Brasil ultrapassa a marca de 400 mil cirurgiões-dentistas registrados

Brasil ultrapassa a marca de 400 mil cirurgiões-dentistas registrados

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Especialistas opinam sobre os prós e contras de sermos o país com o maior número de profissionais da Odontologia no mundo.

O Conselho Federal de Odontologia (CFO) divulgou, no início do segundo semestre de 2023, que o número de cirurgiões-dentistas com registro pela entidade ultrapassou a marca de 400 mil profissionais. Este dado coloca o Brasil como o país com a maior quantidade de cirurgiões-dentistas do mundo e, levando em consideração que a população brasileira atingiu a marca de 203 milhões, segundo o Censo de 2022, podemos contabilizar uma média de um profissional para cada 503 habitantes.

No entanto, se estatisticamente os números impressionam, paralelamente o País também tem uma das maiores porcentagens de desdentados, somando mais de 16 milhões, segundo pesquisa do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Desigualdade social e dificuldades de acesso à saúde bucal estão entre as principais razões deste quadro complexo e paradoxal, reforçado pelo fato do Brasil também registrar mais de 500 cursos superiores de Odontologia e de ter três universidades classificadas entre as dez melhores do mundo, de acordo com a organização internacional Center for World Ranking, que aponta a USP (Universidade de São Paulo) em primeiro lugar; a Unesp (Universidade Estadual Paulista) em quarto; e a Unicamp (Universidade de Campinas) em quinto.

Se por um lado o Brasil é mundialmente reconhecido por desenvolver uma Odontologia de alto nível, principalmente com base na atuação dos profissionais formados pelas melhores instituições de ensino superior entre públicas e privadas, por outro, o nível insatisfatório de preparação acadêmica de grande parte das faculdades comprova que quantidade não é sinônimo de qualidade na graduação em Odontologia no País.

Os dados disparam um sinal de alerta para o Conselho Federal de Odontologia (CFO), Conselhos Regionais e cirurgiões-dentistas que estão entre os profissionais de alto padrão do País. A Sorrisos Brasileiros convidou quatro destes especialistas para exporem seus pontos de vista sobre essa realidade ambígua vivida pela Odontologia Brasileira. Eles responderam a cinco perguntas:

1. Quais os pontos positivos e negativos de sermos o país que mais forma cirurgiões-dentistas no mundo?
2. Como avalia a formação acadêmica e a existência de muitos cursos?
3. Com essa quantidade de profissionais no mercado, corremos o risco de termos uma das melhores e uma das piores Odontologias do mundo?
4. Quais caminhos uma pessoa que pretende se formar em Odontologia deve seguir no intuito de se tornar um profissional de excelência?
5. Em sua opinião, o que caminha bem e o que caminha mal na Odontologia brasileira?

Henrique Nakamá
Presidente da Sociedade Brasileira de Odontologia Digital (SOB Digital) e vice-presidente da Associação Brasileira de Cirurgiões-Dentistas (ABCD-Nacional).

“É um pouco difícil apontar os pontos positivos e negativos de sermos o país com o maior número de cirurgiões-dentistas do mundo. Seria preciso analisar quantos destes mais de 400 mil profissionais registrados estão de fato em atividade no Brasil. Não enxergo pontos positivos em ter um número excessivo de cirurgiões-dentistas no nosso país.

Talvez fosse um ponto positivo se esses profissionais fossem distribuídos nas especialidades e nas regiões do País, pois temos uma concentração excessiva de cirurgiões-dentistas em alguns estados, e outros onde falta profissionais.

Um dos pontos negativos é que a maioria dos cirurgiões-dentistas, quando se forma, quer estar nos grandes centros. Isso torna a concorrência muito mais forte e, muitas vezes, ilegal.

Quanto à formação acadêmica e à existência de muitos cursos, nós temos um órgão regulamentador para isso, que é o MEC (Ministério da Educação e Cultura). Eles precisariam ter melhores critérios de avaliação. Uma grande percepção de mercado que tenho observado é o aumento de empresas fazendo diagnóstico e planejamento de tratamento terceirizado, e não realizado pelo próprio cirurgião-dentista. Isso mostra que a formação acadêmica hoje em dia está extremamente pobre.

