Especialistas dão dicas para a utilização desta ferramenta de divulgação de forma assertiva e sem descumprir o código de ética.
A Odontologia tem encontrado nas mídias sociais um caminho cada vez mais percorrido por cirurgiões-dentistas para divulgar clínicas, procedimentos, cursos e até mesmo suas imagens pessoais atreladas à atividade profissional. A ação pode trazer resultados muito positivos quando bem estruturada, mas a exposição desordenada, sem um planejamento estratégico, pode se tornar ineficaz e até prejudicial.
O consultor e especialista em gestão de negócios para a Odontologia, Ricardo Lenzi, explica que o primeiro passo é ter uma ampla compreensão do que é marketing. “As mídias sociais são canais de comunicação que podem ser escolhidos dentro de um conjunto de ações promocionais que, por sua vez, fazem parte de um plano de ação de marketing”, diz.
Lenzi indica que o cirurgião-dentista só deve promover algo nas redes sociais quando tiver estruturado todo o planejamento de marketing de sua clínica, e isso passa pela elaboração do posicionamento estratégico, principalmente com a definição do público-alvo para o qual a clínica focará a entrega dos serviços.
Outros aspectos que Lenzi considera importantes para o planejamento estratégico são a revisão da identidade e comunicação visual interna, principalmente do ambiente da clínica, formatação dos processos e scripts comercial e de atendimento.
“Também é preciso ter uma rotina perene de treinamento de pessoal, além da escolha de ferramentas de tecnologia de informação que devem ser incorporadas ao processo para que se consiga agilidade em todo o funil de vendas”, diz Lenzi. O consultor destaca que somente depois de ter toda essa estrutura consolidada é que se deve trabalhar um plano de comunicação para a clínica ou para o profissional. Atualmente, esse planejamento passa também pelo ambiente digital.
O gestor aponta que a comunicação nas redes sociais comporta outros passos importantes, com questões que precisam ser respondidas de forma assertiva:
• Quais canais utilizar?
• Como organizar e formatar seus perfis?
• Quais pilares de comunicação determinarão o conteúdo?
• Qual é a linguagem adequada?
• Como serão os criativos?
Sobre este último ponto, Lenzi acrescenta que é necessário um conhecimento sobre neuromarketing, que define o que prende a atenção das pessoas nas redes sociais, considerando dados como cores, forma, disposição dos elementos e texto (copyright), entre outros. A definição de tráfego também deve ser considerada, isso significa decidir se haverá ou não investimento em plataformas como Facebook, Instagram e Google para ampliação da visibilidade. Nesta etapa, é importante projetar a forma de realizar isso para atingir as pessoas certas (seu target).
Lenzi considera importante a presença digital nas redes sociais, mas observa que a maioria dos profissionais falha em como fazer isso por desconhecimento da disciplina do marketing, que se baseia no comportamento humano de consumo.
Marketing digital na captação de clientes
Ricardo Lenzi acredita que as ações nas redes sociais podem ser uma ferramenta de captação de novos clientes, mas orienta que não é um processo fácil, como muitas vezes é preconizado por profissionais de marketing ou até mesmo por cirurgiões-dentistas para promoverem seus serviços. “Não existe caminho curto e simples para qualquer resultado perene, não há pílulas de sucesso. A promessa de gerar leads diários e de obter faturamentos acima de 100 mil reais, entre outras chamadas infundadas, apenas como resultado de ações no ambiente digital, é mentira”, afirma.
No processo de consumo, o consultor ressalta que não são os profissionais que vendem, é o consumidor que compra. “Devemos entender as necessidades e desejos do nosso target, assim como a forma que essas pessoas tomam decisões de compra e o que as seduz a ponto de agirem”, indica, acrescentando que temas como antropologia de consumo, neuromarketing, comportamento e relacionamento humano são ciências básicas para uma comunicação promocional eficaz.
