Mais complexa que o medo corriqueiro, a odontofobia exige uma atenção especial e, muitas vezes, acompanhamento psicológico.
O som do “motorzinho”, a anestesia, o tratamento dolorido, o desconforto, a insegurança. A consulta odontológica tem aspectos que podem provocar medo nos pacientes. Este é um sentimento relativamente comum e, de certa forma, está arraigado no imaginário e comportamento de muitas pessoas. No entanto, existem casos em que o medo passa a ser uma questão patológica, chegando à odontofobia. Esta é uma condição mais complexa e a forma de lidar com um paciente odontofóbico requer atenção e cuidados específicos.
Um estudo da Oral Health Foundation, instituição de caridade em saúde bucal com sede no Reino Unido, indica que 36% das pessoas entrevistadas relataram não fazer visitas frequentes ao cirurgião-dentista por sentir medo. No Brasil, outros estudos apontam que 15% da população sofre de ansiedade odontológica. É um número considerado alto, que não pode ser subestimado.
O psicólogo Rodrigo Leal, do Espírito Santo, explica que o medo é um processo natural que acontece como forma de autoproteção. Segundo ele, a pessoa desprovida de medo pode se colocar em situações de alto risco sem perceber ou se abalar por isso.
Mas há uma grande diferença: o medo é controlável, a fobia não. Trata-se de um medo exacerbado, que paralisa o indivíduo. “De maneira geral, a fobia já nasce com a pessoa. Se, por exemplo, ela for ansiosa e viver em um ambiente que favorece esse estado, isso pode deflagar o aparecimento da fobia”, diz Leal.
Ele explica que as pessoas fóbicas costumam ser muito corajosas e capazes de se colocar em situações de risco. Por isso, o próprio processo psíquico elabora bloqueios que fazem com que ela sinta fobia de determinadas situações, de forma a proteger a pessoa dela mesma. “Esse medo exacerbado pode ser direcionado para qualquer coisa: insetos, altura, lugares fechados e outros”, detalha.
Segundo o especialista, o medo de ir ao dentista pode acontecer por alguma experiência negativa anterior, seja em uma consulta odontológica ou até mesmo algo que exista naquele ambiente e que possa ativar nesse paciente uma memória emocional negativa, que lhe cause um medo incontrolável.
“A fobia também pode ser genética ou hereditária”, afirma Leal. O psicólogo diz que, em outros casos, o indivíduo cria essa fobia mentalmente. Não é algo que tenha nascido com ele. “Esses casos são mais fáceis de ser revertidos”, afirma.
O próprio atendimento odontológico pode ser o deflagrador de uma condição fóbica. Leal cita como exemplo uma situação em que o cirurgião-dentista diga alguma palavra ou tenha uma atitude mais ríspida, que venha a provocar esse estado de ansiedade e medo no paciente
A odontofobia não surge necessariamente na infância. Ela pode ser deflagrada em qualquer momento da vida. “Tenho um amigo que ficou seis anos sem ir ao cirurgião- dentista porque desenvolveu fobia devido ao comportamento agressivo de um profissional que o atendeu. Quando teve um problema nos dentes e precisou ir a outro cirurgião-dentista, foi muito bem atendido e esse medo foi se dissipando”, conta.
Em casos mais graves, Rodrigo diz que a pessoa pode chegar a ter uma parada cardíaca em uma crise de fobia, por isso, essa condição não deve ser subestimada.
Mas, Rodrigo Leal alerta que esses procedimentos podem provocar um relaxamento e conforto momentâneos, o que não significa que a pessoa seja curada da odontofobia. “O ideal é que o cirurgião-dentista oriente seu paciente a buscar ajuda profissional de um psicólogo para tratar essa condição, que pode prejudicá-lo em diversos momentos da vida ou até se tornar crônico e facilitar o desenvolvimento de outras fobias”, conclui.
O psicólogo Marcos Raul sugere que, diante de um paciente fóbico ou com medo, o cirurgião-dentista apresente o consultório a essa pessoa, deixe que ela toque nos instrumentos, saiba como e para que são usados. “As pessoas tendem a temer o desconhecido, e ficam mais à vontade quando entendem os processos”, pondera.
O psicólogo explica que há tratamentos de fobia, atualmente, em que se trabalha com realidade virtual. “Com óculos 3D, podemos levar a pessoa a um consultório odontológico sem que ela de fato esteja lá. Aos poucos, vamos acrescentando nas imagens os elementos que possam disparar os gatilhos de medo, como o barulho do motor, os instrumentos, a iluminação, os cheiros. Dessa forma, por estar em um ambiente controlado, ela vai se habituando e associando que aquilo não representa uma ameaça”.