Na época em que eu me formei, em Araçatuba (SP), nós saíamos com uma certeza muito grande de que conseguiríamos fazer um bom diagnóstico e planejamento de tratamento. Fazer bem essa avaliação é o grande diferencial dos profissionais de saúde.

Os novos cirurgiões-dentistas estão saindo da faculdade com muita insegurança sobre isso. Mesmo com toda essa quantidade de profissionais no mercado, nós ainda somos considerados os melhores da Odontologia mundial. É proporcional: quanto mais pessoas entram no mercado, mais aumenta o número de maus profissionais, mas também há mais talentos.

Porém, eu tenho encontrado mais bons profissionais no mercado do que ruins, pois estes ficam na sombra. Os talentos que se destacam internacionalmente não são os ruins. A quantidade de profissionais no mercado é regulada pelos bons profissionais. Então, eu não acredito que a Odontologia brasileira será algum dia reconhecida como uma das piores do mundo.

Uma pessoa que deseja se tornar um cirurgião-dentista precisa primeiramente acreditar muito na Odontologia, ter paixão pela área e por servir pessoas. Quem entra na Odontologia com paixão apenas pelo resultado financeiro não será um bom profissional. É preciso escolher uma boa instituição de ensino, com uma graduação que considere o mínimo necessário em termos de qualidade de ensino teórico e prático.

É importante também começar a identificar alguns mentores, entre pessoas que admira, que tenham sucesso dentro da Odontologia, em quem possa se espelhar. É preciso formar uma boa rede de relacionamento para poder errar o mínimo possível, aprendendo com os erros e acertos cometidos por esse profissional mais experiente, de forma a trilhar um bom caminho dentro da Odontologia. Qualquer pessoa que queira ser um profissional de excelência na área que escolher, precisa ter perseverança, entusiasmo, autoconhecimento, autoconfiança, bom network, estudar e se aprimorar sempre.

Para destacar o que caminha bem na Odontologia brasileira, eu mencionaria as tecnologias e o aprendizado que os nossos profissionais têm conseguido colocar em prática. Na área digital, nós temos acompanhado uma evolução tão ou até mais rápida do que a de cirurgiões-dentistas do exterior com relação à utilização dos recursos digitais dentro das clínicas e consultórios.

Também tenho observado que o mercado brasileiro tem evoluído muito em relação à melhoria dos materiais e das tecnologias nacionais. No exterior, a tecnologia ainda é mais forte, mas a aplicabilidade clínica no Brasil é mais ousada, por isso temos excelentes referências na área da Odontologia Digital.

Para mencionar o que caminha mal na nossa Odontologia, acredito que seja quando cirurgiões-dentistas, protéticos e acadêmicos acreditam que pelo fato das tecnologias estarem bastante avançadas, eles podem entrar diretamente na Odontologia digital sem entender ou praticar a convencional. Isso é um erro. Para se fazer uma boa Odontologia digital, necessariamente deve-se saber a Odontologia convencional.

O profissional precisa saber qual é a importância de um bom molde, para depois entender como fazer um bom escaneamento. Precisa conhecer os diagnósticos para entender um bom laudo de radiografias e tomografias.

Precisa conhecer muito bem os exames clínicos para executar bem os planejamentos digitais. Se ele pegar o planejamento digital executado por um planning center, por exemplo, sem conhecer profundamente o seu paciente, isso pode acarretar grandes problemas porque o exame clínico ainda é maior do que os complementares.”

Flávio Cotrim
Mestre em Ortodontia e doutor em Diagnóstico Bucal – Fousp; Coordenador dos cursos de especialização em Ortodontia – Instituto Vellini.

“O Brasil passa por uma situação inusitada em relação à Odontologia. Por um lado, constatamos um grande número de inscritos no CFO, o que indica o interesse das pessoas no sentido de se qualificarem para cuidar da saúde bucal de seus compatriotas. Por outro lado, existe a preocupação de que o aumento do número de vagas nos cursos de graduação não tenha acontecido paralelamente à manutenção da qualidade do ensino.

Esse fato ocorreu a partir da década de 1990, quando assistimos a políticas que partiram do MEC para permitirem a abertura de novos cursos de graduação em Odontologia, com o entendimento de que um maior número de profissionais proporcionaria um melhor atendimento ao público. Infelizmente, esse processo não aconteceu paralelamente a um rígido controle da qualidade do ensino por parte dos órgãos responsáveis.