Lenzi pontua que cada público (target) reage de modo diferente a um canal de comunicação. A Odontologia é um serviço que tem como base a confiança, já que pressupõe desconforto e risco. “Imaginando públicos-alvo das classes sociais B e A, formadas por indivíduos cultural e socialmente mais favorecidos, essas pessoas possuem, normalmente, amigos ou familiares que podem indicar profissionais de sua confiança. Não é comportamento padrão dessas classes comprarem fornecedores de serviços que exijam confiança – como médicos, dentistas, advogados, arquitetos – desconhecidos. Esse público, geralmente, se utiliza de suas redes de relacionamento próximas para pedir indicações”, analisa. Ele ainda pondera sobre essas sugestões de conhecidos. “Uma coisa é certa: qualquer indicação fará com que o consumidor vá até as redes sociais para checar quem é o profissional recomendado, a fim de identificar algo que torne sua escolha mais segura”. Por isso, Lenzi reafirma a importância de estar nas redes sociais com um perfil bem estruturado, pois hoje em dia isso também faz parte do processo de indicação.
Na mesma linha de raciocínio, o especialista aponta que classes sociais menos favorecidas são mais suscetíveis à promoção de serviços por meio das mídias sociais, e os resultados de leads são melhores para as clínicas que investem no ambiente digital.
Fama X sucesso profissional
Ter um grande número de seguidores nas redes sociais pode tornar uma pessoa famosa, mas nem sempre isso significa que esse público é formado por clientes ou futuros clientes. Lenzi indica que ser um influenciador digital com muitos seguidores pode ser interessante, mas é necessário que o pretendente a “influencer” entenda que ele necessita de um núcleo de influência, além de temas e formas de comunicar que sejam sedutoras a um determinado público. “O influencer é um produto de si mesmo, uma ferramenta comercial para vender coisas dele mesmo e de outros. Se o profissional tem esse interesse, então é válido buscar atingir um número expressivo de seguidores”, afirma.
Na opinião do especialista, todas as pessoas são influenciadoras de algo para alguém. “Sempre foi assim. Quando a pessoa não era famosa, exercia influência em seu meio social e familiar, enquanto os famosos faziam isso nas mídias tradicionais: TV, rádio, impressos etc. Com o surgimento dos canais digitais, a ampla visibilidade foi democratizada e qualquer pessoa passou a ter esse ‘direito’ à fama por meio do alcance na internet, o que quer dizer que qualquer um pode alcançar certa fama”, analisa, deixando claro que fama não é sinônimo de sucesso nos negócios. Por isso, é importante definir quais são as estratégias pessoais e objetivos de vida.
Terceirização da comunicação
Ricardo Lenzi não é totalmente contrário à contratação de agências de comunicação, mas pondera que isso deve ser feito apenas para consultoria estratégica, definição de conteúdo, criativos, administração de postagem e tráfego.
“Devemos lembrar que o conteúdo é gerado por um núcleo de influência que foi determinado por uma estratégia de marketing. Desta forma, quando queremos promover pensamentos, opiniões, teses e formas de conduta, entre outros conceitos, precisamos criar pessoalmente estes materiais. Para divulgar serviços odontológicos, devemos promovê-los da forma que acreditamos ser o certo técnica e eticamente falando”, indica. Segundo ele, uma empresa de marketing digital não poderá, sozinha, criar isso para uma clínica ou profissional, pois jamais alcançará nos textos (copies) escritos ou falados a essência de seus pensamentos, crenças e valores”, finaliza.
Legislação e ética
O Conselho Federal de Odontologia (CFO) define, por meio de resoluções, as normas e condutas de uso das mídias sociais, de forma a não ferir o Código de Ética profissional. Até o final de 2018, era vedado qualquer tipo de exposição aos cirurgiões-dentistas nas redes. Em janeiro de 2019, a Resolução 196 passou a regulamentar as postagens nas redes sociais, mas não altera a Lei do Código de Ética da Odontologia, de 2012.
A cirurgiã-dentista e conselheira do CFO, Bianca Zambiasi, explica que a resolução teve o objetivo de enquadrar a Odontologia dentro da atual realidade de marketing digital. “O CFO está passando por um processo de edição de um novo Código de Ética para atualização dos termos, que envolve duas comissões de trabalho, além da procuradoria jurídica”, declara Bianca.
As postagens de diagnóstico e conclusão de tratamento, que estavam proibidas antes da resolução, agora são permitidas, mas precisam de autorização dos pacientes e não devem ter imagens do procedimento, apenas rosto ou dentição antes da intervenção e do resultado final. O termo “antes e depois” também fica proibido e deve ser substituído por “inicial e final” ou algo semelhante.
