Aplicações financeiras na gestão odontológica

Aplicações financeiras na gestão odontológica

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Especialistas apontam os pontos principais para que os cirurgiões-dentistas possam desempenhar um bom trabalho também nas aplicações financeiras do consultório.


Saber remover uma cárie, realizar um implante dentário, tratar uma periodontite ou instalar um aparelho ortodôntico não são garantias de sucesso na gestão de consultórios e clínicas odontológicas. São, sim, conhecimentos essenciais para a prática profissional, mas precisam ser acompanhadas por boa administração, inclusive nas aplicações financeiras, para trazer os resultados esperados pelos profissionais.

Um ponto comum entre os consultores em gestão a respeito da administração de negócios odontológicos, é que o sucesso financeiro dos profissionais da área não está relacionado ao porte do negócio. Tanto o cirurgião-dentista que atua sozinho em um consultório pequeno quanto aquele que possui uma rede de clínicas equipadas com os mais modernos aparelhos e acessórios são empresários e, obrigatoriamente, precisam se capacitar para a gestão de negócios, sob o risco de comprometer o sucesso de seus empreendimentos.

Entre os vários temas que permeiam o universo da administração, a gestão financeira é o cerne da questão. E, além dos controles básicos de entradas e saídas, compra de materiais, folha de pagamento e despesas gerais, a geração de rendimentos é um ponto fundamental para a gestão administrativa.

Para Thiago Godoy, diretor da consultoria Rico Investimentos, há cinco pontos básicos a serem considerados na administração financeira para todas as pessoas que trabalham de forma autônoma, como os cirurgiões-dentistas, com uma renda variável:

Separar as finanças pessoais das empresariais: trabalhar de forma diferente disso é o maior erro que os empreendedores cometem. É preciso separar, com muita clareza, quais são as despesas pessoais e as do consultório ou clínica. O faturamento não é salário. Ele serve para pagar os custos operacionais do negócio. O que sobra depois de todas as despesas pagas é o lucro, que também não deve ser considerado como dinheiro pessoal do empresário. O ideal é definir um pró-labore fixo, menor do que o lucro médio, mesmo que em alguns meses o rendimento seja maior. Se o faturamento estiver aumentando, o recomendado é que o aumento do pró-labore seja programado para, por exemplo, daqui a um ano. Se o valor das despesas pessoais estiver maior que o pró-labore, é preciso cortar gastos e se adequar.

Estabelecer objetivos e prazos: ter um negócio não é apenas pagar contas. A empresa tem um propósito. Para oferecer um serviço de qualidade, é preciso traçar um roteiro para atingir os objetivos, que podem diversos: ter um consultório maior, adquirir equipamentos modernos, trazer profissionais especializados e agregar valores, entre outros. É preciso estabelecer prazos para isso. Quando se transforma um sonho em meta, ele se torna executável.

Planejar gastos: nesse ponto, há que se considerar desde os custos para montar um consultório até os eventuais salários de funcionários, investimentos em divulgação e marketing, além dos custos fixos de aluguel, condomínio, contas de consumo, compra de materiais. Com isso, é possível ter uma noção de quanto deve ser o faturamento mínimo para que o negócio se sustente.

Capital de giro: é o dinheiro para manter o negócio funcionando. Calcular quanto tem para receber, considerar os pagamentos a prazo, renovação de equipamentos e materiais necessários para a prática da profissão, e ter isso sempre reservado em caixa. Dentro dessa administração, vale a pena calcular, por exemplo, o que pode ser comprado em maior quantidade e que não seja perecível, desde que isso represente uma economia de valores, e outras variáveis que cada gestor deve conhecer sobre o seu negócio.

Reserva de emergência: criar um colchão de segurança para imprevistos. A pandemia de Covid-19 é o maior exemplo recente que tivemos. De repente, muitos profissionais liberais se viram obrigados a fechar seus negócios por um período, mas tendo que manter despesas fixas, inclusive as despesas pessoais, já que o pró-labore advém do faturamento. Os imprevistos podem ser diversos, desde um problema de encanamento que obrigue o profissional a manter o consultório fechado por um tempo, até um eventual problema de saúde que o impeça de trabalhar por um período. O recomendável é que o valor dessa reserva seja de pelo menos seis meses do custo operacional da empresa. E, se for preciso utilizar essa reserva, é preciso ter em mente a necessidade de construí-la novamente.

