Quando as artes plásticas e a Odontologia se encontram

Quando as artes plásticas e a Odontologia se encontram

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Artes plásticas e Odontologia: cirurgiões-dentistas usam suas habilidades manuais e talentos da profissão para brilhar com a produção de quadros e esculturas.

Não é raro vermos definições que descrevem a Odontologia como uma arte. Essa comparação acontece especialmente graças à habilidade manual necessária para a prática da profissão. Esculpindo sorrisos, cirurgiões-dentistas não apenas solucionam os problemas bucais, mas devolvem ou fortalecem a autoestima de seus pacientes. E, executando esta atividade em que a sensibilidade é uma característica essencial, alguns profissionais da Odontologia descobrem inspiração para ir além dos dentes, restaurações e cuidados com a saúde bucal.

A destreza manual, aptidão inerente aos cirurgiões-dentistas, faz com esses especialistas se destaquem também nas artes plásticas, dedicando tempo para criar pinturas, desenhos e esculturas, seja como hobby ou até mesmo comercializando suas obras.

A Sorrisos Brasileiros conversou com três desses artistas do mocho e das telas e pincéis, e que dão vida a materiais inanimados.

Alvaro Veiga

Alvaro Veiga, que hoje vive em Maceió (AL), ingressou na Odontologia em 1991, quando se formou em São Paulo e mudou-se para Portugal no mesmo ano. Lá, conheceu Ricardo Wolfson, arquiteto e artista plástico argentino, que pintava com as mãos. “Ele se baseava nos azulejos portugueses e fez obras lindíssimas. Eu acompanhei a carreira dele, trabalhando como cirurgião-dentista”, conta Veiga.

Quando voltou ao Brasil, inspirado pelo amigo, Veiga decidiu se arriscar na pintura de algumas telas. “Sempre me interessei por artes, de maneira geral, e na faculdade eu me destacava bastante por ter habilidades manuais, e por gostar muito de cores”, relembra.

A Odontologia já estava na história da família, pois o pai de Alvaro e especialista em Bucomaxilofacial, o que o moveu a tornar-se cirurgião e implantodontista. Posteriormente, dedicou-se exclusivamente à reabilitação estética. “Quando comecei a pintar, não conseguia mais parar. Aquilo explodiu dentro de mim. Eu expresso muito meus sentimentos através da pintura”, diz Alvaro, que confessa que seu estado de humor está intrinsicamente relacionado às fases de maior ou menor produção artística.

Obra de Alvaro Veiga. (Imagem: arquivo pessoal)

 

Alvaro tem se dedicado à pintura há apenas seis anos, mas com uma produção intensa. Seu estilo de arte contemporânea aposta na composição de cores e formas que resultam em imagens fortes e de harmonia latente. Autodidata, ele nunca fez cursos e nem lida com técnicas pré-estabelecidas, mas busca aumentar seu conhecimento pesquisando outros artistas e dicas nas mídias sociais.

Em seu processo criativo, ele traça um esboço da imagem principal e, depois, define as formas utilizando a composição de cores, chegando a um resultado impactante, normalmente em telas grandes que garantem muita personalidade aos ambientes.

Para definir sua relação com a pintura, Alvaro garante se inspirar na frase de Paul Klee, pintor abstracionista suíço naturalizado alemão, que dizia que “a arte não existe para reproduzir o visível, mas para tornar visível aquilo que está além dos olhos”.

Traçando um paralelo entre a arte e a Odontologia, Alvaro opina que o conceito de beleza é muito amplo nas duas áreas, mas aponta que a harmonia é a principal responsável por definir o belo, seja em um sorriso ou na pintura em uma tela. Perfeccionista, ele busca a excelência nos mínimos detalhes, tanto nos tratamentos de reabilitação estética como nas telas que pinta.

Alvaro tem telas em que utilizou o gesso usado nas restaurações odontológicas para compor suas obras, e segue buscando formas de imprimir a Odontologia na arte, assim como leva arte à Odontologia que pratica.

Luiz Antônio Valdo

Luiz Antônio Valdo é de Socorro, interior de São Paulo, e percorreu um caminho com muitas atividades até se formar em Odontologia. Já foi engraxate, relojoeiro e músico. E foi a música que o levou para São Paulo, onde fez parte da banda da Volkswagen. Depois, foi para Campinas (SP) com o intuito de fazer parte da banda da Força Pública. Mas, para isso, teria que fazer a escola de polícia, e assim fez. Isso aconteceu em 1968, quando o Brasil vivia o início dos chamados anos de chumbo, da Ditadura Militar. Dessa forma, ele não teve autorização para deixar o trabalho de campo da polícia para fazer parte da banda.

“Nessa época, dos anos 1970, em Campinas, só era possível fazer faculdade de Medicina, Direito ou Odontologia. Eu não tinha vontade de ser médico e muito menos advogado, então, decidi ser cirurgiãodentista. Me formei na Universidade Católica – que ainda não era pontifícia –, e fiz o curso com muito sacrifício, porque era muito caro e eu estudava o dia todo. Trabalhava à noite como relojoeiro, e foi então que comecei a pintar quadros e vender na feira hippie do Largo do Rosário”, conta Valdo.

