Especialistas citam os principais erros que levam cirurgiões-dentistas a perder dinheiro na administração de seus negócios.
O consultório está montado, a carteira de clientes é boa, os equipamentos estão completos e o atendimento é diário, muitas vezes, inclusive, aos finais de semana. De repente, as despesas ficam maiores que a receita, as contas não batem e o cirurgião-dentista se vê obrigado a reformular sua estratégia de negócios – se houver uma – ou até corre o risco de fechar as portas quando descobre o problema tarde demais. Esse cenário é mais comum do que se imagina e, na maioria das vezes, acontece por erros básicos de gestão que podem e devem ser evitados.
A Sorrisos Brasileiros conversou com especialistas que apontam quais os principais fatores que levam consultórios e clínicas odontológicas ao insucesso financeiro.
Alex Rosendo, sócio diretor da consultoria BCX, observa que focar somente no aumento do faturamento não significa necessariamente que o negócio esteja indo bem. “O mais importante é ter lucratividade. E isso depende de uma combinação de fatores”, afirma.
Ele diz que é muito comum que um consultório pequeno tenha mais lucratividade que uma clínica com várias salas de atendimento, pois consegue ter uma gestão mais prática, com menos desperdício e equipe menor. “As grandes clínicas têm faturamento muito alto, mas os problemas e despesas são relativamente proporcionais a esse crescimento, o que geralmente compromete a lucratividade”, pondera.
O que levar em conta na análise das contas
Rosendo aponta alguns indicadores que devem ser considerados para que a gestão da clínica não leve a um prejuízo. O custo da operação é o primeiro ponto. “O cirurgião-dentista precisa saber calcular o valor da sua hora de trabalho. Se o consultório está aberto, independentemente de estar atendendo ou não, a hora desse profissional tem um custo. E, para que ele tenha lucratividade, muitas vezes tem que multiplicar esse valor/hora por quatro”, indicando que, em geral, recomenda que o custo da operação seja quatro vezes menor que o faturamento.
O especialista indica que devem ser relacionados os custos fixos e variáveis do consultório, chegando a um resultado que considere um mínimo de 15% para a lucratividade. Entende-se por custo fixo as despesas com contas de consumo, salários, benefícios para funcionários, aluguel, condomínio e IPTU, entre outros, e o custo variável engloba os gastos com o dia a dia do consultório, como insumos, aluguel de equipamentos, material de limpeza e eventuais despesas extras.
“Muitas vezes, um consultório está com bom faturamento e decide abrir mais uma sala. As despesas vão dobrar, mas o faturamento não aumenta necessariamente. Por isso, o crescimento do consultório ou clínica deve ser bem planejado”, alerta.
Entre os fatores que podem influenciar no sucesso financeiro do negócio, Rosendo aponta a importância do equilíbrio entre localização, estrutura e público. “Um consultório localizado em uma região nobre, vai atrair um público de maior poder aquisitivo. Porém, também precisa ter um investimento mais alto em infraestrutura, equipamentos e tecnologia. Caso contrário, corre o risco de não atender as expectativas ou exigências da clientela daquele lugar. Da mesma forma, não é eficaz montar uma estrutura luxuosa em locais onde a população tenha menor poder aquisitivo e possa não ter condições de ser atendida em um consultório de alto padrão”, orienta.
A precificação dos serviços e procedimentos também é um fator fundamental para uma boa gestão administrativa. Nesse quesito, Rosendo explica que devem ser considerados desde o valor da hora de trabalho do profissional até a infraestrutura oferecida, composta pela localização, pela tecnologia, pelo conforto, pela especialização dos profissionais, pelo atendimento, entre outros.
Ganho pessoal: como calcular?
O pró-labore – ou retirada mensal do cirurgião-dentista – é outro tema que merece muita atenção. O especialista aponta que um dos erros mais comuns de gestão é misturar as contas pessoais com as do consultório e, assim, não saber determinar o valor da retirada mensal, achando que todo o valor que sobra depois do pagamento das contas fixas pode ser utilizado de forma particular pelo cirurgião-dentista.
Segundo ele, o profissional pode estabelecer um valor de pró-labore fixo mensal, desde que ele seja condizente com o faturamento e sem comprometer a lucratividade. Essa retirada também pode mudar de acordo com o movimento financeiro do mês, mas sem deixar os custos fixos e variáveis descobertos. Estabelecer uma porcentagem sobre o lucro pode ser uma maneira de não fazer retiradas indevidas, mas condizentes com o faturamento
O especialista em marketing na área da Saúde, Daniel Brito, de São Paulo, tem uma visão que difere da maioria dos profissionais de gestão quando dizem que todo cirurgião-dentista é um empresário. “Todo empresário visa ao lucro. E, nessa área, o profissional liberal deve visar, primeiramente, à promoção da saúde. O lucro é a consequência”, define Brito.