Bianca Zambiasi informa que, nas reuniões plenárias do Conselho de Ética, 80% a 85% dos processos são motivados por propaganda irregular. “A forma de errar menos é entender que a Odontologia não é um produto. Somos prestadores de serviço, e toda a legislação caminha contra a mercantilização da Odontologia”, diz.
Entre as ações que estão proibidas pelo Código de Ética, é possível destacar a divulgação de valores de serviços, o uso de termos depreciativos para a profissão, como termos explicitamente relativos à venda, e promoções como sorteios ou gratuidade em avaliações.
Imagens relativas ao transcurso de procedimentos, que exibam cortes e sangramento de tecidos biológicos ou o passo a passo de técnicas, também são vedadas porque nas redes sociais estarão disponíveis não apenas a cirurgiões-dentistas, mas também ao público leigo. Já a promoção de cursos, apenas divulgando datas e temas, é permitida. “A regulação existe para que os cirurgiõesdentistas promovam a saúde bucal e seu trabalho, mas não para que ensinem procedimentos em vídeos. O paciente não está interessado em ver sangue”, pontua Bianca.
A conselheira do CFO também chama a atenção para o cuidado em não divulgar e nem realizar cursos de especialidades ou técnicas não reconhecidas, e cita a título de exemplo um “curso de Odontologia biológica”. “Isso não existe. E se o CFO identifica algo que não tenha comprovação científica, também considera como infração ao Código de Ética”, afirma.
Bianca destaca que as permissões foram concedidas com o intuito de não deixar os profissionais da Odontologia aquém das outras áreas que já utilizam as mídias sociais como forma de comunicação com o público. No entanto, isso precisou ser feito por meio de uma resolução oficial, para que haja normas que norteiem as ações, para que sejam realizadas da maneira correta.
Bianca reconhece que a maioria dos cirurgiões-dentistas que infringem o Código de Ética em postagens nas redes sociais não faz isso por má fé, mas sim por falta de informação. Nas palestras que ministra sobre ética nas redes sociais, Bianca aponta que as postagens que têm maior engajamento do público são as que promovem saúde bucal, com informações básicas ao público leigo.
A cirurgiã-dentista explica que o trabalho de fiscalização funciona por denúncia e também por ação proativa do Conselho de Ética, por meio dos Conselhos Regionais, e as entidades têm se organizado para utilizar os recursos tecnológicos disponíveis para realizar essa fiscalização. O CFO funciona como uma segunda instância, quando o cirurgião-dentista recorre da decisão punitiva dos Conselho Regional em questão.
Nesse procedimento, os CROs enviam um termo de ajustamento de conduta (TAC) aos cirurgiões-dentistas, determinando um prazo para que corrijam o que for necessário suas redes sociais. “Como as postagens são um fato já consumado, e a informação irregular já foi publicada, de qualquer forma é instaurado um processo, mas o fato de o profissional atender ao TAC e aplicar as correções sugeridas pesa a seu favor nesse processo e pode ter sua pena amenizada”.
Bianca diz que um estudo do CFO aponta um aumento expressivo de processos éticos sobre cirurgiõesdentistas com até cinco anos de formação. “Entendo isso de duas maneiras. A primeira é que os profissionais mais jovens estão mais engajados nas redes sociais e acostumados com esse ambiente. A segunda questão é que muitos recém-formados acabam se tornando responsáveis técnicos de grandes redes odontológicas franqueadas, cujo planejamento de marketing normalmente é feito por agências, sem envolver cirurgiões-dentistas, e acabam infringindo o Código de Ética por falta de conhecimento. Com isso, os processos dos CROs acabam recaindo sobre os responsáveis técnicos”, explica.
Uma importante recomendação de Bianca é que os cirurgiões-dentistas busquem se informar sobre o que é e não é permitido pelo CFO em termos de utilização das redes sociais antes de divulgarem os seus trabalhos, e considerem isso em seus planejamentos de marketing de forma a evitar processos do Conselho de Ética Odontológica, que podem ter um peso negativo em suas carreiras.