Devemos compreender a enorme responsabilidade na formação dos profissionais da área odontológica, em que falhas ou desconhecimentos podem trazer prejuízos significantes para a saúde e o bem-estar de nossos pacientes.

Sabemos que a Odontologia brasileira se destaca no cenário internacional, com professores e pesquisadores formados nas melhores universidades. Isso comprova que o Brasil possui centros de excelência na área. Quando eu cursei a graduação na Faculdade de Odontologia da USP, foram nove semestres em tempo integral.

Hoje, são oferecidos cursos com oito semestres em tempo parcial. Será que esses centros educacionais conseguem transmitir a mesma quantidade de informações, com uma carga horária reduzida pela metade ou até menos que isso? Um segundo aspecto preocupante é se o grande número de profissionais formados atualmente está sendo bem distribuído no País ou se acaba se concentrando em determinadas regiões, gerando subempregos, com oportunidades escassas de trabalho.

Tenho ouvido também comentários sobre a introdução do ensino à distância na Odontologia, o que considero arriscado, uma vez que nossa área é muito prática, demandando vivência laboratorial e clínica. Essa particularidade requer o manejo de equipamentos sofisticados e o contato com pacientes, o que só é possível presencialmente.

Observei nos últimos três anos, com a pandemia de Covid-19 e a intensificação do ensino on-line, que muitos colegas lamentaram uma formação essencialmente teórica, sem realizar procedimentos básicos para um cirurgião-dentista, como restaurações e anestesias. Apesar desses aspectos críticos, considero-me um eterno otimista.

Acredito que ter um número grande de profissionais não seja um empecilho ao jovem cirurgião-dentista. Aqueles que se estabelecem são os melhores, os mais dedicados, os que se aprimoram, fazendo atualizações constantes, cursando especializações e participando de congressos. O profissional dedicado sempre terá espaço.”

Marcelo Henrique Napimoga
Doutor em Imunologia e diretor executivo de pós-graduação e pesquisa – São Leopoldo Mandic.

“O ponto positivo de termos um grande número de formandos em Odontologia no Brasil é que isso permite o acesso à saúde bucal pela população, reduzindo a falta de atendimentos odontológicos em áreas que ainda merecem um número maior de profissionais.

O setor odontológico pode ser uma fonte importante de crescimento econômico, criando empregos e estimulando a indústria de equipamentos, que gira em torno da Odontologia, instrumentais e materiais.

Além disso, o Brasil já é há muitos anos um exportador de Odontologia para outros países, gerando também receita mundo afora, além de uma grande produção científica que a Odontologia brasileira leva para o
mundo.

Como pontos negativos, podemos considerar que a superoferta de profissionais pode resultar em uma concorrência feroz, com dificuldades de encontrar emprego. Há também o comprometimento da qualidade na formação. Hoje, são mais de 640 instituições de ensino que formam profissionais da Odontologia.

Existe desigualdade de acesso, já que, embora tenhamos mais cirurgiões-dentistas, a distribuição ainda muito desigual em um país de dimensões continentais como o Brasil pode resultar em áreas superatendidas, como a cidade de São Paulo, enquanto outras áreas, como o Norte, Nordeste e até algumas partes do Centro-Oeste, ainda carecem de profissionais qualificados. Há até um desperdício de recursos públicos se não houver uma demanda para todos esses profissionais que são formados ao longo dos anos.

A avaliação da qualidade da formação acadêmica na Odontologia, em um cenário atual, de grande oferta de instituições de ensino, deve ser considerada por alguns aspectos.

Existe um grande número de instituições no Brasil que oferecem principalmente pós-graduação e não têm sequer um credenciamento institucional junto ao Ministério da Educação.

A acreditação dos cursos, como por exemplo aqueles que são reconhecidos pelo Conselho Federal, e instituições de ensino que têm um selo de qualidade como o que o CFO confere.

É muito importante também avaliar a qualificação e experiência do corpo docente. Professores que tenham mestrado e doutorado, com uma vivência acadêmica aliada à experiência clínica, são fundamentais para a formação de novos profissionais.

A infraestrutura também é importante porque a Odontologia de hoje mudou demais e necessita de novos equipamentos, novas metodologias e novos instrumentos.