Segundo ele, o cirurgião-dentista pode ser considerado um empreendedor na área da Saúde. “Se ele atende bem o paciente, se cria uma infraestrutura organizada onde o paciente está no centro dos processos e tudo funciona em prol dele, consequentemente haverá lucro”, pondera.
A visão de Daniel Brito critica, basicamente, os cirurgiões-dentistas que colocam os ganhos financeiros como objetivo principal do exercício da profissão. Para o especialista, a organização é a base para que o profissional da Odontologia não tenha prejuízos com seu consultório ou clínica. Ele indica que o uso da tecnologia é fundamental para isso.
“Há ótimos softwares de gestão, inclusive com sistemas específicos para a Odontologia, que facilitam os procedimentos administrativos, como o controle das despesas fixas e variáveis, que determinam a precificação dos serviços”, diz.
Brito aponta como princípio fundamental a importância de manter um fundo de reserva de pelo menos três vezes o valor do custo fixo. “A pandemia de Covid-19 nos deu um recado muito claro sobre isso. As adversidades ou a sazonalidade podem pegar qualquer um de surpresa. E, se o profissional não estiver preparado para isso, pode até ter que fechar seu consultório, como aconteceu com muitos”, ressalta.
O processo de compra de materiais, equipamentos e insumos também é uma questão destacada pelo especialista. “O profissional liberal não pode comprar por impulso e nem quando está faltando. Isso o submete às regras do mercado. Se ele tem um controle de estoque, fazendo uma relação dos itens que mais usa, dos que usa de vez em quando, e dos que raramente usa, para ter um melhor controle. Isso permite que as compras sejam planejadas em função da sua demanda”, detalha.
Para que o profissional da Odontologia mantenha a gestão do seu consultório sob controle, Brito indica que ele separe diariamente um momento para a conferência de entradas e saídas, administrando e recalculando rotas que sejam necessárias.
Os investimentos em estratégias de marketing e divulgação também são pontos fundamentais, segundo ele. “O profissional deve colocar isso em sua rotina de trabalho. Se não tiver habilidade para fazer essas ações pessoalmente, precisa contar com o apoio de profissionais especializados. Hoje, para sobreviver no mercado, o cirurgião-dentista não pode abrir mão da gestão, do marketing e da publicidade”, finaliza Brito.
Vivendo o problema e buscando a solução
O cirurgião-dentista Heitor Reis, de São Paulo, está há 36 anos no mercado e se considera um profissional atuante e que gosta muito de estudar e se manter atualizado. No entanto, ele confessa que demorou muito tempo para se entender como um empreendedor, responsável pela gestão do seu negócio, apesar de todo o sucesso que alcançou tecnicamente na profissão.
“Não é porque você não tem uma carteira registrada ou um patrão que não corre o risco de ir à falência. Durante minha vida profissional, eu agi como um mau funcionário de uma empresa qualquer. Eu ia para meu consultório, atendia os pacientes muito bem porque gosto do que faço, mas eu não me preocupava em crescer economicamente. Na minha cabeça, eu achava que isso aconteceria naturalmente”, explica Reis.
De acordo com o cirurgião-dentista, os profissionais de sua geração foram criados para ter agenda cheia e para que todos os pacientes só queiram se tratar com um único profissional. “Se eu tivesse sido criado com uma cabeça empreendedora, não desejaria minha agenda cheia, mas sim as dos meus colaboradores, e não desejaria que todos os pacientes quisessem ser atendidos por mim, mas sim pela minha equipe”, explica.
Reis enumera algumas lições que aprendeu com os erros que cometeu ao longo das mais de três décadas de trabalho na clínica odontológica. “Nunca misturar dinheiro do consultório com a vida pessoal. A pessoa jurídica é um sócio seu, na forma da lei. Ao fazer isso, você rouba seu sócio. Contratar uma consultoria especializada para te ensinar a gerir seu consultório. Nunca gastar mais do que ganha. Aprender a comprar e a fazer pesquisa de preços. Calcular a precificação dos serviços segundo a sua realidade, e não a do colega com quem você conversa”, pontua.
O profissional ainda destaca que existem outros tipos de investimento que devem estar na mente dos cirurgiões-dentistas. “Tenho colegas que não participam de congressos porque não têm dinheiro. Isso tem que fazer parte do planejamento, senão o profissional não evolui tecnicamente e, consequentemente, não pode oferecer um serviço mais especializado”, alerta.
A gestão é importante, inclusive, para o planejamento de uma aposentadoria. Muitos cirurgiões-dentistas precisam diminuir bastante o padrão de vida depois que param de trabalhar. “Tenho 36 anos de profissão, e estou aprendendo agora a fazer a gestão do meu negócio na Odontologia. Nunca é tarde para tomar essa decisão”, finaliza Reis.