Bruxismo: consultórios odontológicos registram aumento de casos

Bruxismo: consultórios odontológicos registram aumento de casos

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Especialistas acompanham impacto da pandemia nos casos de bruxismo e apresentam novas abordagens para solucionar o problema.

Em março de 2022, um estudo realizado pela Universidade Federal de Alfenas (Unifal-MG) e pelo Instituto Neurológico de Curitiba (INC), publicado no Brazilian Journal of Pain (BrJP), relatou que 76% dos entrevistados apresentavam início ou agravamento de sintomas de apertar ou ranger os dentes.

O estudo teve o propósito de avaliar o impacto da pandemia de Covid-19 em aspectos psicológicos e associados ao bruxismo. Entre os entrevistados, 85% relataram ruídos nas articulações, 78% sentiam dor no ouvido e 64,8% reportaram fadiga mandibular, refletindo um problema que vem sendo cada vez mais percebido não apenas por otorrinolaringologistas e neurologistas, mas principalmente em consultórios odontológicos, que têm percebido um aumento importante de pacientes com a dentição prejudicada devido ao bruxismo.

“Definimos como bruxismo qualquer ato de apertamento, mesmo que apenas da musculatura, e não apenas o ranger dos dentes. Existe o bruxismo diurno, de vigília, e o noturno, que acontece quando a pessoa está dormindo. O tratamento não é simples e, muitas vezes, é multidisciplinar”, explica o cirurgião-dentista Alexandre Annibale, de São Paulo (SP).

Segundo ele, as causas do problema são variadas, podendo estar relacionadas a fatores emocionais de estresse e tensão. Na Odontologia, o bruxismo normalmente é reconhecido devido ao desgaste dos dentes dos pacientes, que podem chegar a quebrá-los, assim como partem próteses, restaurações e relatam zumbido, dores musculares na região do pescoço e das costas, o que dá a característica multidisciplinar ao tratamento.

Annibale tem seu consultório conjugado a uma clínica de fisioterapia e recebe muitos pacientes com bruxismo indicados por esses profissionais, que identificam o problema como origem dos desconfortos musculares e articulares reportados por essas pessoas.

O especialista explica que o protocolo que sempre foi seguido pela Odontologia para o tratamento do bruxismo foi colocar uma placa para proteger os dentes do desgaste causado pelo apertamento ou ranger, mas aponta que esse procedimento tem sido revisto.

“As pessoas que têm problemas como ronco e apneia, por exemplo, podem ter esses sintomas agravados com o uso das placas contra bruxismo, uma vez que o aparato faz com que a mandíbula fique solta, deixando a boca aberta e, consequentemente, enviando a língua para trás, acentuando os problemas respiratórios que causam o distúrbio do sono”, descreve.

Diante disso, Alexandre reforça a importância de investigar, na anamnese com os pacientes que sofrem de bruxismo, se eles apresentam outros distúrbios do sono antes de indicar o uso das placas de proteção. “Quando o paciente sofre de ronco e apneia indicamos o uso de um aparelho de avanço mandibular, que também funciona para solucionar o bruxismo”, explica.

Ele esclarece ainda que não é possível afirmar que o bruxismo tenha cura. Em muitos casos, o paciente tem que usar a placa ou o aparelho de avanço mandibular permanentemente, e precisa de acompanhamento contínuo. “Se o bruxismo se apresenta devido a um momento pontual de estresse, o distúrbio pode desaparecer quando a pessoa sair desse momento de tensão e, nesse caso, cessa-se o tratamento. Mas, se estiver relacionado à apneia, pode ser um caso cirúrgico. Cada caso deve ser avaliado individualmente”, diz.

O bruxismo noturno também pode acontecer como fator de proteção contra a apneia. “Durante a apneia, a pessoa para de respirar e, instintivamente, range os dentes, pois esse movimento faz com que ela jogue a mandíbula para frente, liberando a via aérea”, detalha.

O desgaste dos dentes também pode ser consequência do suco gástrico liberado por refluxo nas crises de apneia. Alexandre explica que, quando a pessoa volta a respirar após a crise de apneia, ao puxar o ar com força, pode provocar esse refluxo, fazendo com que as propriedades ácidas do suco gástrico corroam os dentes com o tempo. “É mais um motivo para investigarmos se o motivo do bruxismo advém de distúrbios do sono”, diz.

