A relação da Periodontia com a saúde sistêmica

A relação da Periodontia com a saúde sistêmica

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Periodontia e saúde sistêmica: nos últimos dez anos, estudos comprovam a associação entre a condição gengival e doenças cardíacas e metabólicas.

Em 2019, o Journal of Dental Research, em uma edição especial comemorativa dos 100 anos da publicação, reuniu 29 artigos científicos que discorrem sobre o progresso da Medicina Periodontal no último século e seu impacto na saúde extraoral, relacionando Periodontia e saúde sistêmica.

Os estudos revelam que a Periodontia está relacionada a mais de 50 doenças e condições sistêmicas, destacando três patologias: doenças cardíacas, diabetes mellitus e eventos adversos na gravidez. Mas esses trabalhos também reconhecem a relação da especialidade com patologias das funções reprodutivas e excretórias, doenças autoimunes, condições gastrointestinais, desordens ósseas e sanguíneas, condições neurológicas, doenças respiratórias e câncer.

Medicina Periodontal é um termo coletivo normalmente utilizado para descrever como as infecções/inflamações periodontais podem afetar a saúde extraoral. Segundo o compêndio de estudos sobre saúde, o número de doenças sistêmicas relacionadas à Periodontia aumentou exponencialmente nos últimos 20 anos.

Doenças cardíacas

Nos anos 2000, estudos intervencionais mostraram que o tratamento periodontal pode modular fatores de risco para doença cardiovascular. Mais recentemente, tratamentos periodontais não cirúrgicos demostraram reduzir significativamente os níveis de CRP (proteína C-reativa) e glóbulos brancos, fatores associados ao risco de doença cardiovascular. As pesquisas relataram que, após tratamento periodontal, a quantidade de pessoas com CRP elevado reduziu em 38% no grupo de intervenção e apenas 4% no grupo controle.

Em 2017, um estudo randômico demonstrou, pela primeira vez, que o tratamento periodontal intensivo sem medicamento para hipertensão pode reduzir a pressão arterial em pacientes pré-hipertensos e com gengivite.

Diabetes mellitus

A relação entre doenças periodontais e a diabetes mellitus foi ratificada entre os anos 1980 e 1990, em estudos conduzidos na Europa e nos Estados Unidos, que comprovaram maior prevalência de problemas periodontais em pacientes diabéticos.

Em uma análise feita com pares de pacientes com e sem gengivite, combinados por idade, sexo e tempo de diagnóstico de diabetes, observou-se entre os pacientes com problemas periodontais uma maior frequência de complicações da doença, como proteinúria, derrame, isquemia, angina, infarto do miocárdio e claudicação intermitente.

Na Índia, pessoas com diabetes tipo II e periodontite grave demonstraram baixo controle metabólico durante um período de quatro anos. Mais recentemente, alguns estudos começaram a explorar os efeitos das doenças periodontais em indivíduos não diabéticos, que passaram apresentar intolerância a glicose.

Efeitos adversos na gravidez

Dois estudos indicam associações positivas entre doenças periodontais de mulheres grávidas e problemas relacionados ao baixo peso dos recém-nascidos e partos prematuros. Há também pesquisas relacionando casos de pré-eclâmpsia em gestantes com doenças periodontais graves.

No contexto de doenças periodontais como fator relacionado a eventos adversos da gravidez, a disseminação sistêmica de bactérias orais pode resultar na semeadura das membranas placentárias, invasão da unidade fetoplacentária e indução de restrição de crescimento intrauterino, que pode levar à má nutrição do feto, ou provocar ruptura prematura de membranas, resultando em parto prematuro.

O cirurgião-dentista norte-americano John Peldyac, membro do conselho de programas da Academia Americana de Saúde Oral Sistêmica (AAOSH), destaca uma pesquisa recente que comprova que o uso de xilitol por gestantes, substituindo o açúcar, resultou em uma redução de 12,6% de partos prematuros. Outros estudos indicam que as mulheres grávidas com placa são mais propensas a dar à luz antes de 37 semanas, e que 45% daquelas que tiveram seus bebês precocemente tinham gengivas inchadas, doloridas ou infectadas. Acredita-se que as bactérias na placa percorrem a placenta através da corrente sanguínea, fazendo com que ela fique inflamada.

“O xilitol bloqueia fatores nocivos ao mesmo tempo em que apoia os mecanismos naturais de proteção que constroem e mantêm dentes e gengivas fortes. Se as estruturas dentárias quebrarem, nossa saúde geral estará ameaçada”, afirma Peldyac.

“Todos os estudos concluem que os problemas periodontais podem agravar outras doenças. A saúde bucal é fundamental para a saúde sistêmica”, afirma o professor Antonio Wilson Sallum, uma das maiores autoridades em Periodontia do País.

Ressaltando a importância de uma anamnese completa antes de qualquer tratamento odontológico, Sallum aponta que após os 40 anos de idade, a maioria das pessoas faz uso de algum tipo de medicamento. Por isso, o cirurgião-dentista tem que estar a par para saber como isso pode afetar a condição periodontal do paciente. “O sorriso vem acompanhado da saúde sistêmica e psicológica do paciente. É preciso perguntar tudo em uma anamnese”, aconselha.