Posto isso, e principalmente considerando a reserva de emergência, podemos falar em investimentos de liquidez diária, que é a possibilidade de transformar o investimento em dinheiro no bolso. Destacamos as duas principais opções:

Tesouro Selic: pode ser resgatado no mesmo dia;
CDB: título privado de renda fixa, sendo alguns de liquidez diária. Para valer a pena, essas aplicações têm que render pelo menos 100% da taxa Selic.

O especialista explica que esses fundos não têm uma rentabilidade excessiva, mas podem ser utilizados em uma situação de emergência para que o empreendedor utilize rapidamente quando for necessário.

Outros investimentos são de grande variabilidade. É preciso estabelecer objetivos sobre as razões pelas quais realizar essas aplicações. Godoy cita como exemplo um cirurgião-dentista que deseje fazer uma grande reforma em seu consultório em um período de três anos, e pontua a importância de estabelecer um prazo porque todo investimento varia de acordo com isso. “Os de longo prazo têm uma rentabilidade maior, mas só pagarão esse valor mais rentável quando vencer. Se for utilizado antes desse período, perde rentabilidade”, explica, dizendo que esses investimentos estão sujeitos ao que se chama de marcação ao mercado.

“O rendimento fica sujeito às taxas do dia, então, se a cotação estiver baixa, o investidor pode, inclusive, perder dinheiro se retirá-lo antes do prazo”, diz.

Ele afirma que quanto maior é a possibilidade de ganho, mais possibilidade de perda porque o risco também é maior, referindo-se aos investimentos de curto prazo. “É o caso dessas pirâmides que ‘garantem’ um lucro alto. Fuja dessas ofertas”, aconselha.

Há muitas possibilidades no mercado financeiro, e Godoy recomenda que o investidor entenda bem qual é seu perfil – mais conservador ou disposto a correr riscos – e alinhar isso com seus objetivos. Godoy aponta que a mesma cautela necessária para construir uma reserva financeira para a empresa também deve ser considerada para os gastos pessoais, igualmente investindo uma parcela do pró-labore para momentos de imprevistos. Ele destaca, também, que o pró-labore tem sempre que ser maior do que os custos pessoais. “É importante que o controle das finanças pessoais e empresariais seja feito em planilhas diferentes”, sinaliza.

A contratação de consultorias ou assessorias que auxiliem empresários que não têm tanta experiência em gestão financeira pode ser recomendável, em um primeiro momento, mas Thiago Godoy recomenda que o empresário busque se apropriar desse conhecimento para manter um maior controle dos seus negócios. “Nós desempenhamos vários papéis na vida e precisamos nos preparar para lidar também com áreas para as quais não temos uma habilidade natural. No início pode ser mais difícil para quem não está acostumado, mas quando se entende a dinâmica da gestão financeira, acaba sendo mais fácil do que se imagina. É preciso ter resguardo com o dinheiro”, conclui.

Do mocho para a gestão financeira

O cirurgião-dentista Flavio Alves é carioca, mas vive em Recife (PE). Formou-se em Odontologia em 1984 e, quatro anos depois, quando já havia finalizado a especialização em Prótese Dentária, passou em um concurso para especialista da Aeronáutica, e teve que mudar-se para Curitiba (PR) a serviço da Força Aérea, onde ficou por 20 anos. Por este motivo, teve que fechar seu consultório no Rio de Janeiro. Nesse tempo, adquiriu conhecimento na área de gestão financeira e, buscando qualidade de vida, escolheu capital pernambucana para morar. Assim, há cerca de 15 anos atua apenas como consultor para clínicas odontológicas.