Quando o bruxismo pode ser solucionado apenas com o uso da placa, é fundamental que esta seja modelada e produzida com características específicas, de forma a se ajustar perfeitamente na arcada dentária do paciente. “O cirurgião-dentista precisa conhecer muito sobre oclusão. Não é apenas moldar e entregar a placa na recepção. Ela tem que ser rígida, de acrílico, por fora; muito bem ajustada, com o máximo de pontos de contato tocando em todos os dentes para que o paciente consiga usar e tenha um equilíbrio muscular que fique confortável. Assim, conseguimos desprogramar a função de ranger e apertar os dentes, fazendo a proteção necessária”, detalha Alexandre.

O especialista diz que costuma fazer o acompanhamento dos resultados do uso da placa e eventuais ajustes necessários em conjunto com o fisioterapeuta, que observa a melhora muscular do paciente com o tratamento.

São diversos os fatores que podem causar bruxismo, desde distúrbios do sono a problemas articulares. O uso de medicamentos também pode estar associado à causa do bruxismo. “Alguns ansiolíticos causam parafunção, aumentando a contração muscular, que pode favorecer o bruxismo. Isso também contribuiu para o aumento de casos durante a pandemia. É por isso que precisamos tratar os pacientes como um todo, identificando as reais causas do distúrbio, para tratar adequadamente”, conclui Alexandre Annibale.

Um problema multidisciplinar

A cirurgiã-dentista Alice Miotto, de Curitiba (PR) reforça a importância de uma análise holística sobre o paciente para que seja possível diagnosticar o bruxismo corretamente, considerando fatores sociodemográficos, estilo de vida e diversas outras condições que vão além da boca.

Alice é especializada em disfunção temporomandibular, disciplina da qual chegou a ser monitora durante a graduação, há cerca de dez anos. Ela explica que o consenso mundial sobre bruxismo, publicado em 2018 pelo Journal Oral Rehabilitation, classificou o distúrbio de duas formas:

Em vigília: que acontece durante o dia, com a pessoa acordada;
Do sono: subdividido em primário e secundário. O primário acontece no sistema nervoso central; o secundário, podo ser causado por medicamentos, uso excessivo de álcool, cafeína ou tabagismo.

“O cirurgião-dentista deve considerar que o desgaste nos dentes é apenas um sinal do bruxismo, mas é preciso investigar a causa para aplicar o tratamento adequado, e não apenas indicar o uso da placa protetora, que não é indicada para todos os casos”, diz ela.

Ela explica que o bruxismo tem maior prevalência em homens, pessoas idosas e mulheres na menopausa, por questões hormonais. Alice está realizando um estudo com seus pacientes para conclusão do curso de doutorado, com o aparelho Biologix, cientificamente validado em 2021, e que é uma poligrafia utilizada para diagnóstico de ronco e apneia do sono, e consiste em um pequeno sensor sem fio, utilizado no dedo (como um oxímetro), e conectado a um celular com um aplicativo, e que monitora o sono, gerando um gráfico para ser acompanhado por profissionais de saúde.

Ela explica que a vantagem do aparelho é poder ser levado pelo paciente para fazer o monitoramento em casa. “Ele serve para fazer uma triagem dos pacientes com bruxismo, que também sofrem com ronco e apneia. Caso isso se confirme, indicamos a investigação mais detalhada por meio da polissonografia”, diz ela, explicando que caso a apneia seja de grau leve ou moderado, o cirurgião-dentista pode avaliar qual o melhor método para proteger os dentes por causa do bruxismo, mas devem ter acompanhamento médico especializado.

É um problema de trato multidisciplinar. Alice aponta que o cirurgião-dentista avalia o tecido mole, a qualidade periodontal e todos os detalhes para programar a melhor forma de proteger os dentes, e envia um parecer para os médicos, que avaliarão os melhores procedimentos para o tratamento do paciente.

O bruxismo pode ser diagnosticado por otorrinolaringologistas, pneumologistas, gastroenterologistas, neurologistas, fisioterapeutas e cirurgiões-dentistas. O paciente normalmente busca o especialista indicado para tratar os sintomas que mais o incomodam. Uma investigação completa define a causa do distúrbio, e o tratamento deve ser devidamente orientado pelos especialistas de cada área.