Para o cirurgião-dentista Cassiano Rosing, de Porto Alegre (RS), a Periodontia é a base para a clínica odontológica. “A gengiva é o que segura os dentes. Não é possível fazer nenhum tratamento odontológico em um dente que já esteja perdido. É como construir uma casa sobre uma viga que não esteja firme”, compara.

Rosing ressalta que não é possível fazer um tratamento estético, por exemplo, em uma gengiva doente. “Infelizmente, muitas pessoas se preocupam mais com o que se chama estética branca, sobre clarear a cor dos dentes, quando a gengiva está vermelha em excesso, inflamada”, lamenta, destacando que a estética vem antes da beleza. “A saúde vem antes da estética. Não é bonito alguém que tenha mau hálito”, observa.

O especialista explica que a base dos problemas de gengiva tem a ver com o acúmulo de placa nos dentes, e destaca o tabagismo e a diabetes não controlada como importantes fatores de risco para doenças periodontais. “O estresse, a depressão, o consumo abusivo de álcool e a obesidade também contribuem muito para os problemas gengivais”, diz Rosing, apontando que além de as doenças emocionais baixarem a imunidade dos pacientes, no caso da obesidade há um estado inflamatório sistêmico já estabelecido.

Assim como os problemas periodontais compartilham fatores de risco com outras doenças, um estilo de vida saudável, aconselhável para quem sofre de cardiopatias ou outras condições sistêmicas, também coopera para uma boa saúde bucal. “Quando uma pessoa faz exercício físico, aumenta o colesterol bom, diminui o ruim, diminui o estado inflamatório e aumentam os limiares de tolerabilidade de formação de placa”, afirma.

Cassiano Rosing participa de um grupo de profissionais que busca comprovar, por meio de evidências científicas, que a Odontologia precisa fazer parte dos programas de saúde básica. “Assim como as publicidades mostram pessoas correndo, fazendo exercícios e se alimentando corretamente, como exemplo de vida saudável, queremos associar a esse conceito a imagem de uma pessoa escovando os dentes. A higiene bucal é parte da higiene corporal”, comenta.

Cuidados básicos

Tema que divide opiniões, as teorias sobre a quantidade de escovações diárias variam entre as opiniões dos especialistas. Segundo Rosing, mundialmente, nos países desenvolvidos, recomenda-se escovar os dentes duas vezes ao dia. No Brasil são três. “É uma questão cultural. Para as doenças de gengiva, seria possível escovar os dentes uma vez a cada dois dias, mas não podemos fazer algo que seja bom para a gengiva e prejudique os dentes. Recomendamos pelo menos duas vezes ao dia, com creme dental com flúor para proteger da cárie”, diz.

“Estamos vivendo um período de uma epidemia de excesso de cuidado. Pessoas correndo além do que podem, fazendo exercícios desordenadamente, assim como tem muita gente escovando os dentes cinco, seis ou até sete vezes ao dia, e isso não é recomendável. Mesmo os fumantes, o que eles têm que fazer para tirar o cheiro do cigarro é parar de fumar”, aponta.

Na área interdental, o especialista recomenda o uso do fio dental uma vez ao dia como suficiente, e acrescenta que a escovação é algo que deve que ser feito com cuidado, usando escovas macias ou extramacias e sem força.

“Não se deve descontar a raiva nos dentes”, orienta Rosing, apontando o exemplo de pessoas que praticam a escovação com muita força. Para esses casos, especialmente, ele recomenda o uso de escovas elétricas que têm um sensor de pressão que desliga o aparelho quando a pessoa excede a força da pressão sobre os dentes. “Antigamente, essas escovas eram indicadas para uso em pessoas acamadas, com algum tipo de deficiência ou dificuldades motoras, mas hoje já é um consenso recomendar seu uso para todos, sem achar que é algo supérfluo ou de moda”.

Sobre a obrigatoriedade de escovação após as refeições, Rosing aponta que este é um conceito cultural e enganador. “A escovação não serve para tirar o resto de comida dos dentes, mas para tirar a placa. Uma das escovações do dia tem que ser obrigatoriamente antes de dormir”, indica.

Ele explica que durante a noite diminuímos a salivação, que é uma proteção. Então, as bactérias que estão ali se proliferam, produzindo mais ácido, que é o que causa cárie, tornando-se um ambiente ideal para desmineralizar os dentes. Ele diz também que não há nenhum estudo conclusivo sobre se deve-se escovar os dentes ao acordar ou após o café da manhã.

Apontando o sangramento da gengiva como o principal sinal de que há um problema periodontal, Rosing desmistifica o conceito de que a coloração seja o melhor indicador para analisar a saúde periodontal. “Pessoas de pele clara têm a gengiva rosada e as de pele escura podem ter a gengiva marrom e perfeitamente saudável. A gengiva saudável, independentemente da cor, é a que não sangra”, esclarece.

Ele destaca também que, ao contrário do que muitas pessoas pensam, já há evidências científicas que confirmam que o bruxismo não afeta a gengiva, nem causa perda óssea. Sobre as pessoas que fazem tratamento ortodôntico, ele recomenda fortemente que sejam acompanhadas por um periodontista, caso seu ortodontista não faça esse trabalho. “Não adianta terminar o tratamento com os dentes todos alinhados e, quando tirar o aparelho, os dentes estão frouxos e correm o risco de cair por causa da gengiva doente”, conclui.