Marcos menciona também a sedação e a hipnose como técnicas que podem ser utilizadas para provocar o relaxamento do paciente com odontofobia.
Como reconhecer e lidar com um paciente fóbico
A sudorese exacerbada, mãos e voz trêmulas podem ser sinais de que o paciente seja odontofóbico. Ao perceber esses sintomas, o cirurgião-dentista deve procurar tranquilizar o paciente, primeiramente conversando, buscando deixá-lo confortável e relaxado. “Um bom método é ir detalhando cada passo do procedimento a ser realizado. Explicar que vai aplicar uma anestesia para que a pessoa não sinta dor; dizer que o motor faz um pequeno ruído, mas que isso é normal, e assim por diante”, orienta. Esse comportamento, de acordo com o psicólogo, faz com que o paciente sinta confiança no profissional e perceba que este está atento a seu estado de medo.
A respiração é uma técnica que pode ser utilizada para ajudar a pessoa a relaxar. “O cirurgião-dentista pode estimular o paciente a respirar devagar e profundamente, segurar um pouco a respiração e depois soltar o ar também lentamente, repetindo esse procedimento algumas vezes, até que o batimento cardíaco começa a desacelerar”, sugere.
Em casos mais graves, Rodrigo diz que a pessoa pode chegar a ter uma parada cardíaca em uma crise de fobia, por isso, essa condição não deve ser subestimada.
Mas, Rodrigo Leal alerta que esses procedimentos podem provocar um relaxamento e conforto momentâneos, o que não significa que a pessoa seja curada da odontofobia. “O ideal é que o cirurgião-dentista oriente seu paciente a buscar ajuda profissional de um psicólogo para tratar essa condição, que pode prejudicá-lo em diversos momentos da vida ou até se tornar crônico e facilitar o desenvolvimento de outras fobias”, conclui.
O psicólogo Marcos Raul sugere que, diante de um paciente fóbico ou com medo, o cirurgião-dentista apresente o consultório a essa pessoa, deixe que ela toque nos instrumentos, saiba como e para que são usados. “As pessoas tendem a temer o desconhecido, e ficam mais à vontade quando entendem os processos”, pondera.
O psicólogo explica que há tratamentos de fobia, atualmente, em que se trabalha com realidade virtual. “Com óculos 3D, podemos levar a pessoa a um consultório odontológico sem que ela de fato esteja lá. Aos poucos, vamos acrescentando nas imagens os elementos que possam disparar os gatilhos de medo, como o barulho do motor, os instrumentos, a iluminação, os cheiros. Dessa forma, por estar em um ambiente controlado, ela vai se habituando e associando que aquilo não representa uma ameaça”.
Marcos menciona também a sedação e a hipnose como técnicas que podem ser utilizadas para provocar o relaxamento do paciente com odontofobia.
A experiência no consultório
O cirurgião-dentista Otávio Ribeiro, de São Paulo, é especializado em Implantodontia e tem 18 anos de carreira. Ele conta que recebe muitos pacientes em seu consultório que relatam sentir muito medo. “Como normalmente eles vêm para repor um dente perdido, percebo que na maioria dos casos eles chegam com traumas de uma Odontologia que, no passado, não contava com a tecnologia e os procedimentos que temos hoje, tanto no sentido técnico como na forma de atender.
Alguns chegam praticamente mutilados por tratamentos realizados de maneira mais rústica, o que consequentemente gerou esse medo e até fobia”, descreve.
Ribeiro diz que muitos pacientes relatam, em detalhes, que foram ao consultório odontológico na adolescência para um tratamento de cárie e o profissional indicou a extração do dente com anuência do pai ou responsável. “Eles contam que se lembram da dor, da força que o profissional fez para extrair o dente, do sangramento, e isso os marcou para sempre”, detalha.
O especialista considera que, hoje em dia, a Odontologia está mais humanizada. As técnicas, que antes eram mutiladoras, atualmente são reparadoras, o que pode ter criado gerações de pessoas odontofóbicas.
De acordo com o psicólogo, os pacientes que sentem mais medo entendem a Implantodontia como uma cirurgia, por menos invasivo que o processo possa ser. E, só de ouvirem a palavra “cirurgia”, já ficam trêmulos.