As instituições devem estar preparadas para esse novo presente, baseado na Odontologia digital. São equipamentos cada vez mais modernos e, se não tiver isso, esse aluno que está se formando já sai em desvantagem no mercado de trabalho.

É fundamental também ter informações de ex-alunos que se formaram nas instituições. Essas pessoas, que passaram por ali e que podem testemunhar qual é a sua trajetória profissional, trazem credibilidade e segurança para aqueles que estão pensando em iniciar um curso.

Sem entrar no mérito de vantagens ou desvantagens, há alguns exames feitos pelo governo, como as notas do Enade (Exame Nacional de Desempenho do Estudantes), algumas atividades que as instituições podem oferecer e que enriquecem demais o currículo de um profissional. A possibilidade de fazer estágios e intercâmbios nacionais ou internacionais também enriquece muito a formação profissional.

Devemos também considerar a reputação da instituição. São várias as possibilidades, além das que são conferidas pelo MEC, de reconhecimentos nacionais e internacionais que as instituições podem ter. Mais reconhecimentos significa que a instituição oferece e possui diferenciais que podem levar esse profissional que está sendo formado para um nível
muito diferenciado.

Quando a instituição possui pós-graduação e pesquisa também oferece renovação, e a fronteira do conhecimento que retroalimenta a graduação e seus formandos. Nos melhores cenários, se as instituições mantiverem um alto padrão de qualidade, podemos ter bons profissionais se formando. Atualmente, a Odontologia brasileira é a segunda melhor do mundo em termos de produção científica, isso vai continuar se expandindo cada vez mais e contribuindo para a qualidade dos serviços odontológicos no Brasil.

Os índices de doenças bucais vêm caindo ano a ano, apesar das desigualdades regionais. A Odontologia brasileira tem vários aspectos positivos e alguns desafios a serem enfrentados, como o acesso aos cuidados básicos, por exemplo.

O Brasil tem avançado em relação aos cuidados odontológicos, especialmente por meio dos programas de saúde da família, nas unidades básicas de saúde. A pesquisa brasileira odontológica também tem crescido. A especialização e qualificação profissional são muito boas, com uma grande carga horária prática que desenvolve a competência e habilidade do profissional, sendo exemplo para grandes países do mundo, que vêm, inclusive, buscar essa qualificação aqui no País.

Os pacientes têm acesso a uma ampla variedade de tratamentos, desde a Odontologia preventiva até tratamentos estéticos avançados.

Por outro lado, alguns procedimentos, principalmente os mais recentes, como os estéticos, podem resultar em tratamentos muito caros, tornando-se inacessíveis para uma população muito grande. Ainda existe a falta de cobertura odontológica universal e a má qualidade na formação com esse número excessivo de instituições de ensino, o que pode trazer impactos para a área de Odontologia como um todo.”

O que diz o CFO

Frente ao número expressivo de 400 mil cirurgiões-dentistas ativos no Brasil, que se deve principalmente à entrada anual de milhares de novos profissionais no mercado de trabalho, é inegável que a Odontologia ainda é uma profissão muito atrativa para os jovens egressos do ensino médio e para as pessoas mais maduras que buscam uma nova área de atuação.

É muito provável que essa procura pela Odontologia esteja relacionada com sua evolução e até ressignificação, sobretudo nos últimos anos. O entendimento de que o cirurgião-dentista não trata apenas de dentes, e sim do ser humano em toda a sua complexidade e inserção social, reflete na atuação profissional além das paredes do consultório odontológico, para dentro dos hospitais e unidades de saúde, compondo equipes de atuação multiprofissional. É importante mencionar, também, a atenção maior que os profissionais têm dado aos procedimentos estéticos dentários, intrabucais e na região orofacial, muito valorizados e procurados pela população.

“Essa evolução da profissão é alicerçada em robusto arcabouço legal, normativas e resoluções do Conselho Federal de Odontologia que regem a atuação do cirurgião-dentista em todo o território nacional para o benefício da classe e a segurança dos pacientes. O Sistema Conselhos de Odontologia também tem atuado fortemente na defesa de uma formação profissional presencial e qualificada para que a Odontologia Brasileira continue sendo reconhecida como não apenas a maior, mas a melhor Odontologia do mundo”, ressalta Juliano do Valle, presidente do CFO.

*Dados do website do CFO em 29/11/2023.