Mas, ele conta que o contato com a arte começou na infância, quando os pais tinham uma loja de presentes, e ele ficava fazendo pequenas esculturas em argila. Mas o talento artístico ficou adormecido até a fase adulta. Depois de formado, Luiz Antônio casou-se e foi para São Paulo, mas chegou a ter consultórios em duas cidades pequenas, também do interior de São Paulo, para fazer especialização.

artes plásticas Odontologia
Obra de Luiz Antônio Valdo. (Imagem: arquivo pessoal)

 

De 1975, quando se formou e de casou, até 2017, ele fazia algumas poucas esculturas, apenas por hobby ou para presentear amigos. “Eu quase tinha me esquecido dessa atividade de artes plásticas. Tinha três filhos e trabalhava muito. Mas, de certa forma, eu praticava minha arte na Odontologia. Nunca gostei de ver dentes quebrados, cariados, e sempre me esmerei nas restaurações”, diz Luiz, que hoje tem uma clínica de Odontologia Preventiva. “Meus pacientes não têm cárie, nem gengivite”, comemora.

Em 2017, Luiz recebeu um convite para participar de um movimento de artes plásticas em Socorro, e decidiu que deveria produzir peças exclusivas para o evento. Isso o estimulou a produzir cada vez mais. E, durante a pandemia de Covid-19, Luiz se voltou muito para a produção artística, passando diversas horas por dia no ateliê que montou próximo ao seu consultório.

No entanto, a Odontologia não perdeu espaço em sua vida. Luiz Antônio conta que está constantemente fazendo cursos de atualização, dividindo bem o tempo entre a prática da profissão e sua dedicação à arte.

Atualmente, ele tem participado de exposições com frequência, e também tem esculturas em locais públicos e comerciais de Socorro. Com um estilo contemporâneo, ele transforma em arte materiais que já foram desprezados por outras pessoas, utilizando ferro, lata, plástico e uma grande diversidade de peças recicláveis. Há esculturas de vários tamanhos, desde pequenas, para decoração interna, até obras gigantes, por meio das quais Luiz procura transmitir mensagens, ideias e sentimentos.

“Faço peças que provoquem questionamentos. Mesmo que a pessoa não goste de uma obra, eu não me importo. O fato de uma peça provocar no expectador algum desconforto, já vai torná-la inesquecível para ele, de alguma forma”, analisa. Todos os seus trabalhos recebem nomes porque ele os considera como filhos, apesar de acreditar que pode restringir ou conduzir o olhar das pessoas ao intitular uma obra. “Acho importante que elas tenham nome. Eu converso muito com minhas obras, e acredito que isso seja um estímulo para que elas conversem com os expectadores”, finaliza.

Admir Belmonte

Com talento para desenhar desde a infância, Admir Belmonte Gavira, de São Paulo (SP), costumava ver animações no cinema e, depois, reproduzir os personagens no papel. Aos 11 anos, ele tinha um vizinho artista plástico, e pediu para ficar acompanhando seu processo criativo, interessado em aprender mais sobre arte. “Naquela época, pintei alguns quadros de paisagens, seguindo o estilo impressionista do meu vizinho, mas eram obras sem nenhuma técnica específica”, relata.

Já na fase adulta, observando sua habilidade para o desenho, um amigo o estimulou a estudar Odontologia. “Eu pensava em me profissionalizar como artista plástico, mas também gostava de Biologia. Então, decidi unir as duas áreas e fazer Odontologia”, conta, dizendo que passou em 5º lugar no vestibular e se destacava muito nas aulas de desenhos orgânicos da faculdade.

Durante toda sua carreira como cirurgião-dentista, nunca deixou de desenhar e pintar. Vendeu algumas obras e doou outras. “Depois de alguns anos, fiz um curso de desenho com o lado direito do cérebro, com o arquiteto Dalton De Luca, que apurou muito minha observação de detalhes”, diz.

Obra de Admir Belmonte. (Imagem: arquivo pessoal)

 

Por indicação de uma paciente, Admir passou a produzir obras para o ateliê do argentino Carlos Árias e da italiana Juliana Perozza, em São Paulo, produzindo obras abstratas. Depois, fez curso de modelagem corporal e chegou a fazer exposições de suas obras, desde a década de 1970. “Naquela época, eu fazia trabalhos mais acadêmicos, que hoje não faço mais”.

Em 2006, já dedicado à escultura, comprou uma casa e montou um ateliê, onde fez uma exposição individual. “Um pouco antes da pandemia fui convidado pela coordenadora do Museu Manabu Mabe para expor minhas peças. Eu estava apenas com cinco obras, e ela queria 13. Fiquei desesperado, pensando como conseguiria dividir meu tempo entre o consultório e o ateliê para criar tantas peças em pouco tempo. Mas, em seguida, veio a pandemia de Covid-19, e eu acabei produzindo bastante, já que fiquei com o consultório fechado por três meses. Hoje estou com 23 peças, entre esculturas grandes e pequenas.

As esculturas de Admir são elaboradas em bronze e resina, tendo corpos humanos como maior inspiração. Para alguns trabalhos, ele modela partes dos corpos de pessoas em gesso para a criação das obras, misturando o real e o abstrato com um resultado muito interessante.

“Costumo dizer que, de segunda à quinta, eu estou dentista, e de sexta a domingo, eu sou escultor”, conta com bom humor. E, depois de quase 40 anos, Admir voltou a fazer um curso de pintura.

Apesar de toda sua dedicação à arte, essa não é uma atividade comercial para ele, que confessa encontrar nessa atividade uma válvula de escape para o estresse e para manter sua saúde em forma. “Não ganho nada com isso, mas economizo em tratamentos psiquiátricos”, diz em tom de brincadeira, mas atribuindo à arte o fato de manter a saúde física e mental em dia.

Há 50 anos praticando Odontologia, Admir é especializado em estética do sorriso e proporção áurea, imprimindo arte também em seu trabalho como cirurgião-dentista. Com especializações no exterior e um extenso currículo acadêmico, ele esculpiu na vida uma carreira irretocável, mas confessa que tem olhado mais de perto para o sonho de viver exclusivamente das artes plásticas.