Há seis anos, Alves cursou um mestrado na área de finanças e economia em saúde, focado em precificação de serviços. Para validar sua dissertação científica, durante a pandemia de Covid-19, atendeu, voluntariamente, 118 cirurgiões-dentistas oferecendo mentoria financeira durante quatro meses. “A principal conclusão que tirei desse trabalho é que os cirurgiões-dentistas, de maneira geral, não têm educação financeira para planejamento de carreira”, afirma, destacando, assim como o especialista Flavio Godoy, a importância de separar a vida pessoal da profissional para a administração financeira.

“Falando sobre investimentos, o profissional tem que calcular quando ele vai começar a poupar hoje para alcançar sua independência financeira no futuro”, diz. Ele sugere a aplicação da regra que denomina de 50- 35-15, em que 50% do custo de uma família deve ser destinado à sobrevivência; 35% deve ser separado para o lazer; e os 15% restantes têm que ser destinados a guardar para o futuro, e aconselha que os especialistas comecem a investir o quanto antes.

Flavio aponta que o profissional deve fazer uma análise do seu momento de vida para escolher o melhor investimento. “Se a pessoa é mais jovem, pode arriscar em investimentos de renda variável; se estiver com mais idade, pode optar por aplicações mais conservadoras de renda fixa”.

Ele observa que, muitas vezes, se as contas não estão fechando, o problema não está na gestão do consultório, mas sim na vida pessoal, que está sendo mal administrada e acumulando gastos maiores do que os necessários. “É preciso ter essa clareza para ajustar as despesas até que sobre o percentual para economizar”, aconselha.

Para exemplificar, Alves diz que um cirurgião-dentista que queira abrir seu consultório, e que calcule uma despesa de R$ 70 mil, tem que ter guardado pelo menos o dobro disso como capital de giro para atingir o que se chama de ponto de equilíbrio da empresa.

O gestor afirma que o primeiro investimento que uma pessoa deve fazer é não ter dívidas. “Não adianta ter dinheiro aplicado e estar devendo no cartão de crédito”. E finaliza reforçando que mais importante do que escolher a melhor forma de investimento entre as diversas que o mercado oferece é adquirir a cultura de poupar.

Capacitação

O consultor de negócios do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), Silvano França, diz que já há algum tempo a entidade trabalha com o que chamam de agenda vocacional, atendendo profissionais liberais, entre eles, cirurgiões-dentistas, em cursos de capacitação para gestão administrativa e financeira.

“A primeira dificuldade que percebemos nesses profissionais é que eles focam apenas na especialização clínica e não pensam na gestão administrativa. Muitos até têm ajuda dos familiares para montar o primeiro consultório, mas não definem um pró-labore, e acabam se perdendo no controle de gastos”, diz, ratificando a fala dos especialistas.

França aponta a importância de calcular o retorno do investimento. “Mesmo que o profissional já tenha iniciado a carreira com um consultório montado pelos pais, por exemplo, ele precisa recuperar esse valor investido, e isso só é possível quando se faz um planejamento estratégico do negócio”, diz.

Silvano costuma separar a gestão financeira em quatro partes:
1. Controles financeiros;
2. Administração do ativo;
3. Administração do passivo;
4. Planejamento financeiro.

As aplicações financeiras se encaixam na administração dos ativos e correspondem ao planejamento de metas futuras.

Os programas vocacionais do Sebrae contemplam, também, uma consultoria pontual de duas horas de duração. Esse serviço pode ser presencial ou remoto, e também há a possibilidade da consultoria na própria empresa. França explica que esta última modalidade esteve suspensa por causa da pandemia de Covid-19, mas pode ser viabilizada, principalmente por solicitação de entidades de classe.

Silvano França esclarece que os cursos vocacionais duram 15 dias, em média, mas são modulares, por tema. Os cursos on-line exigem uma quantidade mínima de 60 inscritos, e as presenciais só são possíveis se tiverem turmas de pelo menos 30 pessoas.

Apesar de estar diretamente relacionada a números, a gestão financeira não é uma ciência exata. Ela considera diversas variáveis, que podem mudar de acordo com o perfil dos empreendedores e investidores. Por isso, os especialistas concordam que o melhor caminho é buscar conhecimento nessa área e também autoconhecimento para enxergar com clareza a realidade das contas pessoais e empresariais e, assim, tomar as melhores decisões para uma administração saudável das finanças.