino, professor da Unesp de São José dos Campos, que se dedica à carreira acadêmica há mais de 40 anos lecionando para cursos de graduação e pós-graduação, tem posicionamento semelhante. “Com toda a dedicação de bons docentes monitorando práticas clínicas e laboratoriais, lado a lado com alunos de várias origens, tem sido uma luta para que dominem procedimentos básicos de atendimento. Não sei quem é o “gênio” que aprovou a EaD na graduação. De uma coisa eu sei, com uma canetada abriu as portas para o fim da Odontologia”, lamenta.

O presidente da Associação Paulista de Cirurgiões-Dentistas (APCD), Wilson Chediek, afirma que a entidade é totalmente contrária a EaD em relação à Odontologia. “Hoje em dia, já há um percentual que permite essa modalidade e não é possível passar disso. Se presencialmente já enfrentamos tantos desafios, imagine virtualmente?”, indaga.

Indo diretamente ao ponto, o professor José Luiz Cintra Junqueira, presidente da faculdade São Leopoldo Mandic, não se furta ao apontar o interesse financeiro por trás das articulações para viabilização da educação à distância na Odontologia.

“A quem interessa a EaD na graduação em Odontologia? Aos proprietários de instituições de ensino que têm suas entidades na Bolsa de Valores como capital aberto. Essas empresas vendem também EaD em outras áreas, cujo ticket médio é de R$ 59,00. Eles querem utilizar a Odontologia para subir esse valor para R$ 700 e, com isso, aumentar os valores para esses empresários e vender mais ações, principalmente no exterior. Trata-se apenas de dinheiro e desrespeito à nossa profissão”, diz Junqueira.

Ainda segundo ele, a educação à distância não é regulado pelo MEC. “O empresário terá vários polos de graduação em Odontologia, e eles não serão avaliados. Ninguém poderá saber o que está sendo ensinado e se as normas do Ministério da Educação e Ministério da Saúde estão sendo seguidas”, finaliza.