“Antes de iniciar qualquer procedimento, eu faço a aferição da pressão arterial dos pacientes. Quando a pressão está alta e eu percebo que a pessoa está com medo, ofereço um copo de água, converso um pouco sobre outros assuntos, espero que ela se sinta mais relaxada e, normalmente, quando faço a aferição novamente, a pressão já baixou”, destaca Ribeiro.
Ele conta que, por duas vezes, passou pela situação de iniciar o atendimento e os pacientes praticamente pularam da cadeira, em pânico, e se recusaram a continuar. “Depois de muita conversa, eles remarcaram o procedimento e vieram acompanhados de pessoas com quem se sentiam mais confiantes e conseguimos concluir”, relembra.
Ribeiro tem uma sequência de procedimentos para lidar com pacientes que demonstram muito medo ou fobia: “Procuro conversar para descobrir de onde vem esse medo, mostro que hoje em dia os tratamentos são modernos e indolores, e, em alguns casos, indico outros profissionais, como psicólogos ou psicoterapeutas”, relata.
“A visão multidisciplinar é muito importante na Odontologia, não apenas na questão da odontofobia, mas também para a saúde sistêmica do paciente, de maneira geral”, finaliza.
Odontofobia na infância
A Odontopediatria provavelmente é a especialidade que lida com maior frequência com o medo dos pacientes. “Muitas vezes, os próprios pais utilizam a visita ao cirurgião-dentista como uma ameaça ou castigo, caso a criança tenha um comportamento indevido, e quando ela precisa ir, esse medo já está instalado”, diz a odontopediatra Carolina Portilho Pinheiro, de Ribeirão Preto, interior de São Paulo.
Ela também observa que em algumas situações os pais sentem medo de ir ao consultório odontológico e transferem essa sensação para as crianças. “Apesar de sermos especializados em atender crianças, nós, odontopediatras, também temos que saber lidar com os adultos nesse sentido porque eles sempre acompanham as crianças, e é comum que, mesmo sem querer, fiquem instigando a fobia, perguntando se a criança está sentido dor, se está com medo”, exemplifica Carolina.
Em muitos casos, a fobia na fase adulta é o estágio avançado de um medo que surgiu na infância. No entanto, também há crianças que já desenvolvem um comportamento odontofóbico mesmo quando vão passar por atendimento odontológico pela primeira vez. “Já recebi crianças que tiveram uma crise de pânico e não me deixaram nem chegar perto delas”, conta Carolina.
Ela diz que sempre procura colocar os pais ou responsáveis sentados em um local em que a criança possa vê-los, e se sentirem mais seguras. Mas, ao notarem o semblante de medo do responsável, é muito provável que a criança também se sinta insegura e temerosa.
Já faz parte da rotina do odontopediatra criar mecanismos para deixar a criança segura, descontraída e relaxada na cadeira. Isso vai desde a forma como tratam os pequenos até detalhes como decorações temáticas, disponibilização de brinquedos, vídeos com os desenhos favoritos, tudo para criar um ambiente agradável e acolhedor, que afaste qualquer sensação de medo.
Carolina aponta que, quando se lida com criança, é importante nunca mentir. “Quando eles perguntam se o procedimento está acabando, sempre digo a verdade, de maneira positiva, como: ‘falta só eu fazer tal coisa e depois acaba”. Ela observa que o odontopediatra tem um papel muito importante no sentido de preparar a criança para não se tornar um adulto com odontofobia.
O psicólogo Rodrigo Leal aconselha que adultos nunca digam para a criança não ter medo de ir ao cirurgião-dentista. “O cérebro humano não reconhece a palavra ‘não’. Então, quando um adulto diz que a criança não pode ter medo de determinada coisa, ela passa a criar uma relação de medo com aquilo”, descreve.
O psicólogo Marcos Raul finaliza lembrando a importância da conduta empática do cirurgião-dentista diante de um paciente ansioso, com medo ou até com odontofobia. “É fundamental saber escutar esse paciente, não apenas pelo que ele fala, mas nos gestos, no comportamento. Perceber se ele está ansioso, falando demais, fazendo muitas perguntas. É preciso acolher essa pessoa. Não medir o sofrimento do outro com a nossa régua”, diz, citando uma frase do psiquiatra e psicoterapeuta Carl Jung, que diz: “aprenda todas as técnicas, entenda todas as práticas, mas diante de outra alma humana seja apenas uma alma humana”.