A inexistente “Odontologia Biológica” e o mito da contaminação por amálgama

A inexistente “Odontologia Biológica” e o mito da contaminação por amálgama

Compartilhar

“Odontologia Biológica”? Estratégias de marketing sem embasamento levam desinformação e contradizem a Ciência.

Mais uma vez, o mau uso das redes sociais tem disseminado informações inverídicas e sem nenhum embasamento científico sobre um possível risco de contaminação por mercúrio em pacientes que possuem restaurações de amálgama. Com o intuito de oferecer o serviço de remoção desse material, algumas clínicas e cirurgiões-dentistas se autointitulam praticantes de uma “Odontologia Biológica ou Integrativa”, especialidade inexistente entre as reconhecidas pelo Conselho Federal de Odontologia (CFO), praticando uma narrativa enganosa, que confunde pacientes, leigos e até profissionais mal informados.

O assunto tomou proporções tão grandes que chamou a atenção de órgãos internacionais, como a International Association for Dental Research1 que, em 2020, publicou uma declaração de política e posicionamento sobre a segurança do amálgama dental, com base em estudos da Food and Drug Administration (FDA)1. O Comitê Científico sobre Riscos Emergentes e Recém- Identificados à Saúde, da União Europeia, também afirma que não há evidências sobre efeitos adversos à saúde causados pelo mercúrio presente no amálgama odontológico, não sugerindo a necessidade de remoção preventiva dessas restaurações2.

O mercúrio é um metal pesado que, em sua forma elementar ou orgânica, realmente oferece riscos à saúde e ao meio ambiente, o que levou a Convenção de Minamata3 a iniciar um movimento mundial pela redução do seu uso. O amálgama é uma liga metálica que contém mercúrio em sua composição, mas os níveis do metal nas restaurações dentárias são muito baixos e não representam perigo à saúde, mesmo que toda a boca seja reabilitada com amálgama.

Outra falácia da “Odontologia Biológica” que tem circulado pelas redes sociais é sobre o risco de envenenamento ou intoxicação na retirada das restaurações de amálgama, vinculando mais uma vez esse tipo de informação à contratação de “serviços especializados” com “protocolos de segurança específicos”.

O professor e pesquisador do curso de Odontologia da Universidade Federal de Pelotas (RS), Rafael R. Moraes, que realiza o trabalho em conjunto com a Sociedade Brasileira de Pesquisa Odontológica (SBPqO), explica os procedimentos. “Os instrumentais e equipamentos utilizados há décadas por cirurgiões-dentistas são suficientes e seguros para proteção de profissionais e pacientes na remoção das restaurações de amálgama, incluindo EPIs tradicionais, sugador e dique de borracha. Não existem estudos controlados sobre protocolos de desintoxicação que não devem ser prescritos a pacientes”, afirma.

Segundo ele, a baixa capacidade de pacientes – e até de alguns profissionais da Odontologia – em interpretar evidências científicas, corrobora para que esse tipo de notícia se alastre, podendo, inclusive, causar insegurança a alguns cirurgiões-dentistas menos informados sobre o tema.

Também sem nenhuma evidência científica, algumas publicações chegam a mencionar enfermidades que podem ser adquiridas devido ao uso das restaurações de amálgama, levando pessoas a serem sugestionadas e testemunharem que sentiram melhoras após removê-las, em relatos sem o menor embasamento.

Rafael aponta que estudos comprovaram que, mesmo na época em que o mercúrio era manipulado nos consultórios, o uso de irrigação, sugador e isolamento com dique de borracha eram suficientes para filtrar 99,5% do vapor de mercúrio liberado na remoção das restaurações4.

A replicação dessas falsas informações, seja por desconhecimento ou propositalmente, priorizando apenas uma estratégia de marketing e vendas, pode configurar charlatanismo e em nada acrescentam à prática da Odontologia, área da Saúde na qual o Brasil se destaca internacionalmente.

Referências

1. Ajiboye AS, Mossey PA, IADR Science Information Committee, Fox CH. International Association for Dental Research policy and position statements on the safety of dental amalgam. J Dent Res 2020;99(7):763-8.
2. Scientifi c Committee on Emerging and Newly Identifi ed Health Risks. The safety of dental amalgam and alternative dental restoration materials for patients and users. Brussels (Belgium): European Commission, 2015. Acesso em: 08 ago. 2022.
3. United Nations Environment Programme, Minamata Convention of Mercury. Disponível em: <https://www.mercuryconvention.org/en>. Acesso em: 08 ago. 2022.
4. Nimmo A, Werley MS, Martin JS, Tansy MF. Particulate inhalation.